Sou economista e tenho do português, não uma visão especializada, mas a visão de um cidadão que preza a sua língua e a considera um dos grandes activos do povo português.
Por isso me confrange a impreparação na língua portuguesa dos que, com grau universitário ou não, entram na vida activa e no mercado de trabalho.
É nesse contexto que deixo a seguinte história da minha vida profissional.
Durante 12 anos da minha actividade profissional de economista e gestor, fui membro da chamada “Alta Direcção” de um grande Grupo Bancário nacional e administrador do Banco de Investimentos e de outros Bancos do Grupo.
Nessas funções, aí 3 ou 4 vezes por ano, competia-me fazer a entrevista final aos candidatos a colaboradores que já tinham ultrapassado as fases anteriores do processo de selecção.
Durante a entrevista, interessava-me sobretudo saber quais os conhecimentos gerais, a cultura do candidato, o seu grau de preparação, a sua apetência profissional.
Na "cultura do Banco", a formação e o dia a dia se encarregariam do resto...
Dos conhecimentos especializados interessava-me apreender aqueles que o poderiam recomendar para uma área específica do Banco, quando para tal surgisse oportunidade.
Nesse contexto, procurava saber qual o “relacionamento” do candidato com a literatura, a história, a filosofia, a música, as artes e, em geral, com a cultura.
Confesso que a experiência foi desastrosa.
Das centenas de entrevistas feitas, poucos, mas muitíssimo poucos, candidatos eram capazes de indicar, de imediato, o nome de dois escritores portugueses.
Quando Saramago ganhou o Nobel, foi a sorte grande: quase todos o indicavam, por obra de ouvirem na televisão.
E nomes de livros? Uma verdadeira desgraça!
Conheciam algum livro de Herculano, ou de Camilo, ou de Namora, ou de Torga?
Era o zero quase absoluto!...
Aliás, a grande maioria nunca tinha lido um livro completo.
Perguntados se não havia livros de leitura obrigatória na Escola, respondiam que liam os resumos, de modo a poderem responder alguma coisa aos professores.
Aprendi então que havia resumos no ensino secundário, os quais substituíam os livros recomendados!...
Confesso também que uma vez fiquei embaraçado, quando uma candidata me referiu, depois de uma ligeira pausa, o nome de Paulo Coelho. De facto, eu não conhecia o escritor. Procurei que ela me dissesse algo mais, mas, para além do nome, nada mais sabia, a não ser que era o livro que uma prima que viera do Brasil andava a ler.
Muitos candidatos eram licenciados, alguns muitíssimo bem preparados em matérias específicas.
Raramente ficava nada tranquilo com os pareceres que dava.
Se eram negativos, estava a vedar a entrada do candidato numa profissão.
Se eram positivos, estava a fazer admitir futuros tecnocratas, sem cultura ou qualquer visão minimamente global do homem: não estava certamente a fazer admitir bons colaboradores.
Da experiência ganhei uma coisa: fiquei a saber quem era o Paulo Coelho!...
1 comentário:
Sou professor universitário e, ao longo dos anos, tem-me acontecido aperceber-me de que as alunas por vezes têm na carteira o livro que andam a ler nesse momento. Até hoje, com uma única excepção, tratou-se sempre de algum livro do Paulo Coelho. Já agora, a excepção foi, por acaso, o primeiro romance que eu li, O meu pé de laranja lima de José Mauro de Vasconcelos.
Escrevi «as alunas» no parágrafo anterior porque nunca vi um aluno com um livro.
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