Esta semana, antes da reunião do Banco Central Europeu que teve lugar ontem, quinta-feira, Janeiro 10, 2008, a Ministra das Finanças francesa, Christine Lagarde, referiu que “se temos que escolher entre inflação alta e crescimento elevado, ou uma inflação estável e um baixo crescimento, a minha clara preferência vai para uma inflação temporariamente elevada com um crescimento mais alto”.
Estou inteiramente de acordo com Christine Lagarde. A subida da inflação é, de facto, temporária e resulta, essencialmente, da alta do preço do petróleo e de outras matérias-primas, entre as quais alguns cereais (milho, trigo, soja, entre outros, em virtude da subsidiação da sua cultura para a produção de biocombustíveis).
E os tempos estão realmente difíceis. Mais nos EUA do que na Europa, sem dúvida. Mas ninguém conhece ao certo o impacto da crise do crédito sobre a economia. A nível global.
Assim sendo, a última coisa que a Zona Euro precisa é de subidas das taxas de juro. Bem como do tom muito agressivo que o Presidente Trichet continua a usar nas suas intervenções, garantindo estar preparado para, em qualquer momento, voltar a subir os juros. Por mais que existam pressões inflacionistas.
Proceder assim é minar a confiança e contribuir para deteriorar (mais) um enquadramento que já é incerto e volátil. Bem sei que o BCE está mandatado para monitorizar apenas a inflação – ao contrário do Fed (banco central dos EUA), que deve acompanhar quer a inflação, quer o crescimento económico. E, portanto, deste estrito ponto de vista, Trichet parece ter razão. Porém, se em todos os momentos da nossa vida é importante não perder o bom senso, em enquadramentos como o que vivemos, isso é absolutamente crucial. Como Christine Lagarde mostrou, dando, esta semana, uma verdadeira lição de sensatez a Trichet.
PS – Não estará na altura de os responsáveis políticos europeus reverem o mandato do BCE, aproximando-o do mandato do Fed? É certo que a economia americana parece estar mais ferida do que a europeia – mas a inflação não é mais baixa… No entanto, o Fed começou a baixar os juros em Setembro – e vai continuar a fazê-lo (um novo corte, de meio ponto percentual, é dado como certo na reunião do final deste mês) . Na Europa, apenas a escalada de subida dos juros foi interrompida, e muito a contra-gosto, como se depreende das declarações de Trichet… Percebe-se a diferença?!...
3 comentários:
Miguel, muito oportuno este teu post, e bem explicado. Também li as declarações da ministra e depois fiquei positivamente sem perceber nada do objectivo das "ameaças contidas" de trichet. Aliás, nem percebo bem a vantagem de ameaçar, se calhar ainda é pior do que se aumentasse já os juros, assim fica tudo suspenso a curto prazo. Quanto ao mandato, não sabia que a economia também pode, ao mais alto nível, ser tratada em "silos" ou seja, tratar a realidade às fatias. Pelo menos de forma explícita...
Sou um leitor assíduo do blog, e em particular dos textos do Dr. Miguel Frasquilho, que aparenta uma lucidez maior do que o normal no nosso panorama político (especialmente tendo em conta o seu líder na bancada parlamentar...)
Fiquei no entanto intrigado com o facto de afirmar que a alta dos preços que se tem verificado seja apenas "temporária". Pelo que tenho lido, esse aumento resulta em parte de especulação mas também de um efectivo aumento significativo por parte da procura (nomeadamente com a expansão de algumas economias ditas "emergentes"). Partindo do princípio que esses países não vão querer diminuir o seu crescimento, e tendo em conta que actualmente já consumimos mais do que os recursos do planeta permitem, como é que se pode esperar uma inversão na actual evolução dos preços?
Tendo em conta a lei da oferta e da procura, como poderemos não esperar a continuação desta tendência?
Caro Dr. Miguel Frasquilho, penso que está muito optimista quando sugere a ampliação do mandato do BCE para abranger não apenas a inflacção mas também o crescimento como acontece com a Fed. Repare que os valores da inflacção estão neste momento em valores historicamente baixos e que a Europa lutou muito durante uma década para os fazer chegar aos niveis onde estão. Se andarmos 20-30 anos para trás vemos alguns países Europeus com a inflacção na casa dos dois dígitos. Ora isto criou um fantasma na elite económica europeia que viveu esses anos e hoje em dia, à mínima pressão inflaccionista entra em pânico, acudindo com a artilharia anti-inflacção em força. Por isto é que não vejo que, a curto prazo, o mandato do BCE venha a ser ampliado.
Não obstante o acima, concordo plenamente que no momento em que vivemos o crescimento é indispensavel e também que o Sr. Trichet está a ser excessivamente agressivo o que faz os mercados reagirem por medo. E, por corolário, que as palavras da ministra Lagarde vão direitas ao alvo correcto o que, aliás, vem no seguimento do dito pelo première Sarkozy pouco depois de tomar posse, ou seja, prioridade ao crescimento, mesmo que isso implique que França deixará de cumprir durante uns anos os critérios da moeda única.
Toda esta agressividade irá ter - já está a ter - um problema acrescido para o crescimento europeu que é precisamente a continuação da valorização do Euro. Ora, o Euro já está demasiado caro e empresas europeias já se queixam das suas dificuldades em exportar para fora da zona Euro, como é o caso da Airbus. Num cenário da Fed a baixar as taxas de juro, o BCE a manter o tom agressivo e mesmo passando à acção, aumentando-as, temos a receita certa para quebrar completamente o crescimento da Europa, embora aqui deva também fazer a ressalva de que a zona Euro são várias economias, umas mais expostas às exportações para fora da zona do que outras. Mas, seguindo o raciocínio, temos então um Euro carissimo, um Dolar baratissimo. Temos uma Europa a ter dificuldades de exportar perdendo assim os seus mercados, os Estados Unidos com as exportações facilitadissimas e a conquistar mercados à Europa que depois será dificil tirar-lhos de volta. O resultado não é animador.
Talvez aí, quando a zona Euro entrar em recessão, o mandato do BCE venha a ser ampliado.
Incidentalmente, a percentagem da população Alemã que repudia o Euro e reclama o regresso do Marco alcança já os 60%. Não tenho números para o caso Francês mas gostaria de os ter. Se chegarmos ao ponto de a Europa quebrar o seu crescimento para não ter inflacção isso será um dia em cheio para os detractores do euro e, dependendo do contexto do momento, poderá ter consequências catastróficas para a existencia do euro.
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