Há quase 30 anos (tanto tempo, Deus meu!), escrevi e publiquei as notas para um estudo que serviu de base às provas públicas do concurso para Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Incidiu sobre a justiça constitucional em Portugal e nele incluí um pequeno capítulo em que analisava as críticas ao modelo de controlo da constitucionalidade que tem como peça central o Tribunal Constitucional, adotado entre nós na sequência da 1.ª revisão da Constitucional, por referência à opinião expressa por Otto Bachof, emérito professor alemão de direito público , nessa altura uma das vozes mais escutadas sobre a matéria. Tive hoje necessidade de revisitar o que então escrevi. Mudei, ao longo do tempo, muitas vezes de opinião sobre questões de Direito, como é natural. Mas o que na minha juventude e na juventude da Constituição que temos, expressei sobre tema que, adormecido por muitos anos, de repente despertou interesse sobretudo de políticos, não perdeu acuidade. Aliás, este súbito interesse e as razões subjacentes, só comprovam - passe a imodéstia - o acerto do que opinava então e reescreveria agora sem tirar nem por:
- “…acrescenta aquele professor (Otto Bachof): «mais importante que este problema é a outra questão que se trata igualmente sob a rubrica `politização da justiça': o facto de se confiarem aos juízes decisões de alcance político, pode supor um forte estímulo para que os grupos políticos influam nos critérios de selecção dos membros dos tribunais, e, sobretudo, do Tribunal Constitucional, dando lugar a que o provimento dos cargos não obedeça às aptidões mas às opiniões e pelas (verdadeiras ou presumidas) simpatias do candidato. Desde logo, este perigo não deve ser menosprezado». Temos fundadas dúvidas sobre se os autores da 1.a revisão constitucional encontraram a solução avisada contra o perigo assinalado. Dúvidas que resultam fundamentalmente dos critérios de designação dos juízes do Tribunal Constitucional. Nos termos do artigo 284.° [corresponde hoje ao artigo 222.º] os treze membros são nomeados, directa ou indirectamente, mas em exclusivo, pela Assembleia da República (dez designados pela A. R. e três cooptados por estes) o que significa que a solução encontrada não tomou em linha de conta o sistema de governo adoptado pela própria Constituição; sistema esse que se fundamenta na idêntica proeminência (sob os perfis da legitimidade do mandato e do complexo de poderes) de um outro órgão de soberania — o Presidente da República, numa tensão e constante equilíbrio de poderes. Além de que a profusão de forças políticas que compõem o nosso sistema de partidos representados na Assembleia da República, transforma a questão de escolha numa batalha no contexto da conjuntura e da correlação de forças parlamentares no momento da designação, dando um cunho fortemente partidarizado ao acto de eleição de um órgão que pela sua natureza deveria assumir-se com uma áurea de independência e imparcialidade. É certo que os constituintes procuraram criar algumas defesas contra esse risco ao imporem que três dos conselheiros e os três cooptados sejam juízes de carreira, isto é, pessoas cujo estatuto profissional e institucional sempre lhes exigiu exercício de funções jurisdicionais, com a independência, imparcialidade e a garantia da irresponsabilidade pelas decisões tomadas; e, ainda, que a sua eleição seja feita no seio da AR por maioria agravada de dois terços. É igualmente certo que o período de mandato dos juízes é superior ao da própria legislatura e estes gozam do estatuto da inamobilidade (artigo 22.° da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro), sendo-lhes proibido desenvolver quaisquer actividades político-partidárias de carácter público. E não deixa de ser verdade que a composição e a forma de designação dos juízes não é critério fundamental para avaliar da capacidade do órgão central do sistema de justiça constitucional em julgar da validade das espécies normativas, sem apelo a critérios políticos ou influências, por pressão, de outros órgãos ou forças. Até porque, em França, se fez ressaltar a independência e neutralidade com que o Conselho Constitucional se desempenha das suas funções, apesar de não ser um órgão jurisdicional. Mas não parecerá irreal afirmar-se que o passo dado em frente pela supressão da feição política da tutela constitucional em que consistiu a extinção do Conselho da Revolução, deveria levar a uma solução que colocasse o Tribunal Constitucional mais distante e, por que não dizê-lo, mais independente dos órgãos que fiscaliza”.
10 comentários:
« ...um órgão que pela sua natureza deveria assumir-se com uma áurea de independência e imparcialidade.»
Caro Dr. José Mário, eu, leigo confesso em matéria de jurisprudência constitucional ou não, assim como em todas as demais, suspeito que alguém tenha escondido a varinha mágica que o extinto conselho da revolução entregou a alguém e que ninguém sabe quem seja. Uma vez que a tal varinha se perdeu, vejo como única hipótese de "moralizar" a nomeação dos juízes para o Tribunal Constitucional, a utilização da tombola com que a Santa Casa da Misericórdia sorteia os números do euromilhões.
Poderia também sugerir o velho método do "um dó li tá" mas creio que seja mais falível.
Meu caro Bartolomeu, existem, experimentados, vários modelos de controlo da constitucionalidade das leis. A todos se apontam vantagens e inconvenientes, nenhum é imune ao risco de politização. O que é lamentável é que se discuta este e outros temas do nosso sistema juridico-constitucional como todos os vemos discutir. Ainda há dias os senhores deputados do PSD da Madeira contribuiram para que esta questão se não discuta com a seriedade que se impõe.
Caríssimo, opinião de um leigo. O TC é um verdadeiro coveiro, quer da Nação quer deste governo.
Ao impedir cortes e equiparações dos que mais têm,"justiça em causa própria" vão mudar o equilíbrio das nossas contas.Os já mais favorecidos com mais dinheiro no bolso, acorrerão aos melhores e caros produtos importados.Ontem, um destes priveligiados, sai do seu novo Mercedes branco "65.000€",cumprimenta-me e dizia-me;Cavaco,Passos,Isaltino, etc, etc, não prestam.Respondi-lhe; pois só se salvam Eu e Você.
Rapa-me da caderneta e vejo salário e subsídio pago por inteiro - 7.992 € líquido. É isto que o TC está a fazer.
Espero que este meu escrito não lhe vá ás mãos senão lá perco um amigo.
Cumps
Meu caro opjj, não perde nada um Amigo, ora essa! Este é um espaço de liberdade, em que cada um se manifesta de acordo com o que julga saber, mas também de acordo com o que sente.
Já há dias anotei que o meu caro opjj é sempre bem vindo, mesmo que seja só para discordar.
Quanto ao tema, lamento uma vez mais ser utópico, mas sou assim, que fazer? Para mim, o país ideal seria aquele em que o Tribunal Constitucional desse o seu contributo para nivelar por cima, se possível para que a maioria das pessoas ganhasse pelo menos isso que o seu conhecido exibiu. Mas um País que produzisse, claro está, o necessário para permitir o acesso o mais largo possível a esses rendimentos.
O problema é que são poucos os que parecem compreender esta verdade simples e impiedosa: é que só se pode distribuir o que se tem. E o que se tem, é muito pouco...
Caro JM Ferreira de Almeida; entendo perfeitamente o que diz no seu "post" e as respostas que dá aos comentários dos Caros Bartolomeu e opjj, mas deixe que lhe diga que não concordo nada com a resposta a este último. Acho mesmo que não entendeu perfeitamente o que opjj quis dizer. Se é certo que se não pode distribuir o que se não tem, por que razão se distribui tão mal o pouco que existe? E qual a moralidade daqueles que fazem a distribuição, muitas vezes (quase sempre)"justiçando" em causa própria, como muito bem diz opjj?
Creia que não sou "esquerdista" nem coisa que se pareça.
Pois foi caro Dr. José Mário, os Senhores Deputados madeirenses, porventura esqueceram-se que qualquer revisão e ou alteração à Constituição Portuguesa, carece de consenso, unanimidade e até, quiçá, de referendo público (isto se os promotores da revisão, tiverem em conta aqueles princípios básicos que caracterizam um regime democrático). Vá lá que neste assunto, os deputados do PSD/Continente, andaram mais avisados (digo, ajuizados).
Só significa, meu caro Bartolomeu, que os senhores deputados do PSD/Madeira (que é uma coisa diferente do PSD/Continente) estão satisfeitos com a Constituição que têm, e por isso, por precaução, eliminaram as hipóteses de discussão séria desta questão nos próximos tempos.
Meu caro SLGS, vejo que abusei na dose de ironia que usei na resposta a opjj. É evidente - e estava pressuposto no comentário aos comentários, julgava eu - que é ainda mais difícil de aceitar a falta de equidade na distribuição quando há menos para distribuir. Já aqui, de alguma sorte em contracorrente, defendi, por exemplo, um teto para as pensões suportadas pela comunidade.
Eu compreendo o texto todo e concordo com tudo. Mas compreendo perfeitamente a posição dos deputados do PSD/Madeira.
A "politização" do tribunal é uma coisa, aquilo que se passa é outra completamente diferente. Tem outro nome.
Não estamos a falar de originalidades portuguesas em nenhum dos pontos que andam a ser tratados, a constituição não tem nenhuma originalidade nos princípios levantados pelo PR e pelo TC. Nenhuma. Mas só nós é que temos um problema. Por isso, se o problema não está de um lado, está de outro. Se aquilo que foi decidido é para ser seguido em decisões posteriores, então a proposta de se acabar com o TC é mesmo a única maneira da república sobreviver.
Ah, e se não há originalidade nos princípios fundamentais, então o TC pode bem ser uma entidade externa.
Olhe que não tinha visto "a coisa" por esse ângulo, caro Dr. José Mário. Mas sim senhor, essa é uma conclusão a que se pode chegar, sem correr o risco de errar... por muitos.
;)))
E eu que pensava que aquela ilha é como um barco florido que navega no oceano, afinal... um barco, é. Mas as "flores" é que talvez não possuam o colorido que se imagina.
https://www.youtube.com/watch?v=e3-uQeCe2Ps
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