Já tem uma idade razoável. Por isso a vida presenteou-a com a doença. Vive sozinha, é autónoma, e anda, felizmente, bem.
Depois de alguma conversa, e dos meus parabéns, os quais caem muito bem na sua alma, basta ver a alegria estampada nas feições, chamou-me a atenção para as festas da cidade.
- Ah, é verdade! Este ano há procissão, não há?
- Há pois.
- Lembro-me que nos dias de procissão costuma estar um calor dos diabos.
- É verdade senhor doutor. A procissão do domingo é muito penosa. Agora já não vou.
- Era o que mais faltava. Não pode! Retorqui.
- Pois não. Sabe, eu sou irmã da Rainha Santa.
- Irmã da Rainha Santa? Explique-me lá isso melhor.
- É verdade. Até tive de levar um documento da junta a atestar a minha religiosidade.
- Não me diga! Foi há muito tempo?
- Foi. Paguei na altura cinco contos de réis.
- Cinco contos? Era uma quantia apreciável.
- Eu gosto muito da Rainha Santa. Tenho muita fé. Muita. O senhor lembra-se daquelas dores muito fortes que tive na coluna?
- Então não me lembro.
- Pois olhe. Foram tão violentas que eu fiz uma promessa à Rainha Santa.
- Ah! Mas melhorou com a medicação, não melhorou?
- Sim. Disse de forma a poder continuar o seu relato sem dar muita importância à minha terapêutica. Mas sabe uma coisa? Esqueci-me qual foi a promessa.
- Esqueceu-se?
- Sim. Mas sabe como resolvo o problema?
- Não. Diga.
- Quando passo por lá deixo-lhe qualquer coisa, uma vela, um ramo, uma flor. Talvez ela se esqueça. Uma gargalhada contagiosa salpicou-me de uma forma intensa, provocando uma sensação agradável.
- Deixe lá. A esta hora a Rainha Santa já se esqueceu. Mesmo que não tenha esquecido já sabe como tratar as dores, não sabe?
- Ai! Suspirou. Se tiver essas dores eu faço-lhe novamente uma promessa, mas desta vez vou apontá-la para não me esquecer...
2 comentários:
Teria sido muito mais difícil para a Rainha Santa, de quem a Senhora é devota, operar o milagre de lhe fazer desaparecer as dores na coluna, se o Doutor que a Senhora consulta, não lhe tivesse receitado os tais comprimidinhos... milagrosos.
Isto de os médicos terem pactos firmados com os santos... tem muito(s) "milagres" que se lhe diga.
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