Procuro o refúgio do meu gabinete. Gosto de estar no silêncio das minhas paredes, paredes que me conhecem tão bem, tão bem como eu a elas. Sempre nos entendemos, elas com o seu silêncio e eu com os meus pensamentos. É um local com algum sentido de sagrado a querer imitar, embora sem conseguir, um templo religioso. É um local privilegiado onde consigo despertar o sentido da liberdade e da criatividade que sempre persegui. É um local doce e solitário que me faz esquecer tantas coisas e me ajuda a pensar e a desenhar pensamentos e a tentar ver o mundo de outra forma. É um local do passado que me empurra, sem sobressaltos, para ver o que está ali à minha frente, aquilo a que chamam pomposamente futuro. É uma fonte de tranquilidade, de sabedoria adormecida e de esperança viva, em que é possível ver, ouvir e sentir o mundo com a ousadia da razão e com a força da inspiração. Gosto de estar no meu espaço, na minha solidão universitária, esperando, escutando e desejando encontrar algo que acalente os meus sentidos e a fome de conhecimento. Não me importo que outros possam ter mais e melhor. O que me interessa é apenas saber. Para saber basta-me recolher e ver. Vejo, sinto e ouço tantas coisas e se não vejo, sinto e ouço mais é por que não quero. Mas eu quero. Toco num velho livro, numa relíquia qualquer, imagino o que aqui fiz e desenhei, o que escrevi e o que inventei, o que desejei e nunca alcancei, pois foi aqui que passeei a minha vida e daqui viajei e sempre voltei. Estou aqui, sentado, à espera. Não sei de quê, mas estou à espera, e quem espera sempre alcança, mesmo que seja a desesperança. Não interessa. As ideias correm, as lembranças também, os projetos acordam e as associações explodem com vontade de se mostrar ou de me saciar. Emergem com tal facilidade que não as consigo reter. Fogem-me, escapam-me com prazer. Brincam. Divertem-me. Apetecia-me prendê-las ao papel. Não faço. Deixo-as ir. Libertam-se, mas deixam novas sensações as quais por sua vez despertam novas ideias num turbilhão fabuloso de conceitos e interpretações. Não preciso de as guardar, apenas necessito de as sentir. Basta senti-las, para que um dia destes as possa prender e depois oferecer. O meu gabinete é mágico. Gosta de brincar com coisas sérias e eu gosto de transformar as coisas sérias em brincadeiras, sempre no mais belo silêncio que se possa imaginar, um silêncio apenas interrompido pelo som, pelo cantar nostálgico, e ao mesmo tempo frenético, da cabra ao fim da tarde a relembrar que devo descansar um pouco, pelo menos para a ouvir. Eu ouço com prazer, um prazer que não consigo descrever, porque só se pode sentir.
2 comentários:
Caro Professor Massano Cardoso
Todos temos os nossos lugares "mágicos", são tão cúmplices das nossas vidas que não os podemos dispensar.
Acho que só há lugares mágicos quando aí se viveram temos felizes que nos fizeram sentir parte integrante de alguma coisa que nos transcendeu. Nos lugares mágicos acumulou-se energia positiva, reconhecemos-nos nas coisas, na paisagem que associamos ao lugar, é um ambiente seguro no nosso imaginário. Hoje é difícil construir esses lugares, há os open space, as mudanças permanentes, uma luta constante pela integração, a "personalização" de um espaço é uma preciosidade em extinção...
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