O senhor secretário de Estado do Ambiente defende o alargamento da Zona de Protecção Especial (ZPE) do Estuário do Tejo. E fá-lo porque entende que esta é uma medida de minimização dos impactes ambientais que vão ser provocados pela construção do novo aeroporto, em Alcochete.
Duas notas.
Primeira. Não deixa de ser curioso o protagonismo do senhor Engenheiro Sócrates nas duas últimas tentativas de mexer nos limites da ZPE do Estuário do Tejo. A primeira, em 2002, para reduzir a ZPE. Era o actual Primeiro-Ministro responsável pela pasta do ambiente. Agora, a ser aceite a proposta do senhor Secretário de Estado, para a aumentar.
Incoerências à parte, a segunda nota tem que ver com a credibilidade dos estudos de impacte ambiental e da correspondente avaliação. Nos termos da lei, as medidas de minimização ou de mitigação de impactes ambientais negativos devem ser o resultado do estudo e da avaliação. Não devem constituir pressupostos. Porque se assim for, coloca-se, como é evidente, o carro à frente dos bois, o que vale por dizer, condicionam-se politicamente os resultados da análise técnica.
É por estas e por outras que tantas vezes se descredibilizam as medidas de protecção do ambiente e de conservação da natureza. As medidas de compensação ambiental funcionam como moeda de troca que ora visam obter silêncios, ora servem para à partida neutralizar os efeitos mais adversos de estudos que, estou convencido, só se fazem neste caso do aeroporto em Alcochete porque a Comissão dixit.
O senhor Secretário de Estado bem sabe que não se amplia uma ZPE porque vai existir, na proximidade, um aeroporto. Amplia-se porque razões objectivas de protecção da avifauna e dos seus habitats aconselham essa decisão.
Independentemente da localização do novo aeroporto, será sobretudo acertado o alargamento dos limites da Reserva Natural do Estuário do Tejo. Para o que já existem, ao que julgo saber, os adequados estudos. Ou então reforçar os meios ao dispor desta área protegida de modo permitir uma gestão efectiva ou a combater actividades altamente predadoras da bodiversidade estuarina, como é o caso da criminosa pesca da angula. Essas sim, seriam medidas bem vindas. Não seriam compensações, fruto de qualquer má-consciência. Não seriam contrapartidas de empreendimento algum, mas expressão de políticas sérias, activas, de conservação.
7 comentários:
estes flamingos são lindosssssssss...
Gostei muito do Blog.
:-)
Caro José Mário,
Julgo que um processo "Lusoponte" parte 2 não seria benéfico nem para o país nem para a avifauna.
Acompanhei o projecto depois de sí, e disponibilizo-me a discuti-lo quando entender.
Um abraço
Caro Ferreira de Almeida,
Escrevi no meu blog (http://ambio.blogspot.com/) sobre a irracionalidade de decidir já, preliminarmente, condicionado à verificação de que o aeroporto não tem impactos significativos sobre valores protegidos pelas directivas aves e habitats.
A questão de fundo é que se no decurso dessa verificação afinal se concluir que o aeroporto tem impactos significativos sobre valores protegidos por essas directivas a discussão de alternativas volta à estaca zero visto só ser possível, do ponto de vista legal, aprovar uma localização com impactos significativos se não houver alternativa (claro que se as alternativas tiverem o mesmo tipo de impactos não são alternativas).
Não sei se o Sr. Secretário de Estado do Ambiente defendeu ou não o alargamento da ZPE (que é proposto pelo estudo do LNEC) ou se o jornalista interpretou para além do que terá dito, mas note bem que no texto há uma referência interessante à discussão de alternativas que efectivamente não descarta a OTA neste momento.
E bem, porque o que é incompreensível é descartar alternativas antes da avaliação ambiental estratégica que pode ser feita em relativamente pouco tempo a partir do relatório do LNEC (provavelmente precisa de algum trabalho de campo mais sólido em Alcochete para despistar a tal questão dos impactos significativos, mas nada que não se consiga fazer com alguma celeridade).
Pelo caminho que a coisa vai tomando temo bem que ainda teremos discussão por algum tempo.
Já não entre nós, mas entre o Estado Português e a Comissão Europeia. Já não sobre a melhor solução para a localização do novo aeroporto mas sobre procedimentos legais do processo de decisão.
henrique pereira dos santos
Meu caro Frederico:
Era de esperar que tivéssemos aprendido, todos, com o processo que levou a localização primeiro, e depois à construção da Ponte Vasco da Gama.
Mas o tempo passa e a memória é efectivamente curta e a demagogia, alimentada pela mais chocante (para quem, como eu, ainda se choca!) ignorância, vai campeando e impedindo decisões racionais. Pelas opiniões que tenho ouvido sobre o contrato celebrado com a Lusoponte, permito-me duvidar de que esse processo venha a ser pedagógico. Em todos os aspectos.
Acompanhei, como sabe, a primeira fase, designadamente as discussões com a Comissão sobre os constrangimentos de ordem ambiental ao corredor que foi objecto de escolha política. Foi talvez nesse processo que firmei a convicção de que se pode, sem qualquer dramatismo, discutir a questão ambiental, quando ela existe, e naquele caso era evidente que existia. O que supõe o estudo sério dos efeitos previsíveis de um empreendimento, planeando-o e projectando-o inclusivé do ponto de vista financeiro, tendo em consideração também as medidas de minimização ou de regularização ambiental e os seus custos, a par de todos os outros factores.
Ou, ao invés, pode tomar-se a decisão política e depois ir à procura do aval técnico, incluindo o aval ambiental.
Ora, é normalmente neste último caso que se verificam, depois, os desencantos. Sejam porque se descobrem impactos que não eram conhecidos (porque não foi feita caracterização ou levantamento dos patrimónios naturais existentes com um mínimo de rigor); ou seja porque se "inventam" efeitos negativos para justificar e manter o poder de alguns grupos ou de alguns técnicos.
Tenho defendido, como posso e onde posso, que nas grandes obras públicas a boa solução está, afinal, no cumprimento da lei, que manda estudar e avaliar pelo método comparativo (quando possível) em nome do interesse público ambiental, a par da ponderação de outras vertentes do interesse público.
Mas como o paradigma tem sido não o de medir os méritos dos investimentos pelo seu contributo para a qualidade de vida das pessoas e para a sustentatibilidade, mas pela implicação que tem ou pode ter no Produto, a tendência tem sido - infelizmente! - a da dupla decisão. Decide-se uma localização e depois a decisão ambiental viabiliza-a ou não.
Mas estou de acordo consigo. O que se passou, no plano da discussão sobre os impactes ambientais, na ligação de Moscavide ao Samouco, é de evitar, a todo o custo. Até por razões, algumas verdadeiramente anedóticas, que um dia talvez valha a pena contar...
Meu caro Henrique Pereira dos Santos:
A minha nota baseou-se no que li e era imputado ao senhor Secretário de Estado. Tive aliás o cuidado de linkar para a fonte de informação. Mas nunca se sabe se o que se considera corresponder às intenções do governo não passa de deficiente interpretação dos media. Não excluo essa hipótese, até porque sei, por experiência própria, quanto é difícil, neste domínio, garantir que a mensagem é tratada e transmitida correctamente...
Quanto à questão de fundo.
Fiquei a saber que o LNEC propõe a medida que vem atribuida, como intenção, ao senhor Secretário de Estado. Mas isso não altera nada do que escrevi.
Tanto quanto julgo saber, o "mandato" do LNEC não era proceder ao EIA e muito menos ao AIA das localizações em causa, fazendo do senhor ministro Mário Lino o autor da DIA. O que penso que foi pedido foi uma análise comparativa de custos e benefícios CONHECIDOS, entre a solução Ota e a localização no Campo de Tiro de Alcochete.
Por isso mantenho que me parece que não é legítimo a qualquer governante antecipar medidas de minimização ou de compensação de impactes ambientais negativos que não foram ainda determinados e valorados pelo processo próprio e que, por muito respeito que tenha pelo LNEC e apesar do desconhecimento do relatório (que desde já confesso), não resultam de nenhum EIA e muito menos da correspondente avaliação.
O meu caro Amigo diz - e com razão - que a decisão não está tomada porque a localização pode chumbar no exame ambiental. De acordo, embora no plano político e conhecendo a personalidade do actual Primeiro-Ministro e a sua tendência para a instrumentalização das questões ambientais, não acredito que venha a suceder. A decisão está tomada, ponto. E venha a espécie mais rara que nada demoverá agora o governo do projecto, ali, em Alcochete-Benavente-Montijo. Por uma elementar razão de sobrevivência política. Mesmo que se sobreponha Bruxelas que, acredito piamente, jamais (palavra equívoca) sobreporia, neste caso, critérios ambientais à argumentação desenvolvimentista que sustenta a opção. Mas sobre isso, a ver vamos...
Foi menos do que isso o que procurei singelamente chamar a atenção no post: não faz sentido defender o alargamento da ZPE quando não existem conclusões que permitam considerar essa necessidade.
O anúncio desta intenção governamental, admitindo que ela foi feita como vem relatada na imprensa, acaba por revelar que para o governo a decisão está tomada, mas que a piedade pela avifauna (de resto pouco prejudicada, diz-se já) merece a compensação de um alargamento de limites da ZPE do Estuário do Tejo.
Que é isto se não condicionar, à partida, a avaliação ambiental estratégica?
Quanto ao que escreve mais desenvolvidamente no seu blog, que li, estou essencialmente de acordo. Mas, meu caro, o plano que aborda, é, deixe-me que lhe diga, no fundamental o plano processual que em várias ocasiões se tem revelado secundário. A alternativa que, para efeitos de conformidade com o DL nº 69/2000, com a Directiva e com o regime jurídico da Rede Natura 2000 vai ser considerada, sabe-o bem, é a Ota. E não é dificil defender, neste caso, que o superior interesse público da execução do aeroporto se sobrepõe a quaisquer interesses conservacionistas.
Nem se pense, aliás, que isso acontecerá por estarmos em Portugal. A jurisprudência do Tribunal de Justiça da CE, a propósito de casos de alegada violação das Directivas Aves e Habitats, está repleta de casos em que o dilema é sempre resolvido pela sobressaliência dos interesse público relevante dos empreendimentos. Mesmo quando os Estados são condenados (nas custas do processo, por norma), não se deixa de realizar o investimento, salvo quando porventura estejam na dependência da decisão, fundos comunitários que mais tarde a negociação politica acabará por resgatar.
O caso do alargamento do aeroporto de Barcelona, com sacrifício de um ampla zona húmida é, porventura, a prova de que é assim um pouco por toda a Europa, e nem os Estados do Norte escapam.
Mas volto a insistir. O que está mal é esta metodologia de deixar de fora dos procedimentos decisórios a pertinente ponderação ambiental. De a transformar numa decisão externa. Numa outra decisão. Enquanto for assim, é inevitável que em vez de ponderação no procedimento decisõrio se procure a todo o custo a caução ambiental para a decisão política ou administrativa antecipadamente tomadas.
Estou certo que a seu tempo isso se tornará claro. Ao preço de muitas decisões em que se complica o que, não sendo fácil, sempre poderia ser mais racional.
Basicamente de acordo consigo.
Quando chamo a atenção para as questões processuais é exactamente porque elas introduzem irracionalidade na decisão se ignoradas.
Não quero dizer que o resultado final seria diferente se fossem integralmente cumpridas (esta pode até ser a melhor solução) o que digo é que os sobressaltos decorrentes do incumprimento das questões processuais nos fazem perder muito dinheiro e tempo sem ganhar nada em troca.
Ou seja, estamos mesmo de acordo.
henrique pereira dos santos
em tempos... disseram-me "ao ouvido" ;) que estava a ser pensado o alargamento da RNET para a área da ZPE... mas que esse alargamento muito provavelmente não iria abranger a globalidade da ZPE face a um menor interesse (para a conservação da natureza) de alguns dos espaços nela incluídos!! assim sendo, pergunto:
1 - se a área da ZPE nalguns locais não tem interesse conservacionista, quando muito o de fazer de "área tampão", faz sentido equacionar-se a sua ampliação?
2 - se agora faz sentido alargar-se a ZPE porque é que que não foi logo "feita" maior?
3 - não há outros instrumentos de ordenamento/gestão do território que permitam acautelar os "interesses" da zona? penso que no caso da ponte Vasco da Gama terá sido (se calhar não foi) aplicado algo relacionado com as mais valias... mas também pode ser feito um plano "a sério", não sei se sectorial, se intermunicipal, ou se apenas uma revisão concertada dos PDMs da área abrangida e envolvente que permita planear o que pode ser feito e onde e que cuidados se deve ter e com o que...
desculpem a ousadia (ou igenuidade) desta garina do mar, obviamente vocacionada para coisas menos sérias ;)
PS: os flamingos são muito lindos!! mas havia por lá umas fotos com um título se calhar mais adequado: "a inquietação" ;)
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