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terça-feira, 17 de maio de 2005

Um doutor que não era médico, mas sim advogado!

A história de um jovem de 12 anos com leucemia aguda contada pelo meio-irmão, acompanhado de um advogado num programa televisivo, obriga-me a uma pequena reflexão. O jovem adoeceu em Outubro e só em Janeiro é que foi feito o diagnóstico definitivo, depois de várias interpretações, face aos sintomas e resultados das análises. Um segundo médico, do sector privado, acabou por fazer o diagnóstico. Por vezes, não se consegue de imediato fazer diagnósticos correctos. Com o tempo a possibilidade de diagnóstico exacto aumenta exponencialmente. Já fiz muitos diagnósticos a doentes depois de terem sido previamente consultados por colegas. Não considero que tenha tido mais capacidade do que eles, simplesmente usufrui de uma vantagem fornecida pela própria evolução da doença.
O drama do jovem é mesmo sério, mas a forma como foi apresentado o caso, face ao comportamento da médica, entristece-me. Não vejo, pelo menos através da forma como foram relatados os acontecimentos (mãe, irmão e própria médica), que tenha havido negligência médica. Sei que, por vezes, acontecem casos de negligência, infelizmente. Mas, na grande maioria dos casos não podem ser considerados como tal. Não podemos esquecer que navegamos num complexo mar probabilístico em que o contexto clínico deve sobrepor-se, mesmo com o risco de errar, o que não é sinónimo de desleixo. Apresentar-se na televisão para apelar à solidariedade de eventuais dadores de medula é de louvar. Fiquei surpreendido, quando o doutor que acompanhava o familiar (pensava que era médico a fim explicar alguns aspectos clínicos-terapêuticos da leucemia) era um advogado. Falou de cátedra e a senhora doutora médica terá de se explicar, em sede própria, a conduta. Ressalvou que os médicos não fazem isto de propósito. Claro que não!
Assusta-me, cada vez mais, a possibilidade de um dia ser acusado por “negligência”, confesso. Temos uma forma de reduzir os tais casos de “negligência” que é tratar os doentes de uma forma mecânica, super-defensiva, pedindo os mais complexos exames e, consequentemente, retirar o calor humano e o senso clínico que fizeram a história e a dignidade da mais bela profissão do mundo. Não consigo privar os doentes do calor humano e do bom senso clínico que, às vezes, são capazes de nos trair. Paciência! Prefiro correr o risco.
Espero que o jovem venha a recuperar totalmente da sua doença. São os meus votos.

3 comentários:

Anónimo disse...

Faz parte do Estatuto da Ordem dos Advogados uma norma que reza mais ou menos assim (estou a citar de cor na ausência do livrinho): "o advogado não deve pronunciar-se publicamente na imprensa ou noutros meios de comunicação social sobre questões profissionais pendentes".
Consigo imaginar o vosso sorriso. Mas meus caros, o facto de muitos passarem com o sinal vermelho não significa que deixou de ser proíbido fazê-lo...

O Reformista disse...

Meu caror Professor

"Os mais complexos exames" também têm riscos. Ainda ontem comentava com um colega o facto de uma simples TAC poder causar danos só pela Radiação.

Nós não temos maneira de escapar!

Ainda hoje o meditava após duas doentes seguidas com queixas de tonturas e vertigens que "decidi" serem de natureza beniga e de tratamento sintomático...
António Alvim
Médico de Família.

Massano Cardoso disse...

Caros amigos

Os doentes têm todo o direito em exigir melhores cuidados. Mas, também devem compreender que as práticas médicas têm os seus limites. O erro, não por negligência, é uma constante que nos persegue e pode, eventualmente, ser caso de prejuízos graves nos doentes.
Além de médico, também sou pai. Uma filha minha sofreu há alguns anos um problema muito grave que a deixou incapacitada para o resto da vida. O sofrimento foi terrível e prolongou-se por muitos anos. Causa do problema? – Erro médico! É verdade, um atraso de 24 horas no diagnóstico originou a situação. Aceitei o erro do colega, porque havia uma probabilidade de errar.
Face a tantos casos de acusação de negligência, não posso deixar de expressar o meu incómodo, quando o que está em causa são erros previsíveis e, até, quantificáveis, só que não sabemos quem vai atacar. Às vezes somos nós ou um ente querido.