Se alguém ouvir um dia destes que foi recusado tratamento a uma pessoa por causa da idade não se admire. O National Institute for Clinical Excellence (NICE) do Reino Unido admite que podem ser recusados tratamentos, na base da idade, quando os benefícios forem baixos ou os riscos forem elevados. Os responsáveis argumentam de diversas maneiras e chegam a apresentar alguns exemplos, tais como: é aceitável oferecer três ciclos de tratamento, no âmbito da fertilização in vitro, às mulheres com idades entre os 23 e os 39 anos, mas a partir desta idade não, porque o sucesso diminui. Quanto à vacina da gripe deve ser ministrada prioritariamente a partir dos 65 anos. Nos jovens só em casos excepcionais. De facto, ninguém aceitaria que fossem aplicadas técnicas de fertilização in vitro a mulheres idosas, e, no tocante à vacinação contra o vírus de gripe, as normas apontam para os doentes crónicos e pessoas de idade. O pior, é que logo a seguir vem o parágrafo segundo o qual também deverão ser negadas as terapêuticas nas “doenças auto-infligidas”, resultantes de estilos de vida não saudáveis. A subtileza de agrupar as doenças num novo grupo “auto-infligidas” é mesmo perversa. Tudo isto tem como base a eminência de um colapso financeiro em termos de prestação de cuidados de saúde.
Pois é! Se as coisas continuarem neste pé, não tarda muito que um dia destes os súbditos de Sua Majestade se confrontem com situações do género:
- Olhe, o senhor já tem uma certa idadezita e este medicamento já não lhe vai ser muito mais útil, portanto, a partir deste momento não pode tomá-lo!
Ou então: - Vacina contra a gripe? Oh homem! (senhor de uns 50 anos) cresça e apareça, então não vê que é ainda uma criança para ser vacinado.
- Como? A Senhora quer fazer fertilização in vitro? – Desculpe. Não pode. A senhora já passou o prazo de validade (apesar de uns simpáticos e saudáveis 40 anos).
- O senhor não tem direito a tratamento, porque o seu problema está enquadrado dentro do grupo de “doenças auto-infligidas”. Bom dia!
O conceito de discriminação na base da idade é patético, porque nem sempre existe uma correspondência linear entre a idade cronológica e a idade biológica, além da dificuldade em estabelecer pontos de corte. Por outro lado, cada caso é um caso e só perante o mesmo é que se pode tomar a decisão mais aconselhada. Mas no que toca às “doenças auto-infligidas” a situação é mais do que arrepiante, é, no mínimo, uma perfeita obscenidade.
Os motivos subjacentes a estas opiniões – ponto de partida para as decisões – são os problemas económicos.
A opinião pública tem de se acautelar com estas tentativas de discriminação na área da saúde. As ameaças estão aí. A autoridade britânica, cujo acrónimo é NICE, não morre, pelos vistos, de simpatia pelos cidadãos britânicos. Convém não esquecer que o Reino Unido não fica muito longe…
1 comentário:
O meu aplauso, Prof. Massano Cardoso, para esta chamada de atenção. Reconduzida a uma questão de cidadania, é bom que se alerte contra estes limites pretensamente técnicos ou cientificos apostos ao exercício dos direitos sociais.
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