Somos um país muito curioso – ou não temos nada feito, ou o que fazemos já não serve porque é preciso inventar “novos modelos”, de preferência tão complexos ou tão caros que nos sirvam de desculpa para continuarmos a adiar o que realmente deveria ser feito. Isto acontece quase sistematicamente quando se aponta uma deficiência ou se detecta uma grave ausência de boas práticas para melhorar um sector.
Vem este comentário a propósito da avaliação das universidades e do coro de aplausos e de justificações que suscitou o alerta que o Presidente da República lançou, invocando a absoluta necessidade de se avaliarem as instituições universitárias como única forma credível de garantir uma melhoria no seu desempenho.
Foi muito aplaudida a intervenção e a ideia parecia pacífica. Acontece, como explicaram depois vários Reitores e o Presidente do Conselho de Reitores, que essa avaliação existe mas que não parece ser suficiente porque não é uma avaliação externa. Ouvido o Presidente do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior, Professor Adriano Moreira, ficámos a saber que o sistema de avaliação não só existe, como os diagnósticos são regularmente publicados, mas que o tema acaba aí. Ou seja, cumpre-se o ritual, faz-se o trabalho, mas nada acontece porque falta regulamentar as consequências dessa avaliação!
Com todo o respeito que me merecem todos os intervenientes nesta polémica, não posso deixar de manifestar o meu absoluto espanto por tamanho absurdo assim tão cristalinamente exposto – há a recolha de dados, há a análise dos elementos, há conclusões e estas são publicadas. Há, portanto, imenso trabalho feito que serviria como fundamento mais que suficiente para se corrigirem erros e exigir melhores resultados.
Mas, pelos vistos, a lei que criou todo este sistema e as pessoas que nele se empenham não identificam a sua razão de ser e eis que um sistema fundamental para a qualidade do ensino superior é reduzido a uma prática burocrática, a um formalismo inútil porque…não há regulamentação quanto às suas consequências. Não é eficaz. Daí a concluir-se que o modelo “está esgotado” e que deve ser todo revisto foi um passo.
Fico assim sem perceber o que se passa. Se é esta avaliação que não pode dar resultados, nomeadamente porque não contém avaliação externa, peritos estrangeiros e mais uma série de requisitos que certamente nunca serão preenchidos totalmente, ou se falta apenas aquele pequeno passo corajoso que é tirar pura e simplesmente as necessárias consequências do que se analisou, estudou e classificou como bom ou mau?
Já agora também podíamos perguntar como foi possível conviver este tempo todo com um sistema completamente inútil ou inadequado sem que nada se tivesse corrigido?
Lá se esgotou mais um modelo de avaliação. Pode ser que o próximo inclua um capítulo com os efeitos práticos…
2 comentários:
Todas as actividades humanas deveriam pautar-se pela qualidade. Só assim se compreende que possam ocorrer melhorias dos serviços e dos actos praticados. A procura da excelência é uma constante, quer a nível individual, quer a nível colectivo. Muito do desenvolvimento e progresso verificados em muitos povos são frutos de uma organização eficiente e de uma completa capacidade para prestar e exigir qualidade. Quase que diria que acabaram por introduzir uma necessidade de avaliação das suas próprias qualidades, impregnando o genoma cultural a nível colectivo.
A prática de avaliação foi determinante para o sucesso.
Ora, sendo o ensino o pilar mais nobre em que assenta uma sociedade, faz todo o sentido que o mesmo seja analisado e quantificado aos mais diversos níveis. Não basta democratiza-lo a todos os níveis. Importa que seja de elevada e progressiva qualidade a fim de fazer face aos múltiplos e diversos desafios.
Entre nós só muito recentemente é que se começou com esta prática da avaliação. Inicialmente, até provocou alguma reacção de descontentamento e, mesmo de desconfiança, já que muitas individualidades se consideravam como a personificação viva da qualidade. Ora, não é bem assim e exemplos não faltam.
Quando há 10 anos se iniciou esta prática, foi fácil perceber que não estava a dar nada, ou se dava era muito pouco. É fácil provar esta afirmação lendo alguns relatórios. Alguns extensos, demasiado retóricos, mas quase sempre tímidos em termos de crítica. Havia e há como um certo receio em “ferir” as sensibilidades das instituições e, naturalmente, dos que lá trabalham. Os relatórios, quando focavam alguns aspectos mais negativos, eram contemplados com encómios noutras áreas, de modo a contrabalançar quaisquer aspectos mais melindrosos. Assim, terminavam invariavelmente pelos aspectos positivos e aspectos negativos e, no tocante a estes últimos com muitos cuidados, quanto aos positivos as mãos eram largas….
Um abraço amigo. Salvador
Caros amigos, os vossos excelentes comentários confirmam plenamente que vivemos uma situação preocupante da qual só poderemos sair com muita coragem e determinação política - e não me refiro a este ou aquele Governo, uma vez que o tempo decorrido não deixa nenhum fora da responsabilidade. Nem é isso que importa. O que interessa é que assistimos a uma situação que todos reconhecem como insustentável e, no entanto, ela permanece. Trata-se, sem dúvida, de uma questão cultural, de uma aversão a que se evidenciem as diferenças entre o que está bem e o que está mal. Mas quando as próprias universidades se acomodam a isso em vez de, como lhes compete, incentivar as mudanças culturais e rasgar novos horizontes para que o País possa acompanhar os que já nos levam grande avanço, então o mal é mesmo difícil de combater. E, no entanto,recusando a avaliação queremos o reconhecimento, quando um sem o outro é pura ficção ou arbítrio. Quantas vezes se ouve dizer que não vale a pena mais esforço se ninguém o reconhece? Pior ainda é haver avaliação, saber-se os resultados, e depois "não acontece nada" ou seja, evidencia-se a injustiça e estimula-se a indiferença. É por isso que me custou ver como este facto foi apresentado com a maior naturalidade, como se todos já soubessem e todos se conformassem. Foi um mau exemplo.
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