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segunda-feira, 11 de setembro de 2006

Aprender a ler!...

Iniciam-se hoje as aulas e a grande expectativa dos miúdos que as irão frequentar pela primeira vez é aprender a ler.
A este propósito, não resisto, num primeiro texto, a contar a minha experiência pessoal de aprender a ler e de a ligar, num segundo, com o recente texto, neste blog, do Prof. Massano Cardoso, Agnotologia- Cultura da ignorância.
A minha mãe era professora e lembro-me que assinava três jornais de assuntos educativos, a Escola Portuguesa, a Educação Nacional e o Educador.
Bem miúdo, e antes de ir para a escola, conhecia as letras, mas não tinha ainda a chave de as conseguir juntar. De qualquer maneira, gostava de olhar para os jornais, para "ver" o que diziam.
Um daqueles jornais publicava regularmente listagens de professores. Fazia-me uma certa espécie ver uma ou várias páginas inteiras com todas as palavras a começar por letras em tudo iguaizinhas. Meti-me em brios e, numa bela tarde, decidi não parar, enquanto não conseguisse decifrar o enigma, munido com o parco instrumental técnico de já conseguir juntar algumas letras, por exemplo T e U, TU.
Era uma quente tarde de verão e, sem dormir a sesta, passei umas largas horas, sentado ao sol nas escadas da cozinha, que davam para o exterior da pequena quinta onde morava, onde podia ouvir a Deolinda, criada lá de casa (na altura chamava-se assim) a cantar, e que bem cantava, enquanto lavava a roupa no tanque, à sombra, debaixo da ramada. A Deolinda, sem o saber, era a minha música da altura!.
Olhando para o jornal, se ao fim de algum tempo conseguia juntar as duas primeira letras, um M e um A, dando MÁ, não atinava com as três seguintes, por serem logo três.
Depois de a Deolinda me ter dado vários ralhetes por estar ao sol sem chapéu, verifiquei que juntar as duas segundas letras, um R e um I, fazia sentido e dava RI. Tinha então MÁ e RI. Mas, se compreendia o que era MÁ e o que era RI, não via o sentido conjunto. Se lhe juntasse o A final dava-me uma coisa MÁ RI Á, a que também não descortinava qualquer significado. Interrompendo as canções, a Deolinda lá me ia atando mais umas quantas vezes o chapéu ao pescoço e ameaçava-me com grande constipação, injecções e uns dias na cama com febre, por estar ao sol, o tempo passava, mas o certo é que eu não saía do MÁ RI Á. Só depois, perdoe-se-me a imodéstia, num lampejo de génio, comecei a repetir alto e rapidamente MÁ RI Á, MÁ RI Á…e soou-me que não podia ser outra coisa que não Maria. Saí das escadas a correr e fui ter com a Deolinda, e também com a minha madrinha, que lhe fazia companhia, a dizer que já sabia ler. Levei o jornal e não parei enquanto não lhes li os cinquenta nomes Maria de uma lista de colocação de professoras que aparecia na página do jornal. No fim, a Deolinda e a minha madrinha deram-me um beijo, de que me lembro como se ainda fosse hoje. E ouvi a Deolinda a comentar: tão pequenino e já sabe ler!...
E logo interrompeu a lavagem da roupa, dizendo que me ia fazer uma gemada para a merenda ( era assim que no campo se chamava ao lanche), porque “ o menino devia estar muito cansado da cabeça!...”
Irei a seguir ao texto do Prof. Massano Cardoso.

3 comentários:

João Melo disse...

uma bela história como só o dr pc sabe contar..

Massano Cardoso disse...

Ao ler o seu post lembrei-me da minha filha mais velha quandoleu a primeira palavra. No carro e numa paragem de STOP, a míúda começou com SÊ - TÊ - Ó - PÊ. Acto contínuo: STOP! E eu arranquei...

João Filipe Rodrigues disse...

O meu avô, que toda a vida foi relojoeiro, mas que gostava de ter sido professor, comprou um livro muito curioso, a Cartilha Maternal de João de Deus, para me oferecer no meu quarto aniversário. Tinha a esperança de testar em mim a sua vocação adiada, visto que, quase trinta anos antes, a filha se recusara a colaborar com a sua quimera, preferindo olhar para a parede e ignorar as letras.
Fervendo de impaciência, acabou por me mostrar o livro três meses antes do meu aniversário, começando naquele dia mesmo as suas lições.
Ele chegava da loja uns minutos depois da uma da tarde, e eu já o esperava: "Ler Avô! Vamos ler!". Ele ia buscar ao livro à sua gaveta, aquela em que era proibido mexer, sentava-se na poltrona e sentava-me ao seu colo, durante os dez/quinze minutos até a Avó pôr o comer na mesa. Abriamos a Cartilha e ele ensinava-me, primeiro uma página, depois duas, "mais Avô, mais", no fim já duas ou três por dia mais uma passagem diária pela minha palavra predilecta: i-di-o-ta.
Quando fiz quatro anos, não recebi a cartilha, mas já o resultado final dos seus ensinamentos, porque naqueles três meses o meu Avô ensinou-me a ler.