Escutei com atenção algumas das intervenções e um ou outro comentário. E no meio de tudo estou certo de uma só coisa: nada de saudável para o País saiu daquela sala. Bem pelo contrário.
Compreendendo bem o extremo cansaço, o desapontamento e o desencanto
da larga maioria da população com a situação atual e em particular com quem governa.
Tenho, porém, dificuldade em entender a súbita perda de memória de alguns. Não a
perda de memória quanto às responsabilidades de quem nos trouxe aqui, mas à absoluta falta de noção sobre as razões
que aqui nos trouxeram. Ontem foi uma noite de amnésia geral sobre os últimos
anos da vida do País, sobre os motivos da perda de parte da nossa soberania,
apesar dos avisos de não pouca gente ao longo do tempo.
Vi ali uma tentativa de instalar um maniqueísmo que só
existe na cabeça de quem parece interessado em todas as divisões. Não haverá
português algum, da esquerda à direita, que não defenda direitos e liberdades,
que não defenda um Estado prestador de muitos e universais cuidados. O que
distingue a larguíssima maioria dos portugueses que se alinham em correntes doutrinárias de contornos
todavia cada vez mais fluidos (embora haja quem vislumbre graves cisões
ideológicas na sociedade portuguesa) é, afinal, a ideia de um Estado garante da
qualidade de vida assente num modelo de redistribuição da riqueza versus a de um Estado mínimo que se
remeta à condição de regulador das
relações sociais e (algumas) económicas. Porém, seja qual for a visão de cada
um, ninguém pode ignorar que só se distribui a riqueza que se cria. E aqui está
o problema com que o Portugal se debate mas que, ao que parece, muitos se
recusam a debater.
Ontem à noite, na Aula Magna, entre saudosistas do passado e
conservadores do presente, fadistas e membros da novel burguesia
revolucionária, autodenominadas relíquias da social democracia, existiu alguma preocupação em discutir caminhos diferentes para
garantir o que a democracia nos permitiu alcançar individual e coletivamente?
Para saber como e com quê se reconstrói um País, uma sociedade e uma economia
que deixem de andar de mão estendida, alienando a soberania de uma Nação que
não quer deixar de o ser, que quer
manter a sua dignidade perante credores e burocratas estrangeiros? Também não ouvi, nem creio que fosse esse o
propósito.
Foram claras as
habituais manifestações de vaidade, as exibições da intelectualidade apaparicada
pelos basbaques, as proclamações de superioridade moral do costume, os gritos
de demissão de quem exerce funções em nome e representação da maioria revelada
por regras da democracia que os democratas ali reunidos convenientemente
esquecem. E o mais, que não imaginava ser possível após 40 anos de pacífica convivência entre os
portugueses, incentivos mais ou menos implícitos à violência, com o requinte de
se legitimarem por antecipação atuações contra instituições da própria
democracia. Eis, em todo o seu esplendor, a coerência de quem diz defender a
Constituição!
Não preciso protestar a minha social-democracia para revelar o desencanto com o atual estado de coisas. Com esta Europa. Com este sistema de partidos. Com este governo. Mas jamais utilizarei os meus direitos de participação cívica em prol destas manifestações que escondem o País para fazer sobressair vaidades e dificultar uma solução política racional, que não passa, felizmente, por nenhum daqueles atores do palco da Aula Magna.
12 comentários:
Num dos seus proféticos versos, Nostradamus garantia que no final do 2º milénio, a população do mundo estaria toda enlouquecida.
Pelos vistos... a "coisa" está a ir no rumo certo...
Caro Ferreira de Almeida, é a existencia de palhaçadas como essa da Aula Magna que vinca de forma cada vez mais profunda as diferenças entre Portugal e a Irlanda. E em mim, sinceramente, consolida convicções doutra natureza quanto ao regime político mais adequado ao progresso de Portugal e dos Portugueses. Com pena minha, devo dize-lo.
Por outro lado estas palhaçadas, mesmo sendo-o, não são inócuas. A população vai muito facilmente atrás destas cantilenas. E o que não entendo é porque é que ninguém relembra ao Soares o que ele fez aquando da intervenção do FMI em Portugal em 1983. Ou porque é que não foi dada relevância às atitudes de Bernardino Soares agora que chegou a presidente duma câmara e vai ter que aplicar... austeridade. Ou tantas outras coisas que convenientemente se esquecem mas que demonstram que o que se passou na Aula Magna não foi mais do que uma palhaçada levada a cabo por arruaceiros desocupados.
Caro Ferreira de Almeida:
Excelente texto, que eu gostaria de ter escrito.
Mas, mais do que o primarismo troglodita das intervenções, o que me choca é o eco que as mesmas continuam a ter na comunicação social. Não há telejornal que não abra com tal matéria, numa manifestação, mais uma, de que os critérios editoriais ou andam a soldo de quem lhes paga ou revelam a ignorância profunda e a incultura total dos seus autores.
Numa comunicação social civilizada tais intervenções teriam, quando muito, direito a uma referência de rodapé. Aqui, é o que se vê e ouve e lê. Estão bem uns para os outros. Lamentavelmente, são eles que moldam este país.
Se tivesse sido permitido aos nomes grandes do Estado Novo organizar um encontro em 1976 sobre os caminhos da revolução, imagino que seria uma coisa semelhante. Figuras que não voltarão nunca mais a falar de um país que já não existe. E faltaram lá algumas figuras grandes que por ainda ocuparem altos cargos do estado não apareceram.
;)))
Ferreira de Almeida: «Escutei com atenção algumas das intervenções e um ou outro comentário. E no meio de tudo estou certo de uma só coisa: nada de saudável para o País saiu daquela sala. Bem pelo contrário.
Compreendendo bem o extremo cansaço, o desapontamento e o desencanto da larga maioria da população com a situação atual e em particular com quem governa. Tenho, porém, dificuldade em entender a súbita perda de memória de alguns. Não a perda de memória quanto às responsabilidades de quem nos trouxe aqui, mas à absoluta falta de noção sobre as razões que aqui nos trouxeram. Ontem foi uma noite de amnésia geral sobre os últimos anos da vida do País, sobre os motivos da perda de parte da nossa soberania, apesar dos avisos de não pouca gente ao longo do tempo.»
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Não sei em que mundo é que o meu amigo vive, caro Ferreira de Almeida. Para compreender os acontecimentos, é necessário compreender a mecânica de coisa:
1 - Chris Gupta: "A constituição de uma «Democracia Representativa» consiste na fundação e financiamento pela elite do poder de dois partidos políticos que surgem aos olhos do eleitorado como antagónicos, mas que, de facto, constituem um partido único. O objectivo é fornecer aos eleitores a ilusão de liberdade de escolha política e serenar possíveis sentimentos de revolta..."
2 - Dr. Stan Monteith: "O argumento de que os dois partidos (americanos - o partido Republicano e o partido Democrata) deviam representar políticas e ideias opostas, uma, talvez, de Direita e a outra de Esquerda, é uma ideia ridícula aceite apenas por teóricos e pensadores académicos. Pelo contrário, os dois partidos devem ser quase idênticos, de forma a convencer o povo americano de que nas eleições pode "correr com os canalhas", sem na realidade conduzir a qualquer mudança profunda ou abrangente na política. É sobejamente reconhecido que as corporações nacionais e internacionais contribuem com largas somas de dinheiro para ambos os partidos políticos, não será possível que ambos os partidos sejam controlados essencialmente pelas mesmas pessoas?"
3- George Wallace (candidato à presidência norte-americana) afirmou: "... não existe diferença nenhuma entre Republicanos e Democratas. ... A verdade é que a população raramente é envolvida na selecção dos candidatos presidenciais; normalmente os candidatos são escolhidos por aqueles que secretamente mandam na nossa nação. Assim, de quatro em quatro anos o povo vai às urnas e vota num dos candidatos presidenciais selecionados pelos nossos 'governantes não eleitos.' Este conceito é estranho àqueles que acreditam no sistema americano de dois-partidos, mas é exatamente assim que o nosso sistema político realmente funciona."
(continua)
(continuação)
4 - Professor Arthur Selwyn Miller foi um académico da Fundação Rockefeller. No seu livro «The Secret Constitution and the Need for Constitutional Change» [A Constituição Secreta e a Necessidade de uma Mudança Constitucional], escreveu:
"... aqueles que de facto governam, recebem as suas indicações e ordens, não do eleitorado como um organismo, mas de um pequeno grupo de homens. Este grupo é chamado «Establishment». Este grupo existe, embora a sua existência seja firmemente negada; este é um dos segredos da ordem social americana. Um segundo segredo é o facto da existência do Establishment – a elite dominante – não dever ser motivo de debate. Um terceiro segredo está implícito no que já foi dito – que só existe um único partido político nos Estados Unidos, a que foi chamado o "Partido da Propriedade." Os Republicanos e os Democratas são de facto dois ramos do mesmo partido (secreto)."
5 - Professor Carroll Quigley, foi mentor de Bill Clinton quando este era um estudante na Universidade de Georgetown. O Professor Quigley deu aulas tanto na Universidade de Harvard como na de Princeton antes de se fixar na Universidade de Georgetown.
No seu livro «Tragedy and Hope: A History Of The World In Our Time» - [Tragédia e Esperança: uma história do Mundo dos nossos dias], Quigley documenta as origens da sociedade secreta que controla os nossos partidos políticos hoje. Quigley também revelou que os Governantes Não Eleitos da América têm por objectivo controlar-nos, utilizando "especialistas" para subverter o nosso processo eleitoral:
"... É cada vez mais claro que, no século XX, o especialista substituirá o magnata industrial no controlo do sistema económico tal como irá substituir o votante democrático no controlo do sistema político. Isto porque o planeamento vai inevitavelmente substituir o laissez faire… De forma optimista, podem sobreviver para o indivíduo comum os elementos da escolha e liberdade no sentido em que ele será livre de escolher entre dois grupos políticos antagónicos (mesmo que estes grupos tenham pouca latitude de escolha política dentro dos parâmetros da política estabelecida pelos especialistas), e o indivíduo tenha a oportunidade de escolher mudar o seu apoio de um grupo para outro. Mas, em geral, a sua liberdade e poder de escolha serão controlados entre alternativas muito apertadas"...
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Sobre a amnésia geral sobre os últimos anos da vida do País, não me parece que tal seja verdade – daí que, a esmagadora maioria da população afirme que TODOS os políticos são uns corruptos.
Sócrates e Coelho não passam de funcionários bancários. Complementam-se. São colegas de trabalho e perseguem um objetivo comum: dar o máximo a ganhar aos patrões (a Banca) à custa da população portuguesa.
O primeiro (Sócrates), por ordem da Banca, endividou ao máximo o país em obras com tanto de inúteis como de faraónicas, subsidiadas pala Banca a juros escandalosos. O segundo (Coelho), faz questão de que os portugueses paguem - com cortes de salários e pensões, desemprego, miséria, fome, suicídio e morte, os juros usurários a que Sócrates nos obrigou.
Sob esse aspecto têm sido profissionais (bancários) irrepreensíveis. Mesmo que tenham empurrado um povo inteiro para a miséria. Cabe ao povo dizer de sua justiça e executá-la de forma célere...
Ainda bem, Diogo, que há quem perceba a mecânica da coisa. Eu cá sinto-me bem no meu mundo ignaro...
Quanto aos comentadores anteriores:
Bartolomeu disse...: «Num dos seus proféticos versos, Nostradamus garantia que no final do 2º milénio, a população do mundo estaria toda enlouquecida. Pelos vistos... a "coisa" está a ir no rumo certo...»
Diogo: Caro Bartolomeu, será enlouquecer, perceber (finalmente) que há uma casta que anda a parasitar este e outros países? Quem criou deliberadamente a «crise financeira», simultaneamente em tantos países e com expedientes diferentes: os produtos tóxicos, as dívidas incomensuráveis ou as hipotecas nos EUA? Não dá que pensar?
Zuricher disse... : «E o que não entendo é porque é que ninguém relembra ao Soares o que ele fez aquando da intervenção do FMI em Portugal em 1983.»
Diogo: É certo que Soares tem grandes telhados de vidro mas, agora que já nada tem a perder, pode pôr o dedo na ferida sem preocupações tácticas. Palhaçadas assassinas é pedir dinheiro emprestado a juros agiotas para o dar de mão beijada à Banca – os tipos que chuparam (e continuam a fazê-lo) um país inteiro.
Pinho Cardão disse... «Numa comunicação social civilizada tais intervenções teriam, quando muito, direito a uma referência de rodapé. Aqui, é o que se vê e ouve e lê. Estão bem uns para os outros. Lamentavelmente, são eles que moldam este país.»
Diogo: Numa comunicação social livre, estes acontecimentos (e todos os anteriores), teriam uma relevância muitíssimo maior. Afinal, é toda uma população que está a ser conduzida à pobreza, à miséria, à fome, ao suicídio, ao crime e à morte. Mas não, a comunicação social gasta quase todo o tempo disponível a falar de bola e de outras tantas trivialidades.
Tonibler disse... «Se tivesse sido permitido aos nomes grandes do Estado Novo organizar um encontro em 1976 sobre os caminhos da revolução, imagino que seria uma coisa semelhante. Figuras que não voltarão nunca mais a falar de um país que já não existe. E faltaram lá algumas figuras grandes que por ainda ocuparem altos cargos do estado não apareceram.»
Diogo: Mais néscio que isto é difícil.
Caro Ferreira de Almeida, como dizia alguém que viveu há cerca de 2000 anos: felizes os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus.
É verdade Diogo. Há 2000 anos tinham-no descoberto...
Caríssimo Ferreira de Almeida, se calhar, há 2000 anos atrás, não me tinham descoberto nem a mim nem a si. Talvez por motivos opostos…
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