Tal como prometido no último post, vou hoje referir-me ao relatório Bruegel, editado em Bruxelas em Fevereiro deste ano e divulgado na imprensa portuguesa no corrente mês (especialmente no D.Económico).
Uma primeira observação para dizer que, com excepção do DE, o documento passou quase despercebido nos órgãos de comunicação, tendo merecido bastante menos destaque e suscitado menos discussão (se alguma) que outros relatórios mais conjunturais como os do FMI/Primavera, OCDE e o boletim económico do BP do 1ºTrim/2006.
Em minha modesta opinião, este relatório é bem mais importante, todavia, que qualquer um desses relatórios conjunturais, pois mostra, com bastante clareza, porque razão a economia portuguesa se encontra na posição crítica que todos, mais ou menos, conhecemos.
E permite perceber o que teremos de fazer – e também de não fazer – para sair dessa crítica situação.
Permite ainda antever o que nos poderá suceder se não formos capazes de inverter, decisivamente, a natureza das políticas que parece teimarmos em seguir.
O relatório em causa faz um balanço dos primeiros 7 anos de experiência do euro (1999-2005), começando com um comentário interessante, que nos diz muito respeito: que a participação no euro tem os seus benefícios, mas que esses benefícios não são de acesso livre, com isto querendo dizer que para alcançar esses benefícios era preciso algum esforço.
E, acrescento eu, seria preciso em primeiro lugar ter percebido o significado e as implicações da participação no euro, coisa que em Portugal, sobretudo a nível oficial, quase ninguém entendeu.
Coisa que entre nós levou muitos anos a assimilar e ainda há quem não consiga ou não queira entender (ontem mesmo, ao ler um artigo de opinião no DE, intitulado “Portugal no buraco”, pude constatar que é possível, ainda nesta altura, haver “opinion makers” que vêm propor, como solução do nosso problema económico, uma receita que conduziria à insolvabilidade do Estado, ao agravamento da perda de competitividade e, como conclusão, ao afundamento definitivo da economia…)
O relatório esclarece, logo a seguir, que a participação numa zona monetária exige disciplina (financeira, em especial) e que a perda da taxa de câmbio como instrumento para enfrentar choques económicos pode ter um custo elevado.
E acrescenta que as divergências entre os países membros em matéria de crescimento e de inflação deveriam merecer muito maior atenção por parte das autoridades nacionais e comunitárias, a preocupação destas tem-se concentrado, quase em exclusivo, na implementação do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Chama ainda a atenção (i) para a necessidade de agilizar os mecanismos de formação de preços e de salários, a nível nacional, em ordem a permitir respostas mais prontas à mudança de condições económicas (que W. Munchau advogou como prioridade para o caso da Itália, no artigo a que me referi no último post), bem como (ii) para a exigência de evitar políticas orçamentais que contribuam para agravar ainda mais as divergências de preços e de crescimento.
Passando à análise do caso português, o relatório refere, em especial, a acentuada perda de competitividade que se registou no período pós-euro – a mais grave entre todos os países da zona medida pela taxa de cambio real.
Portugal teve, neste capítulo, o pior desempenho entre todos os países do euro. Comparável apenas ao caso da Itália, mas ainda pior infelizmente.
Coloca a nossa evolução em contraste com a da Irlanda, que durante os mesmos 7 anos conheceu um “boom” nas suas exportações (o euro não foi obstáculo).
A Irlanda constitui aliás um caso notável de sucesso na reforma da despesa pública, um bom exemplo para Portugal, ao qual tenciono dedicar um dos próximos textos em exclusivo, acho que vale a pena. Miguel Frasquilho tem já citado este exemplo, julgo que se justifica conhecê-lo um pouco melhor.
E aponta que a perda de competitividade em Portugal se deve a uma inflação acima da média da zona euro e que esta última é explicável pelo disparo da procura interna, em resposta a dois factores principais: (i) queda de mais de 6% no nível das taxas de juro reais, determinando uma “explosão” no recurso ao crédito bancário para financiar despesas de consumo e de investimento em habitação, e (ii) política orçamental fortemente expansionista, pró-cíclica, agravando as consequências da rápida expansão da despesa das famílias.
Acrescenta mais adiante um elucidativo comentário, ao dizer (cito) “Portugal cometeu erros significativos de política económica no período 1995-2000, quando o seu “headline” deficit (não corrigido de variações cíclicas) passou de 5% para 3% do PIB”.
O que deveria ter acontecido então, nesse período, para que não viéssemos a sofrer as consequências por que agora estamos a passar?
A resposta é até simples de enunciar: deveríamos ter passado para uma situação de SUPERAVIT orçamental significativo (da ordem dos 2 a 4% do PIB) exactamente como aconteceu na Irlanda, em vez de termos mantido um deficit de 3 ou 4% (lembro que o deficit de 2001, certificado pelo Eurostat, foi de 4,4% do PIB).
Não teria sido particularmente difícil, bastaria ter aproveitado o grande ritmo de crescimento da receita fiscal que então se verificou graças à rápida expansão da despesa de consumo das famílias (impostos indirectos) e ao crescimento dos rendimentos pessoais e das empresas (impostos directos).
Ao mesmo tempo, deveríamos ter travado, mas a sério, o crescimento da despesa pública.
Isso não teria causado qualquer dano ao crescimento da economia, bem pelo contrário teria até contribuído para um melhor desempenho das exportações e para um bem menor (ou para o não) agravamento do défice externo.Continua em próximo post a apreciação do relatório Bruegel. Este já vai muito longo, não quero complicar a vida ao comentador Anthrax…
7 comentários:
Nota-se bem que não me quer complicar a vida... 21 parágrafos!
Lindo... tenho de o imprimir que isto assim, a olhar para o écran, não vai lá. :))
Já ia começar a comentar, mas deixo o comentário do fundo para o fim. Queria apenas salientar que até agora tem falado de indicadores e, pior, indicadores do passado.É só para ajudar à continuação.
Pois eu já li o texto e até escrevi umas anotações ao lado (que era para não me esquecer do que era suposto dizer), mas preciso de mais um tempinho porque agora estamos (aqui no Burgo, que tem sido um sítio bastante animado ultimamente), a preparar um boicote à nova chefia. Mas é um boicote como deve de ser. Já vos conto...
Ok, então aqui vai.
No que respeita ao relatório Bruegel, senti falta de um link para o referido documento (caso seja público e esteja disponível na sua versão electrónica), porque estar a comentar um documento que não li, não é muito fácil. Mas no que respeita à pouca atenção dada pela comunicação social, parece-me natural tendo em consideração que, de alguma maneira, vai contra tudo o que o governo tem andado por aí a espalhar.
Mesmo assim, considerando que a interpretação que faz é a mais correcta, a verdade é que quando Portugal aderiu ao Euro sabia que havia regras que tinha de cumprir e tal como costuma dizer o Prof. João César das Neves, "não há almoços grátis".
Sabiam também que, ao aderir ao Euro, perdiam a capacidade de de mexer na moeda (sei que não é assim que se diz, mas agora não me lembro da expressão correcta). Não penso que os políticos da altura não tivessem entendido as implicações disso, o que penso é que por questões de inconveniência política, preferiram ignorá-las. Ora isto, na minha óptica, torna um acto de "não entendimento", num acto deliberado.
Não gosto de fazer referências ao passado, mas a verdade é que o governo do Engº Guterres encetou uma série de políticas despesistas, como se a economia portuguesa estivesse em franca expansão, sem nunca salvaguardar a possibilidade das coisas darem para o torto. O pior disto tudo, é que os outros que vieram a seguir fizeram o mesmo.
Se por um lado, no tempo do Engº Guterres, a mensagem transmitida foi a de que «podem gastar à vontade porque não há problema». Por outro lado, no tempo do Dr. Durão Barroso já andava tudo de «tanga». Ou seja, num curto espaço de tempo passámos do 80 para o 8. Ora se a economia são as pessoas, ninguém sobrevive a um choque destes e aquilo que, se calhar, era apenas uma «crise de tesouraria» transforma-se numa grave crise económica.
É assim, eu posso não perceber nada disto, mas sei que tudo na economia está ligado. Se as pessoas não trabalham, não produzem, se não produzem, não têm dinheiro, se não têm dinheiro, não consomem, se não consomem, não há dinâmica. Da mesma maneira que, se não produzem, não descontam para os impostos e logo o Estado perde receitas. Para além do Estado perder receitas, ainda vai aumentar mais a sua despesa porque estes desempregados vão para o fundo de desemprego e vão receber dinheiro para não produzir nada.
Do lado de quem produz, se não houver quem consome, quem produz vai deixar de produzir tanto, deixa de produzir tanto, corta nos custos, se corta nos custos, despede pessoal, se despede pessoal está tudo arrumado. E entramos num looping, tipo pescadinha de rabo na boca.
É verdade que a IE teve um desenvolvimento económico positivo, mas eles seguiram uma política fiscal que os Portugueses, simplesmente, se recusaram a seguir no passado e continuam a recusar-se a seguir no presente, porque no curto prazo o choque para o Estado é demasiado grande. Então, os moços preferem gerir o país como se fossem um Zé dos Anzóis a gerir a meerceria ali da esquina.
Não há estratégia de desenvolvimento, nem nunca poderá haver enquanto continuarem a olhar para o próprio umbigo. A isto há quem chame "Paradoxo de Ícaro" e que no fundo, revela uma certa incompatibilidade entre as asas de cera e o calor do sol.
Sei que nenhum economista sensato faz previsões económicas a curto prazo, são sempre a longo e quanto mais longo melhor, mas se tudo funciona por cíclos parece-me muito irresponsável, nunca ninguém se ter preocupado em arranjar «colchões de queda».
Meu caro Anthrax, fiquei na expectativa de que contasse os pormenores desse boicote inteligente ao chefe...
Quanto ao relatório, pode encontrá-lo no site do instituto: www.bruegel.org
É segredo de Estado, caro JMFA. Mas cá me cheira que a criatura não precisará de muitos boicotes da nossa parte. Creio que sofre de uma estranha tendência para se boicotar a ela própria.
Não me parece muito viável que se consiga dividir entre as várias funções que, neste momento, desempenha. Gerir esta coisa onde trabalho, é um «full-time job» não só pela sua natureza, mas também porque requer da parte de quem gere, uma grande disponibilidade para passar a maior parte do tempo enfiado dentro de um avião.
Poder-me-iam dizer que isto se resolve facilmente com uma delegação de funções, mas o problema é que a delegação só vai até um determinado ponto que não envolve a capacidade de tomar decisões em matéria de orientações gerais.
A nossa capacidade de resposta (que até à passada 6ª feira era bastante rápida), passa pela capacidade de decisão de quem gere e pela rapidez com que nós conseguimos implementar essas decisões. Falhando aí, põe-se em causa todo o trabalho que fazemos. É isso que nos preocupa e não o facto de termos um AVC por "chefe".
Nós estamos há 5 anos a trabalhar para cumprirmos os objectivos, para darmos uma boa imagem deste serviço, para transmitirmos ao nosso público-alvo que somos competentes, que acreditamos no trabalho que eles estão a desenvolver e que não estão a lidar com a "função pública" decrépita e paralítica a que eles estão habituados (aliás reforçamos sempre que não somos função pública, só para que eles não fiquem com ideias). Tudo isto demorou muito tempo a construir, deu-nos muito trabalho (e muitas crises de histerismo).
Estamos entre os melhores ao nível da Comissão Europeia, somos considerados um caso de sucesso, com bons resultados em campo (que estão agora a ser alvo de um case-study por parte de Bruxelas). No nosso entender, aquilo que o governo e o ME estão a fazer é, simplesmente, a destruir tudo quanto conseguimos fazer e a denegrir a imagem que conseguimos junto da C.E.
Isto, para nós, é inaceitável. De qualquer forma, também não queremos estar já a bater na mulher antes de a deixar abrir boca.
Meu Caro Anthrax
Creia que muito apreciei o seu comentário ao longo texto sobre o Bruegel report.
Permita-me 4 observações.
A primeira, para esclarecer que não fiz interpretação do Bruegel report, limitei-me a referir as suas ideias centrais, algumas vezes por simples transcrição.
Segunda para reiterar a minha convicção de que os políticos da altura não entenderam mesmo as implicações profundas da adesão ao euro. É obvio que entenderam as consequências formais - de que é exemplo a perda da possibilidade de alterar o valor externo da moeda - mas não foram além disso e daí os erros enormes que estamos a pagar.
A terceira para dizer que o famoso discurso da "tanga" era infelizmente o mais ajustado. Não sei, e pouco importará hoje, se a expressão "tanga" foi a mais feliz, pode não ter sido. Mas, face ao dramatismo da situação, o conteúdo não podia ser outro.
Quarta e última, para lhe dar a minha opinião que a melhor estratégia de desenvolvimento, nesta altura, será a redução da despesa pública, em % do PIB, e a consequente redução dos impostos.
Se fossemos capazes de fazer isso, pode crer, meu caro Anthrax, que daríamos um grande salto em frente...
Enviar um comentário