Sempre considerei e várias vezes referi que o erro básico do Programa de Ajustamento desenhado pela Troika para Portugal era o de não ter tomado em consideração, entre outros aspectos, por exemplo, a nossa estrutura social, produtiva e de rendimentos, o nível de endividamento das famílias e das empresas, o nível de fiscalidade existente, a debilidade de muitas das pequenas e médias empresas fonte da criação de emprego.
Em resumo, o plano adoptado não se baseou na realidade do nosso País.
O Programa de Ajustamento foi uma receita a aplicar a todo e qualquer País ameaçado de insolvência, fosse qual fosse a origem dessa situação e as características da sociedade em causa, com a agravante de não existirem experiências anteriores de aplicação de uma tal política em situação de moeda única.
A ideia de que a receita foi uniforme ganhou força esta semana quando surgiu o tema da comparação entre as medidas de austeridade aplicadas em Portugal e na Irlanda como se estivéssemos perante realidades comparáveis e consequências semelhantes.
A avaliar pelos exercícios desenvolvidos e pelas conclusões avançadas, nasceu um novo conceito que visa estabelecer um “ranking da austeridade”, em que se tenta medir esta política através dos aumentos de impostos e das reduções de salários e pensões realizados.
Com o recurso a este “ranking” pretende-se incutir a ideia que quanto maior for a austeridade, melhores os resultados obtidos.
Seria o caso da Irlanda.
De acordo com os indicadores obtidos – cujas versões não são únicas – este país estaria numa posição de ranking superior à nossa, o que teria tido como resultado uma reentrada nos mercados sem necessidade de qualquer ajuda adicional.
Para lhe seguir as pisadas, nada mais teríamos de fazer do que competir em austeridade.
Esta fantasia não é seguida em nenhum dos relatórios do FMI ou da Comissão Europeia sobre a 8ª e 9ª avaliações conhecidos esta semana.
Na verdade, a concretização dos valores do défice está ligada a uma taxa de crescimento do PIB o que, na prática significa o alívio da austeridade. Não o afirmam, mas é a conclusão inevitável.
Onde os relatórios são explícitos é quanto às causas que poderão ser impeditivas de alcançar os objectivos do défice.
Por um lado, a dúvida sobre as medidas passíveis de análise por parte do Tribunal Constitucional, vislumbrando-se o alerta quanto ao risco assumido pelo Governo quando as propôs e, por outro lado, explicita-se a consequência para os mercados da crise política do verão passado, o que é um claro aviso quanto ao perigo da sua repetição.
Do que precisamos é de percorrer o nosso caminho com credibilidade e realismo, colocando na agenda política a preocupação com o crescimento económico para que os credores acreditem na nossa capacidade de lhes pagar.
Foi o que fez a Irlanda.
Assim, o nosso futuro próximo não está dependente de fantasias, mas da realidade, não pode obstinar-se em objectivos rígidos, não se resolve com proclamações estéreis, mas com sensatez.
Não é muito, mas é decisivo.