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sexta-feira, 28 de abril de 2006

“Mãos pequeninas”…


Desconhecia as capacidades poéticas do meu amigo Pinho Cardão. Na sua “poesia de intervenção” cometeu um erro de concordância ao trocar “mandai” por “mandem”, conforme bem elucidou António Viriato.
Escrever não é fácil, a não ser para alguns sobredotados. É preciso ler, reflectir, analisar, estudar e treinar. Quando escrevemos um texto, seja qual for, procedemos de imediato às devidas correcções e modificações. Às vezes demoramos mais tempo a rever e a alterar do que a escrever a primeira versão. É bom, é saudável.
A blogosfera permite-nos desenvolver esta “arte” de comunicar, o que é muito positivo, sobretudo, numa época em que a imagem e a expressão verbal têm mais visibilidade e cultivadores. Apesar de todos os esforços, não se lê e nem se escreve tanto quanto seria desejável para estimular o desenvolvimento cultural do nosso país. Talvez o hábito de escrever notas, posts ou comentários possa contribuir para melhorar a situação.
Temos a obrigação de cultivar e desenvolver a nossa língua, verdadeira “alma lusa”. As críticas são sempre bem-vindas. Devemos ser humildes e aceitá-las não só para o nosso bem pessoal mas também para o bem colectivo.
Um dia destes, um leitor enviou-me por e-mail uma crítica a uma nota minha, onde a propósito da medicação referia aderência (aos medicamentos) em vez de adesão. Confesso que utilizava - e agora mais do que nunca vou continuar - a palavra adesão. Mas o raio do hábito e a necessidade de ler e estudar em língua inglesa, em que determinados termos se prestam a confusão com palavras similares em português, caso de aderência, puxou-me, ou melhor, empurrou-me para o seu uso que, reconheço, não devia ter utilizado. Imediatamente, após ter agradecido o esclarecimento por e-mail, substitui aderência por adesão na referida nota.
Mão à palmatória! Aliás, era um desgraçado, porque, volta e não volta, tinha que estender duas pequeninas mãos à violência correctora da menina-de-cinco-olhos sempre que o todo poderoso professor primário, envergando o seu ceptro, “explicava” quais os erros a não cometer.
A afirmação segundo a qual todos cometem erros é irrelevante, porque sabemos que é assim. O erro é uma constante da vida e até mesmo fonte de vida. Recordo-me de um ensaísta francês que explicava a evolução das espécies através dos erros. Somos fruto do erro “compensado” por compromissos evolutivos.
No nosso caso, o erro pode ser devido a confusão, distracção (mais simpático), omissão ou ignorância. A hipótese de ignorância incomoda, sobretudo, quando é deixada em suspenso nas entrelinhas.
Não tenho nada contra os que detectam erros, como é óbvio. O que me incomoda é uma estranha superioridade traduzida, por exemplo, no meu caso, como um erro “simplesmente lamentável” misturada com intensa ironia, ou, no caso do “poeta republicano”, nos comentários efectuados. Seria suficiente dizer o que está mal e a melhor forma de corrigir. Pela minha parte, agradeço e corrijo, e sempre vou poupando as minhas mãos não pequeninas…




4 comentários:

Anónimo disse...

Pois aí está, meu caro Professor, um texto BEM ESCRITO.
Isto de dar a mão à palmatória já não é como dantes era...

Anónimo disse...

Não sei bem se este texto é uma elegia ou um elogio ao ancestral método pedagógico da palmatoada.
Uma coisa tenho a certeza, parece ter sido eficaz. Pelo menos no que ao autor desta prosa diz respeito. Espero que para além da qualidade da escrita não tenha provocado outros "danos" colaterais.
O problema não reside nos coevos métodos pedagógicos mas na ausência de uma cultura de exigência e disciplina - começa na família, alastra-se à escola e contagia toda a sociedade.

Não resisto a contar uma pequena estória (de memória, não encontrei a versão original).

Havia um velho sacerdote egípcio, dois mil anos antes de Cristo que, em conversa com um amigo, desabafava:
- Os jovens já não respeitam os mais velhos, os alunos não ouvem os professores, os filhos não obedecem aos pais... o mundo está perdido, o mundo vai acabar!

Volvidos quatro mil anos, ainda por cá andamos, com os mesmos dramas...
Daqui a mais quatro mil anos “voltaremos” a falar sobre este assunto.
Não há aqui qualquer fatalismo histórico ou devir existencial, mas as espécies evoluem muito lentamente... ou, então, depende apenas do nosso olhar geracional.

Espero não ter cometido nenhum erro de palmatória e, se cometi, aviso desde já os “censores” que foi do sono. :)

António Viriato disse...

Amigos,
Vejo que surtiu efeito aquele meu pequeno comentário ao solecismo encontrado. Só o fiz, porque me pareceu que o autor do deslize o aceitaria, com naturalidade, sem relutância.

Assiste-se a um desleixo crescente na escrita do Português e, o que é mais lamentável, esta atitude já é comum em pessoas com escolaridade elevada, algumas já leccionam em Universidades.

Isto não traduz nenhum progresso, mas é sinal de uma degradação dos níveis de exigência nos graus de Ensino Primário e Secundário, onde se ganham ou se perdem os fundamentos do nosso conhecimento do idioma pátrio. Depois, vai-se aperfeiçoando esse conhecimento, mas a segurança dele vem de trás.

Por termos, durante anos a fio, desprezado a aprendizagem da Língua, tolerando o erro, para lá do aceitável, justificando-o por sistema, desculpando-o ou até o louvando, chegámos a uma situação lastimosa, no Português, como na Matemática, como na Física, etc.

A razão disto radica no mesmo mal e todos devemos fazer alguma coisa para o combater, porque os seus reflexos na preparação profissional, científica e cultural dos nossos concidãos são nocivos e estão na base do nosso permanente atraso.

No fundo, estamos sempre a dizer coisas semelhantes e os resultados são escassos. Por isso, é preciso insistir.

De resto, não há alternativa : ou nos adaptamos à exigência, ao rigor, em todos os sectores da nossa vida colectiva, a começar pelo Ensino, ou continuaremos a consumir-nos, a carpir-nos eternamente.

Desculpem se me alonguei um tanto. O assunto é interessante e praticamente inesgotável.

Termino, no entanto, com a anterior observação : a única atitude apropriada perante o erro é a sua correcção.

Vai longa a noite...

Anónimo disse...

Muito bem, meu caro António Viriato, muito bem. Não encontrei erros de concordância ou solecismos na sua justa prosa. :) Aliás, trata-se de uma constatação de facto. E, contra factos não há argumentos. Ás vezes o problema não está no que se diz, mas na forma como se diz. Quem ensina, frequentemente transfere a responsabilidade do insucesso da aprendizagem para o aprendente, para a família ou mesmo para a sociedade. Porém, o sucesso da aprendizagem depende também, em grande medida, do mestre. Do seu jeito para cativar, para emular o outro, para estimular a curiosidade, para facilitar a apropriação do conhecimento... Todos as pessoas, em geral, têm uma grande apetência pela descoberta a partir de experiências concretas. No entanto, o processo de ensino-aprendizagem ainda está excessivamente centrado no método expositivo (“magister dixit”), nos conceitos gerais ou em exemplos abstractos. Hoje em dia a concorrência é feroz! Os professores têm que competir com os média. E isso exige maior investimento nas competências pessoais e tecnológicas, mais capacidade de adaptação às mudanças, mais criatividade e iniciativa,... Em síntese, mais e melhor. Porque será que temos sempre um longo caminho à nossa frente? Talvez porque com frequência nos distraímos e nos deixamos ficar para trás... Mas, este facto, não tem que ser uma inevitabilidade!