Depois da apresentação do OE para
2014 e do debate ontem na Assembleia da República sobre a proposta de lei da
convergência das pensões da Caixa Geral de Aposentações (CGA), as dúvidas em
relação à acumulação dos vários cortes nas pensões aumentaram. São muitos os
cortes, são vários os critérios que se invocam, vários os montantes de
referência, várias as combinações de cortes e de pensões, as mesmas pensões
estão sujeitas a diferentes cortes, há diferenças nos cortes se as pensões são
da CGA ou se as pensões são da Segurança Social (SS).
Não admira, portanto, que os
pensionistas não consigam perceber o que realmente lhes vai acontecer. Não
podem fazer contas à vida. Não é razoável que as dúvidas se mantenham, é fundamental
que tudo seja rapidamente esclarecido e entendido por todos.
Vejamos resumidamente qual é o
guião dos cortes das pensões:
1. CGA – Convergência – Pensões
de reforma - corte de 10% sobre o montante da pensão
Até aos 75 anos acima de 600
euros, entre os 75 e os 80 anos acima de 750 euros, entre 80 e os 85 anos acima
de 900 euros, entre os 85 e os 90 anos acima de 1050 euros e com mais de 90
anos acima de 1.200 euros.
2. CGA – Convergência - Pensões
de sobrevivência – corte de 10% sobre o montante da pensão
Até aos 75 anos acima de 419
euros, entre 75 e 80 anos acima de 450 euros, entre 80 e 85 anos acima de 500
euros, entre os 85 e 90 anos acima de 550 euros e depois dos 90 anos acima de
600 euros.
3. Acumulação de pensões de
reforma com pensões de sobrevivência (chamada “condição de recursos”)
Pode combinar:
a) Pensão de reforma da SS com
pensão de sobrevivência da SS
b) Pensão de reforma da SS com
pensão de sobrevivência da CGA
c) Pensão de reforma da CGA com
pensão de sobrevivência da CGA
d) Pensão de reforma da CGA com
pensão de sobrevivência da SS
Regra: se a soma das pensões
ultrapassar 2.000 euros, a pensão de sobrevivência está sujeita a cortes progressivos – de 12% até 35%
- com taxas diferentes dependendo
se a pensão de sobrevivência é paga pela CGA ou pela SS. Esta diferença de
taxas resulta do facto de as pensões da SS serem 60% da pensão original
enquanto na CGA são de 50%.
4. Contribuição Extraordinária de
Solidariedade (CES)
Aplicada para pensões acima de
1.350 euros, a taxa varia entre 3,5% e 10% para pensões entre 1.350 euros e
3.750 euros. Para montantes acima de 5.030 euros a taxa pode chegar aos 40%. Esta
taxa é aplicada sobre a soma das pensões recebidas, independentemente de a sua
origem ser pública ou privada.
Vamos agora às dúvidas, as que
estão esclarecidas e as que estão em aberto:
1. O corte de 10% (convergência)
da pensão de reforma da CGA e o corte de 10% (convergência) da pensão de sobrevivência
da CGA são acumuláveis – um pensionista que receba ambas as pensões sofre dois
cortes. Neste caso, as duas pensões funcionam como independentes uma da outra.
2. O corte da Contribuição
Extraordinária de Solidariedade é diminuído do corte de 10% da convergência da
pensão de reforma da CGA e do corte de 10% da convergência da pensão de
sobrevivência da CGA, sendo apenas retirado o remanescente, depois de
descontados os 10%.
3. O corte nas pensões de
sobrevivência da CGA resultante da “condição de recursos” (acumulação pensões
de reforma com pensões de sobrevivência) acumula ou não com o corte de 10% da convergência
da pensão de reforma da CGA e o mesmo corte da pensão de sobrevivência? Ou
seja, faz-se convergir uma e outra e sobre o valor resultante da soma das duas
aplica-se o corte na pensão de sobrevivência caso a soma das duas ultrapasse
2.000 euros?
4. Tendo havido a preocupação de
diferenciar os cortes de 10% das pensões da CGA – reforma e sobrevivência - em
função da idade dos pensionistas não deveria o mesmo critério ser aplicado no
corte das pensões de sobrevivência na sequência da “condição de recursos”?
5. O corte nas pensões de
sobrevivência da SS por via da “condição de recursos” (acumulação pensões de
reforma com pensões de sobrevivência) acumula ou não com o corte da
Contribuição Extraordinária da Solidariedade? Qual dos cortes se aplica
primeiro?
É, pois, complexa a matriz de pensões e cortes com as suas múltiplas combinações. O seu entendimento não está
ao alcance de todos...
13 comentários:
Margarida, excelente trabalho, obrigada por trazê-lo aqui para o partilhar connosco, é muito difícil organizar ideias e opiniões sem ver o conjunto e isso dá mesmo muito trabalho!
Bom, cara Margarida, mas isto tudo é areia demasiada, até para a minha camioneta.
Parafraseando outra circunstância: quando a equidade é muita, o reformado desconfia...
Muito trabalho e do bom. Eu por mim fico à espera do que me vai cair no banco...
Há casos na minha aldeia onde 2 viúvos se juntam e têm 4 pensões. Mas são valores tão pequenos que nem dão para catar o gato.
O ponto 2 parece-me o mais confuso.
Merece clarificação.
Margarida, que maravilha de post acaba de colocar! Mais do que um post acaba de prestar inestimavel serviço público. Agora, pergunto eu, os reformados e velhotes que não têm uma Margarida por perto como é que conseguem saber com que linhas coser-se no meio da barafunda que se gerou em torno desta história toda?
Suzana
Tive dificuldade em encontrar um título para tanta perplexidade. "Complexidade" fica aquém, mas pareceu-me útil partilhar esta informação.
Caro Dr. Pinho Cardão
Equidade, uma palavra, como muitas outras, que entrou no léxico da crise, utilizada sem critério e sem respeitar o seu verdadeiro significado.
Caro Luis Moreira
Boa sorte.
Caro opjj
Pode formular a sua dúvida?
Caro Zuricher
Obrigada pelas suas amáveis palavras. Os reformados e velhotes não têm hipótese de descodificar a complexidade, estão perdidos. No dia em que receberem a pensão cortada ficam a saber, mesmo sem compreenderem.
Dra. Margarida, excelente "post", muito esclarecedor.
Agora o Presidente da República diz que vai avaliar os custos de eventuais chumbos do Tribunal Constitucional antes de decidir se pede a fiscalização preventiva do OE. Não é preciso fazer muitas contas para perceber que os custos para Portugal serão muito maiores se ele não pedir a fiscalização preventiva. Isto é, se ele pedir a fiscalização preventiva, ficamos a saber antes do fim do ano a quantas andamos e teremos margem temporal de seis meses (até à saída da troika) para tomar medidas e decisões. Mas se ele não pedir a fiscalização preventiva, e em vez disso optar por pedir a sucessiva, o país só fica a saber quais os eventuais chumbos, e a sua amplitude, lá para Março ou Abril, mesmo em cima da saída da troika. Os riscos e os custos são incomparavelmente maiores se o PR não tiver a coragem de pedir a fiscalização preventiva. Ser prudente, neste caso, é prevenir. E prevenir é agir. Não "empurrar com a barriga".
SFF esclareça o ponto 2 -CES
1-Salário de 1500€ desconta 3,5%
2- ´" 3300€ " 10%
Se o nivelamento tem um corte de 10%, Nestes casos,
1 - Se 10-3,5= 6,5% terá este acréscimo de desconto?
2- Se 10%-10% =0 Ou seja mantém os 10% de desconto que já tinha?
Será? não li nada sobre o assunto reporto-me ao que li do seu blogue e ao que a rádio diz.
Cumprimentos
Kafkiano, no mínimo, é uma enormidade que desafia os mais inteligentes. Ou somos todos burros e não percebemos ou são os autores desta "maravilha" que são umas cabeças "iluminadas". E tudo se resume afinal a cortar de qualquer maneira. Estamos bem entregues!
Caro J.
Pelo menos tentei que fosse esclarecedor sobre complexidade. Obrigada. Sobre as declarações do Presidente da República (PR), que também ouvi, acrescento a seguinte nota. A convergência das pensões (corte de 10% nas pensões da CGA com efeitos retroactivos) é tratada numa lei autónoma do OE, mas o OE conta com ela. A convergência vale, especialmente à custa da retroactividade, 728 milhões de euros. Julgo que chegará ao PR antes da lei do OE. Vamos começar por ver o que vai o PR decidir sobre a lei da convergência.
Caro opjj
Transcrevo o que está no OE: “O valor da redução da pensão por aplicação da CES é diminuído pelo montante de redução das pensões de velhice ou de sobrevivência que resulta da aplicação das regras de convergência da fórmula de cálculo das pensões da CGA, (…) ”. O OE apresenta uma tabela que ilustra a combinação dos efeitos convergência e aplicação da CES.
Tomemos, então, uma pensão da CGA de 1.500 euros:
- A CES aplicada em 2013 é de 3,5% sobre 1.500 euros, ou seja, 52,50 euros.
- Em 2014, o corte da convergência de 10% reduzirá a pensão em 150 euros, a pensão é corrigida para 1.350 euros.
- Neste caso, dado que o corte da convergência é superior ao corte da CES, não há CES.
Tomemos uma pensão da CGA de 3.300 euros:
- A CES aplicada em 2013 é de 3,5% sobre 1.800 euros e 16% sobre a diferença entre 3.300 euros e 1.800 euros, ou seja, um total de 303 euros.
- Em 2014, o corte da convergência de 10% reduzirá a pensão em 330 euros, a pensão é corrigida para 2.970 euros.
- Neste caso, como no anterior, dado que o corte da convergência é superior ao corte da CES, não há CES.
Tomemos, então, uma pensão da CGA de 5.400 euros:
- A CES aplicada em 2013 é de 10% sobre 5.400 euros e 15% sobre a diferença entre 5.400 euros e 5.030 euros, ou seja, um total de 596 euros.
- Em 2014, o corte da convergência de 10% reduzirá a pensão em 540 euros, a pensão é corrigida para 4.860 euros.
- Neste caso, como o corte da convergência é inferior ao corte da CES, há 56 euros de CES a cortar.
Espero ter esclarecido.
Drª.Margarida: Parabéns pelo excelente trabalho!
Cara Dra. Margarida, muito obrigada pela informação prestada no seu comentário. Valham-nos as pessoas sérias, esclarecidas e esclarecedoras!
Caro alberico.lopes
Descodificar a complexidades é um trabalho difícil, mas necessário, agradeço as suas simpáticas palavras.
Enviar um comentário