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domingo, 22 de maio de 2005

Comer com as mãos ou com faca e garfo?

Este fim-de-semana, tive que me deslocar ao Sul do país, a fim de efectuar uma conferência numas jornadas de saúde.
O tema que me propuseram era aliciante: “Sabe bem, mas faz mal”. Preparei-a com muito cuidado e carinho, porque achei que estava perante uma matéria suficiente provocante e capaz de desencadear alguma polémica. Os restantes três assuntos eram, igualmente, estimulantes: “Sei, mas não me lembro”, “Tremo, mas não caio” e “Cresço, logo existo”. Ou seja, quatro variações sobre um tema. A abordagem exigia que se respeitasse certos contextos; os erros alimentares e estilos de vida, a demência no idoso e as suas implicações na estrutura familiar, o cancro da mama como causa de sofrimento físico e psicológico das mulheres e as alterações físicas e psicológicas do crescimento e desenvolvimento infantil e juvenil.
Devo felicitar o autor ou os autores que propuseram os temas.
A jornada não se dedicava exclusivamente a profissionais de saúde, mas também à população em geral.
Como é do conhecimento geral, nestas iniciativas há sempre uma cerimónia de abertura com diferentes autoridades, locais, regionais e até do governo.
Pessoalmente considero que a cerimónia tem de se revestir de uma certa solenidade. As razões são mais do que óbvias. Acontece que alguns responsáveis, convidados para estes eventos, não se preparam convenientemente. Chegam, sentam-se, levantam-se, dizem algumas banalidades e, pronto, já está! Não pode ser assim e muito menos fazer aquilo que hoje assisti. Uma autoridade de saúde a dizer constantemente que estava com problemas de voz. No intervalo para o café não detectei qualquer problema. Um presidente da câmara em plena campanha eleitoral, falando de saúde, aos soluços, como se estivesse engasgado ou com falta de gasolina, metendo a mudança errada, com frases sem nexo, sem um fio condutor, numa verborreia caótica onde, por mais de uma vez, afirmou que “a saúde mental, a saúde psicológica e a saúde neurológica” eram muito importantes, entre outras. Mas, houve mais. O senhor governador civil, inchado com o seu novo cargo, esclareceu-nos qual foi o seu primeiro pensamento quando foi nomeado: teria, de ora em diante, de falar sobre tudo, como se fosse um verdadeiro especialista em generalidades. Neste momento, já não consegui disfarçar alguns sorrisos. Mais um técnico de ideias gerais! Só me faltava uma destas. Logo a seguir, iniciou um improviso tentando jogar com os títulos dos quatro temas. Começou por dizer: - Bom, quanto à conferência “Sei, mas não me lembro” não me preocupa muito, “porque eu também não me lembro de muitas coisas, mas só daquelas que não quero. Só me lembro daquilo que me interessa”. – Meu Deus! Pensei logo. - E agora? O que é que vai dizer a seguir? Quanto ao temo “Cresço, logo existo”, disse: - Quanto a este aspecto, já não me diz respeito, porque não cresço mais. – Admirável! Pensei de imediato. O homem precisa mesmo de crescer, não em estatura, mas noutras dimensões. Em seguida, quando abordou o tema “Tremo, mas não caio” teve esta tirada: - Bom, eu ainda não tremo e nem caí. Foi o suficiente para desencadear uma reacção instantânea, fruto de três anos de Assembleia, um aparte: - É só uma questão de tempo! O senhor governador apercebeu-se, tarde, do que tinha dito, mas mesmo assim largou uma sonora gargalhada acompanhada por muitas mais provenientes de um auditório quase que exclusivamente feminino. Quando chegou ao tema “Sabe bem, mas faz mal” afirmou: - Este sim. É um assunto que me interessa. Lá tive que enviar um segundo aparte: - Pois é! Mas esse é meu!
Conto esta história, apenas para afirmar que certas cerimónias têm de ser respeitadas. Os intervenientes na solenidade não são obrigados a falar do assunto em causa. Deus me livre ouvir o amável governador civil, um dia destes, na abertura de um congresso de Física Nuclear, de Egiptologia, de Escolaticismo da Idade Média, ou numa reunião de Heavy Metal. Não é preciso falar sobre tudo. É preciso dar dignidade aos actos, transmitindo mensagens adequadas relativamente ao contexto do evento.
O mesmo alimento pode ser comido à mão ou com faca e garfo. Temos de saber quando se utiliza um e outro. Reconheço que, desta vez, apesar de não fazer parte da mesa, utilizei o garfo, mas a culpa foi dos simpáticos e ultra informais senhores governador civil e presidente da câmara…

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