Número total de visualizações de páginas

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Ratificação Parlamentar = Outra Promessa Incumprida…

E pronto: lá vamos ter ratificação parlamentar do Tratado de Lisboa.

Quero desde já deixar bem claro que sou totalmente favorável ao Tratado Europeu que foi assinado no passado dia 13 de Dezembro em Lisboa. Considero-o um passo fundamental para fortalecer a Europa e consolidar o projecto europeu. Uma Europa unida e vencedora é hoje indispensável – e desse contexto todos os países europeus retirarão vantagens incluindo, naturalmente, Portugal.

Porém, do meu ponto de vista é muito diferente, para os portugueses, que a ratificação do Tratado de Lisboa seja feita através de um referendo ou por via parlamentar.

Nem vou usar o argumento (e poderia fazê-lo) de que nunca foi realizado nenhum referendo europeu no nosso país – e que, portanto, esta seria uma óptima ocasião para o fazer.

Nem o argumento de ser quase a 100% certa a vitória do “sim” num eventual referendo que viesse a realizar-se no nosso país – pois, de acordo com todas as sondagens conhecidas sobre o assunto, é esmagadora a maioria da população portuguesa favorável ao projecto europeu.

Para mim a questão é muito simples: trata-se de uma promessa eleitoral que foi feita na última campanha para as eleições legislativas. E o que é prometido aos eleitores deve – tem que!... – ser depois cumprido. Já estamos todos cansados de ver promessas feitas durante campanhas eleitorais serem depois absolutamente metidas na gaveta porque “as circunstâncias se alteraram”. Lembram-se do “choque fiscal” de 2002 (que, como é sabido, tanto me diz…)? Ou das promessas de não introduzir portagens nas SCUT e de não aumentar os impostos em 2005? Ou, cá está, da promessa de referendar o Tratado Europeu que quer PS, quer PSD, fizeram na última campanha para as eleições legislativas, em Fevereiro de 2005?...

Ora, a propósito de “alteração de circunstâncias”, tem sido referido que o Tratado de Lisboa é muito diferente do Tratado Constitucional que franceses e holandeses fizeram abortar em referendos realizados na Primavera de 2005. E que a promessa eleitoral dizia respeito a “esse” Tratado Constitucional. Porém, basta uma leitura atenta para percebermos que o essencial do conteúdo do Tratado Constitucional está presente no Tratado de Lisboa. Numa percentagem, digamos, não inferior a 90%. Isto é, nada de substancial muda do Tratado Constitucional para o Tratado de Lisboa. “Alteração de circunstâncias”?!...

E também tenho ouvido que o facto de Portugal poder referendar o Tratado de Lisboa poderia tornar mais difícil a vida em outros países “menos europeístas” (cujo expoente máximo é o Reino Unido) no sentido em que poderia ser mais fácil reivindicar a realização de um referendo que poderia levar à rejeição deste Tratado. Com ratificação parlamentar em todos os países da União Europeia (excepto na Irlanda em que, por imperativos constitucionais tem que ser realizado um referendo – mas aí o resultado não será problemático), o problema, evidentemente, não se coloca: não há nenhum exemplo referendário “voluntário” a que recorrer…

Ora, aqui, quero referir apenas dois aspectos.

Primeiro: cada país deve tomar a decisão que julgar mais adequada e não optar por esta ou aquela solução apenas porque outro(s) país(es) a tomou. Não é cada um dos Estado em causa soberano?!...

Segundo: Mesmo tendo o Tratado de Lisboa sido assinado em Portugal, poderá o nosso país ser a referência para a Europa em matéria de referendo? Será o peso e a influência de Portugal de tal ordem que outros Estados-membros se veriam impelidos a imitá-lo?!... Francamente: quem dera que assim fosse…

Sinceramente: por mais argumentos que possam ser invocados, a minha opinião é que nenhum se sobrepõe aos compromissos assumidos internamente entre quem vota e quem é escolhido.
Creio que não andarei longe da verdade se disser que poucos factores existirão que distanciem mais o eleitorado e os eleitos, e que mais descredibilizem a classe política, do que prometer e depois não cumprir. Isto para além de que proceder assim é um total desrespeito para com os eleitores. E que motivos terão as populações para confiar, em eleições seguintes, naqueles que prometeram e depois não cumpriram?!... E se este sentimento for generalizado, que motivos existem realmente para se ir votar?!... Pois é, não há mesmo volta a dar: o que se promete aos eleitores nas campanhas tem mesmo, depois, que ser cumprido. Se assim não acontecer, é a própria democracia que é colocada em xeque.

9 comentários:

Tonibler disse...

Penso que as coisas entre a ratificação pelo parlamento ou por referendo estão muito para lá da mera promessa eleitoral que, diga-se, só convence quem é burro.
Há uma cedência de soberania para o qual nenhum deputado está mandatado e, ao ratificar o tratado à revelia do soberano, é traição. Eu, como cidadão, vou querer saber quem é que o ratificou e, depois, se correr mal, devemos tratar quem o ratificou de acordo com o acto que cometeu. Ainda por cima conscientemente.
Agora, promessas de políticos? Tenham dó de mim...

pedro oliveira disse...

Acho muito sinceramente que, o povo até agradece que esta promessa eleitoral não seja cumprida, já em relação ás outras, completamente de acordo.

pedro oliveira
http://vilaforte.blog.com

TAF disse...

Comentei ontem este assunto também: Democracia podre.

Anthrax disse...

Caro Miguel,

Pois não é que estou de acordo consigo? Surpreendente. :)

Ok, e agora fora de brincadeiras. De um modo geral não sou a favor de referendos a acordos/tratados/convenções internacionais. Além disso, pela CRP nem sequer é obrigatório submetê-los a referendo. A única coisa que, efectivamente, tem de ser feita é a ractificação parlamentar. Assim sendo, não me choca nada que o governo tenha optado por não referendar o Tratado, muito pelo contrário, acho muito bem que não o tivessem feito.

No entanto, o maior problema que vejo aqui é - precisamente - o assunto ter sido objecto de promessa eleitoral. Nunca o deveria ter sido mas, foi e neste sentido a coisa foi bastante mal gerida. Ainda assim, não há nada como aceitar as consequências de uma má decisão.

Relativamente à questão da "soberania" que o amigo Tóni levanta e da sua cedência ou não, relembro que só se pode ceder o que se tem, quando não há nada para ceder isso não é um problema. O conceito tradicional de soberania assenta num principio básico que é a noção de um «poder que não tem igual na ordem interna nem superior na ordem externa», hoje em dia é bom que não se entenda a soberania desta forma, caso contrário, estamos bem tramados. Aliás, estamos mais do que tramados porque aqui há uns bons séculos atrás até um mero Senhor Feudal podia cunhar (no sentido de emitir) a sua própria moeda e actualmente nós nem isso podemos fazer.

Mais acresce o facto de que o amigo Tóni sugere - ali entre-linhas - que o "povo" é "soberano, meu querido amigo... o povo é soberano até à hora de encerramento das urnas em dia de eleições, findo esse dia a "soberania" é uma daquelas competências que foi delegada - por 4 anos - no partido vencedor e que só pode ser retirada em sede de outro capítulo e de várias formas.

Quando elegemos um governante, nós cedemos essa "soberania" em troca de várias coisas. Faz parte do contrato e é suposto ser assim se não quisermos em estado de permanente sobressalto.

Vá, e agora já chega de momentos inteligentes. Gosto mais de dizer parvoíces. :)

TAF disse...

É importante realçar que o comportamento do Presidente da República neste caso foi também ele vergonhoso. Digo eu que votei nele...

Miguel Frasquilho disse...

Obrigado pelos vossos comentários... Caro Anthrax, é verdade: é surpreendente estarmos de acordo, não é?... Mas pronto: talvez seja a excepção que confirma a regra. Acredite que quanto a promessas não cumpridas, infelizmente, senti bem na pele aquilo por que passei. E é algo que nunca irei esquecer. Até porque ainda ninguém me provou - muito pelo contrário - que se se tivesse cumprido o que se prometeu em 2002, o país não estaria hoje muito diferente para melhor!... E olhando para o Mundo à nossa volta, acredito piamente que estaríamos!...

Tonibler disse...

Camarada Anthrax,

Nas eleições empresta-se a soberania, não é vendida. Quer isto dizer que os deputados não podem fazer dela o que quiserem até porque só o são (deputados) enquanto parte dessa soberania e não acima dela. O mesmo se aplica ao Presidente da República que, recorde-se, se aceitar esta ratificação trai a sua promessa de defender a própria república constitucionalmente baseada na soberania popular. Vergonhoso, como diz bem o camarada TAF que tem boa solução para a próxima (digo eu que não votei nele...)

Claro que tudo isto parece ridículo quando as coisas correm bem. Mas também há 20 anos em Sarajevo ninguém pensava que as coisas poderiam correr mal, os bascos fazem parte da Espanha há muito mais anos que nós da UE e aquilo nunca correu bem. Aquilo que digo é que, se correr bem vai correr bem para todos, se correr mal vai correr mal para quem ratificou à revelia do povo que, como em todos os casos deste tipo, nunca esquece os traidores.

Anthrax disse...

Caro Miguel,

Pois além de acreditar piamente nas suas palavras, concordo também com o resto que defendeu na altura e não gostei daquilo pelo que o fizeram passar (muito embora eu não saiba da missa a metade, nem tão pouco ande lá perto), no entanto são bem visiveis as consequências de mais uma "má decisão". Sempre acreditei que quando se assume - e se aceita - o risco há sempre hipóteses das coisas correrem bem ou correrem mal e se estivermos preparados para responder a qualquer coisa que corra mal, então devemos arriscar.

Infelizmente, essa não foi a opção política na altura e na, minha óptica, foi um erro. Erro, pelo qual estamos hoje a pagar. Mas ei! Eu sou só eu, as minhas habilitações literárias não permitem que me estique muito em domínios que tenham demasiados números :))

Agora, camarada Tóni, as minhas habilitações literárias já permitem que me estique "buéééé" em domínios como o da Ciência Política. :))

Meu querido amigo, eu não empresto nada a ninguém e muito menos a soberania. Se há alguém que a venda (e.g. como em alguns casos sul americanos em cujo conceito de participação política activa é bastante mais abrangente do que a mera perspectiva tradicional europeia), pois acho que faz muito bem e espero que peça um bom valor. É tão boa forma de participar na política como outra qualquer.

Em termos, meramente, técnicos e não retirados da literatura romântica não se cede, nem se empresta a soberania uma vez que esse é um conceito que se aplica a uma entidade abstracta que é o Estado. Por isso também é que existem diversos tipos de Estado categorizados em função de diversos elementos (entre eles a soberania).

O meu querido amigo ao exercer o direito de voto, garanto-lhe que não está a emprestar um bocado de soberania. Porque se há uma coisa que o meu amigo não é, é soberano e tal como eu lhe disse, não se pode ceder, emprestar ou vender aquilo que não se tem. Se essa coisa da soberania popular fosse a sério (e não uma brincadeirinha), eu ia lá para fora e fazia o que muito bem me apetecesse (olhe, ia fumar para o cafézinho lá em baixo só para chatear os indigenas que não gostam, por exemplo), fá-lo-ia só porque sim e porque podia. Sou soberano, logo quem estabelece as regras sou eu e ninguém é superior a mim.

Mas as coisas não são bem assim, pois não? :)

Relativamente a Sarajevo, lamento contrariá-lo, mas era do conhecimento geral (pelo menos em termos académicos)que a morte do Tito ia provocar convulsões na Jugoslávia. Convulsões essas que são históricas e podem perfeitamente ser analisadas uma vez que as pretensões das regiões envolvidas não são novas, nem são de agora. E se alguém pensa que o Kosovo tem a sua independência para breve, é melhor sentarem-se (é capaz de ser mais fácil a Turquia entrar para a UE).

Epá! Párem de me obrigar a dizer coisas inteligentes! Não quero!

Vou jogar warcraft.

Carlos Sério disse...

Que futuro para a Europa, quando os seus governantes forçam o cidadão europeu a aceitar o Tratado cozinhado em Lisboa?

E quando, a justificação para não referendar o dito Tratado, é nas palavras destes iluminados governantes, a incapacidade do cidadão em compreender o seu texto quando, calculada e meticulosamente, ele foi manipulado de modo a torná-lo o mais confuso e obtuso possível, que nome devemos chamar a esta gente?

Que pressa os fará correr assim?