Vi há anos um filme qualquer em que a protagonista é uma rapariga banalíssima que teima com uma amiga que toda a gente repara nela. A amiga duvida e lá vão as duas sair para que se demonstre a capacidade da jovem em chamar as atenções. A amiga vai uns passos atrás e a pretensa estrela toma a dianteira, seguindo ao longo do passeio de uma rua muito movimentada. Sem que a outra consiga ver, vai fazendo caretas horríveis, entorta os olhos, deita a língua de fora, enfim, o seu visual normal toma aspectos de uma doida furiosa ou de alguém que está a ter pensamentos tormentosos. É claro que todos os transeuntes reparam nela, viram-se para trás depois de passar, comentam e comportam-se como se tivessem visto uma alucinação. A amiga, uns passos atrás, confirma que realmente a amiga dá nas vistas e, quando a alcança, olha-a com admiração e pergunta-se como é que nunca reparou realmente como a outra era atraente ao ponto de todos ficarem a olhá-la e passa a divulgar no seu grupo a fantástica sedução da outra, que assim se vê promovida à categoria de Estrela.
Ao ler no Público de hoje a enésima entrevista a uma jovem americana que vem promover um livro da sua autoria e cuja notoriedade lhe vem de ter sido actriz de filmes pornográficos desde a sua tenra juventude, lembrei-me da personagem do filme. Lendo e relendo a profusão de entrevistas totalmente indigentes, senão mesmo a fazer troça da disponibilidade para lhe dar atenção, confirma-se que não é preciso mais do que fazer umas caretas tolas para alcançar o estrelato da modernidade. Se calhar até vai chegar ao top de vendas e figurar entre os "escritores" que marcaram uma época.
6 comentários:
É engraçado e até um caso para estudar, a frequência com que as actrizes pornográficas e outras profissionais do sexo e das práticas sado-masoquistas (não, juro pela minha honra que o termo não traz segundo sentido)escrevem (?) livros auto-biográficos que até são classificados no contexto da literatura de auto-ajuda.
Conheci em tempos uma senhora que recebia cavalheiros em sua casa ecobrava quantias avultadas por isso. Ela confidenciava-me que a maioria dos seus clientes eram pessoas que ocupavam cargos de muito poder decisivo, além de empresários, professores universitários, advogados, etc. Rematava quase sempre as conversas garantindo: A minha vida e as coisas que já me foram contadas, dava um livro. Quem sabe, esta amiga que já não vejo ha imenso tempo, é hoje uma escritora de sucesso? Uma best-seller? Vou investigar...
Agora ando a aproveitar a moda dos cafés dentro das livrarias e os best sellers são os que estão mais próximos para folhear. Outro dia li algumas passagens de um famosíssimo autor nacional e, francamente, não me parece ser necessária uma grande carreira no cinema pornográfico para fazer melhor que aquilo...
O que é que querem? Fui a um cruzeiro, na minha mesa estavam umas pessoas que juravam que já estavam a ler o último livro de um pivot de TV.Com grande escândalo diziam-me que eu não podia dizer que não gostava porque nunca tinha lido livro nenhum dele. E eu dizia: mas eu leio livros de escritores. Quais? E eu, Vergílio Ferreira, Eça, Hemingway... até que percebi que ninguém conhecia nenhum destes escritores.Chegado a Lisboa ofereci 10 " O velho e o Mar" a ver se recuperava alguém para a leitura...
Cara Suzana, o que relata não é mais do que um sinal dos tempos. Os tempos que vivemos (não aos actuais, refiro-me a um período mais dilatado, os últimos 20 anos ou coisa parecida) são muito propícios a essa acefalia. As pessoas desabituaram-se tanto de pensar que já nem sabem distinguir o bom do mau. Para piorar tudo como vivemos tempos de carneirada ninguém se atreve a dizer que não gostou de algo, por muito mau que seja, mas que se tornou moda.
Coisas dos tempos.
Pois que escrevam e contem a sua vida toda a mim não me faz impressão nenhuma, é lá com eles, o que me intriga é a gigantesca campanha publicitária que se lançou à volta disto, numa "promoção" sei lá de quê, como se ainda fosse uma novidade "quebrar tabus" tão idiotas e uma grande emoção o negócio de alcova. E o pretensiosismo das perguntas e respostas, a fingir que é tudo muito interessante, mas que ridículo.
Suzana
Estas "estrelas" e os "filmes" que são construídos à volta das suas vidas, que não têm absolutamente qualquer interesse, são um atentado ao bom senso que, apesar das maluqueiras dos tempos de hoje, ainda vai havendo.
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