Já tinha examinado a senhora mais do que uma vez. Conhecia-a. O ano tinha passado com naturalidade. Bom aspeto e sem grandes estigmas do sofrimento crónico que a atormenta há muito tempo.
- Tudo bem com a senhora? Teve algum problema neste último ano?
- Não. Ando bem. Não tive qualquer problema, senhor doutor.
- Ainda bem. Ripostei.
- Agora comecei a fazer medicina quântica. Fez esta afirmação com tal ênfase como a querer dar a entender que estava na "moda" utilizando algo muito sofisticado. Ao fazer a afirmação, o seu olhar encheu-se de brilho, levantou a cabeça, empertigou-se, e sorriu com satisfação.
- Faz o quê!? Medicina quântica?! A forma espontânea, e incrédula, como a interpelei fez com que perdesse o sorriso. A cabeça descaiu e o olhar perdeu o brilho. Eu não a quis incomodar muito. Perguntei-lhe o que era isso, mas depois desviei a pergunta para, como é que faz a medicina quântica. De qualquer forma, não sendo destituída de razão, antes pelo contrário, contra- argumentou, dizendo que eu, médico, deveria saber muito mais do que ela sobre o assunto. Ela não sabia como é que as coisas se processavam, só sabia que eram vibrações que lhe eram enviadas para o corpo pelo computador e que ela ia absorvendo. Tentei puxar pela senhora, mantendo uma atitude de respeito, mas não de admiração, de forma a conhecer melhor a história. A senhora deve ter-se apercebido da minha incredulidade e passou a defender-se contra-atacando dizendo que se a medicina quântica não fazia nada pelo menos podia ajudá-la.
- Não é verdade senhor doutor, mesmo que não faça nada e eu acabar por me sentir melhor é bom, é positivo.
- Sim, de facto é verdade.
- Se eu tomar farinha e ficar melhor não é bom para a saúde? É o caso do placebo. Não é verdade senhor doutor? Embora pague... A quantia não era despicienda.
- Sim, é verdade.
- Eu já falei com o meu psiquiatra e ele disse-me que fazia bem, ou, então, mal não fazia. Contra estes argumentos não podia nem devia fazer quaisquer comentários, mas, mesmo assim, perguntei-lhe como é que a senhora "doutora" fazia a medicina quântica.
- É simples. Põe braçadeiras a nível dos punhos e das pernas e uma cinta à volta da cabeça as quais estão ligadas ao computador por fios, através do qual a senhora controla a emissão de vibrações que o meu corpo vai absorvendo. Já agora queria dizer-lhe que a doutora pediu para que o senhor doutor dissesse como estava o coração e que fizesse um eletrocardiograma por causa das vibrações, para saber se tinham sido absorvidas.
- !!!??? Como? Não adiantei muita conversa, olhei para o traçado e disse-lhe que estava tudo bem.
- O seu exame está bom. Não tem nada de anormal. A senhora deve continuar com a medicação. Não se esqueça. Tratava-se de uma medicação apropriada para por o cérebro a trabalhar em condições.
Medicina quântica! Mais uma a juntar a tantas outras. Pois, pensei, uma das característica da quântica é estar ou ser duas coisas ao mesmo tempo. Pela primeira vez na minha vida vi uma mulher "quântica". Não sabia quando estava doente e quando estava sã. Não sabia quando estava a falar a sério e quando estava a mistificar.
Que raio de experiência!
3 comentários:
Caro Massano,
Depois de ter sido (há dias) encontrado o bosão de Higgs - “a partícula de Deus” – quem se julga o Doutor para criticar seja o que for na medicina quântica? Será que você não se enxerga, cara?
Estou, evidentemente, a brincar. Não leve a mal.
Cumprimentos e brilhante post.
Caro Professor Massano Cardoso
Haja boa disposição!
Hoje, enquanto conduzia a caminho do emprego, ouvi no rádio, uma entrevista a uma cientista portuguesa que está a desenvolver um projecto numa universidade do Texas, relacionado precisamente com a aplicação informática ao corpo humano. Não vou conseguir descrever com exactidão o conceito, mas conjuga diversas disciplinas, como a robótica a biologia, etc. Algo de "muito à frente" que segundo a cientista, irá ser de grande utilidade para os humanos e irá... complementar e optimizar as suas funções ao nível físico e intelectual. De tal forma que a universidade já lhe propôs a criação de um departamento dedicado àquela área de investigação. Como Mr Obama já conseguiu a convergência entre os democratas e os republicanos para que fossem aprovadas as obras de elevação do tecto da dívida... money não irá faltar. Oh Yeah!!!
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