Escrever dá-me prazer. Escrever justifica a minha existência, permite-me pensar, divagar, inventar, recordar, profetizar, emocionar, amar e até esquecer. Vale a pena escrever, sobretudo à hora habitual, ou melhor, à hora em que deveria estar a descansar. Mais um motivo para escrever, descansar o espírito de um corpo cansado e desejoso de sentir o vigor da força da juventude. Outra razão para escrever, rejuvenescer, ainda que momentaneamente. O peso nas pálpebras começa a surgir. Não me incomoda, pelo contrário, leva-me a voar e a fugir da realidade. Escrever também serve para isso, voar, fugir e descobrir. As ideias esvoaçam sem formas, sem sentido, sem calor, sem frio. Deixo-as andar à vontade, são livres de fazer o que entendem, mas elas não se entendem, porque não sabem que existem, mas têm instinto e procuram almas para poderem renascer e viver como se tivessem também uma. Rondam-me constantemente, chegam por vezes a perturbar-me, sussurram, gritam, cantam, dançam, choram, riem, insultam e amam. Lanço a mão a uma delas. Tenho medo do que me vai sair desta vez na lotaria dos pensamentos. Deixo que as pálpebras caiam. Fecho os olhos e vejo que é uma ideia ligada ao ato de escrever. Já escrevi muitas coisas, coisas lidas por muitas pessoas que, na sua gentileza, me agradecem. Agradecem-me com uma palavra, com uma reverência, com um dito airoso e bem cheiroso, com o despoletar de uma lembrança, com alguma emoção, com uma pequena conversa que alivia o coração, com um sorriso de cumplicidade ou com a alegria de um escrito desenhado num pequeno cartão. Sei lá que mais. Castanhas? Pois então! Até quadros, objetos, desenhos e pequenas obras de arte aparecem quando menos espero. E depois? Depois guardo tudo, embrulho tudo e faço tudo por recordar o que já recebi, li, e ouvi a propósito do que já escrevi. Escrevo, e a ideia, que apanhei há pouco na minha teia, começa a ter forma, cor, cheiro e no fim sabor. Engulo pequenas gotas e sinto a despertar em mim um calor e o ressuscitar de um vigor, tudo por causa de uma bebida que me faz companhia ao fim de um longo dia de trabalho. Alguém leu um pequeno escrito em que falava de uma bebida que foi considerada como a preferida de Napoleão. Curioso pensar neste homem, não em função da sua mania, mas por partilhar o mesmo prazer que é apreciar uma boa bebida. Aqui estou, aprisionado a uma ideia que acabou por adquirir a forma, a cor e o calor de um pequeno escrito que acabou por ser deliciosamente bebido.
Escrever é também dar corpo e alma a uma ideia que anseia por saber o que é a vida e que acaba por se transformar na própria vida.
1 comentário:
A minha filha mandou-me um mail de Londres, onde vive, a dizer que tinha adorado o seu texto. Aqui fica, com um abraço!E eu escuso de dizer que gostei tanto como ela, mas isso já é habitual.
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