Não sei nada de quântica, ao contrário de Tonibler, que de forma cristalina comenta o post de Massano Cardoso, mas esse texto e a teoria da incerteza suscitaram-me a questão da tendência para desenhar regras, com a ilusão de que, se as desenharmos e lhe dermos forma de lei, elas hão-de impor-se à realidade e conduzirão esta rebelde para onde queríamos que ela parasse.
Ora, na natureza não é assim, e, na maior parte das vezes, ainda bem.
Uma coisa é estudar os fenómenos, perceber o seu movimento determinante e apreender-lhe as regras. É de acordo com esse conhecimento que se poderá depois orientar mais ou menos a sua direcção, ou modificar os comportamentos de modo a tirar deles proveito, mas não podemos ter, nem dar aos outros, a ilusão de que passamos a dominar o fenómeno.
Outra coisa, bem diferente mas muito comum, ditada pela ignorância ou pela sua forma particular que é a arrogância, é pensar que é a regra que vai impor-se, tornando rígido o que era adaptável, de acordo com o que supomos ou desejamos fixar, ignorando a tal instabilidade essencial que não nos deixa dominar mas apenas apreender. A incerteza intrínseca das coisas, de que fala Tonibler, será talvez uma capacidade permanente de adaptação que a natureza contém, e que a preserva, a diferença e a vantagem estará do lado de quem consiga melhor captar esses movimentos e o seu sentido, reconhecendo-lhe uma mutabilidade permanente ou uma infinidade de combinações que, a cada momento, deitam por terra o que tínhamos como certeza absoluta. Quem não vê isto, e se fixa em regras imutáveis, confundindo-as com princípios, não evolui. Como diria Karl Popper, “all life is problem solving”...
13 comentários:
Não tarda e ainda vamos ter aqui no 4R "físicos" de nomeada!
A Suzana diz que não percebe nada de "quântica". Não sei, não! O que é certo é que sabe filosofar muito bem. As conclusões desta reflexão obrigam-nos a pensar, porque o seu alcance é mesmo muito vasto.
Já o li várias vezes. É preciso lê-lo e relê-lo com muita atenção. De facto, cada vez que o fiz encontrei algo de novo ou pelo menos lançou-me para novos campos.
Cara Suzana Toscano,
Relevo a sua capacidade narrativa, mas devo confessar que fico sempre algo incomodado quando ouço falar da Física, da Mecânica Quântica, do Princípio da Incerteza de Heisenberg, Equação de Schrodinger e coisas semelhantes, como a leveza com que o fazem certos «vultos comunicacionais» da nossa praça.
Até o Prof. Boaventura,sociólogo de nomeada, de Coimbra,se permitiu, uma vez, discutir estes assuntos tu-cá-tu-lá com o físico reputado, António Manuel Baptista, como se qualquer um pudesse fazê-lo a seu bel prazer e com propriedade, em tais matérias.
Sinto-me sempre melindrado, lembrando-me do que penávamos no IST, nas cadeiras de Física, em que essas matérias eram tratadas.
Sei que, no seu caso, o propósito é diverso, além de que aproveitou o tema para lhe dar um encaminhamento distinto e, acrescento, bem conseguido, mas não posso também esconder esta impressão que me ficou da leitura desta sua reflexão.
Confio que entenderá a minha observação.
Cara Suzana,
Eu pouco sei de quântica comparado com pessoas que fazem disso a vida há décadas mas a sua abordagem está correctíssima.
E, respondendo ao António Viriato, um dia, a desenvolver um modelo de risco de crédito baseado nesses princípios, discutia com um professor do IST da sua aplicabilidade e ele dizia-me "mas as propriedades dos devedores não são intrinsecamente incertas, elas são certas" e eu só respondia "para quem empresta nunca serão certas e, logo, estes podem assumi-la como tal". O facto, caro Viriato, é que para se pôr à sombra não precisa de saber se o Sol anda à volta da Terra ou se a Terra anda à volta do Sol. Em rigor, até assume que o Sol anda à volta da Terra para resolver o seu problema de arranjar um bom lugar. Desde que conheça a limitações dos seus pressupostos, o seu problema ficou resolvido. Por isso, não se trata de falar com leveza. Trata-se de abordar os problemas com inteligência, mesmo partindo de pressupostos que sabemos à partida estarem limitados.
Caro Salvador Massano Cardoso,
Na web há dezenas de coisas sobre espaços de Hilbert, que penso ser aquilo que procura - o formalismo lógico, mais que a física das partículas. Os estados físicos são vectores num espaço de Hilbert gerado pelos estados possíveis, os tais colapsos de que resultam as medidas. Aviso, no entanto, que é possível que volte a consultar os livros de matemática do 8º ano, como me aconteceu a mim...;) E depois ficar a insultar a sua professora da altura por não lhe ter explicado as coisas bem...
Concordo com o Tonibler.
Afinal para que servirá o conhecimento científico se o comum dos mortais não retirar partido dele, por mais complexo que seja, incorporando-o no seu dia a dia?
Lembro-me de um dia ter lido uma frase de Gilberto Freire, no livro Sociologia da Medicina, segundo a qual o “conhecimento só é conhecimento quando os poetas o cantarem”!
Não sou poeta nem para lá caminho, mas achei deliciosa esta frase que sintetiza a razão de ser da procura do conhecimento…
Vou procurar os espaços de Hilbert. Se me perder já sabem onde me procurar ;))
Caro tonibler,
permita-me que lhe diga: o seu comentário, de tão didáctico, merece ser lido e relido.Parabéns.
Apetece-me repetir o comentário do caro prof. Massano Cardoso. Quanto mais se lê o post da cara Drª Suzana, mais reflexões se extraem e novas interligações se estabelecem.
Porem, retenho esta reflexão "Outra coisa, bem diferente mas muito comum, ditada pela ignorância ou pela sua forma particular que é a arrogância, é pensar que é a regra que vai impor-se, tornando rígido o que era adaptável, de acordo com o que supomos ou desejamos fixar, ignorando a tal instabilidade essencial que não nos deixa dominar mas apenas apreender."
Cara Drª Suzana, deixe-me especular um bocadinho, V. Exª remete-se para esta consideração, porque, estou certo, a formação ética e moral que equipam a sua programação pessoal, assentam numa base de modestia e humildade, não descurando a objectividade.
É efectivamente necessário treinar as faculdades cognitivas, de modo a podermos formar bom juizo sobre tudo o que nos rodeia e que nos exige capacidade de decisão.
Beeeemmmm, os meus meninos andam verdadeiramente inspirados. Até já se cita Karl Popper!
Fazem muito, muito bem. É um autor que gosto muito, é em tudo genial.
Não há regras universais, isto é uma das primeiras coisas que se aprende com o referido autor e todos os cisnes só são brancos até ao dia em que aparecer um cisne preto. As regras que são válidas hoje podem não ser válidas amanhã, porque a realidade pode alterar-se ( e em vez de vermos as caras, da fotografia do post do prof MC, passamos a ver a taça ou vice-versa).
Pessoalmente, temo que aqueles que vêem as duas imagens ao mesmo tempo e aceitam que as regras têm um prazo de validade limitado, têm também uma responsabilidade acrescida. Têm a responsabilidade de decidir qual a imagem que querem ver num determinado momento, esperando que seja essa aquela que traz mais benefícios durante um determinado período de tempo.
Neste sentido, aqueles que se fixam em regras imutáveis são uns felizardos, porque como só vêem uma imagem (e na maior parte das vezes nem sequer percebem que lá está outra), não sentem a ansiedade e a tortura que é tentar responder à famosa pergunta: "O que é que aconteceria se eu tivesse escolhido outro caminho?". Para esses só há um caminho. São como os burros com as palas nos olhos. São felizes.
Caro António Viriato, tenho o maior respeito pelo conhecimento científico em todas as áreas e também tenho horror a que se fale dos assuntos com a leviandade de quem os abordoup ela rama e passa logo a considerar-se um entendido, por isso percebo bem a sua intervenção. Mas não tive qualquer pretensão em passar por entendida, o que não nos deve impedir de reflectir um pouco sobre o que os outros dizem e que, como é o caso, tomamos como certo. A tranversalidade do conhecimento, na impossobilidade de sabermos bem tudo, leva a que estajamos cada vez mais despertos para a relação entre os vários campos de saber, tentando enriquecer as matérias emq ue trabalhamos com as teses que outros já desenvolveram a propósito do que tratam. O caso que aqui falámos é bem o exemplo disso, de resto o Prof. Massano tem uma habilidade típica dos bons professores que é despertar a curiosidade para assuntos complexos dando-lhes a aparência simples que nos leva a querer saber mais. Na política,há muito a tendência para se passar a ideia de que há certezas absolutas, ou soluções milagrosas em que o povo pode confiar, e muitas vezes a lei reflecte isso mesmo, impondo regras onde devia desenhar princípios, mandando onde devia dar espaço à iniciativa responsável. Daí os equívocos, as distorções, e as emendas sucessivas, que aparecem como erros quando deviam surgir como evoluções naturais das matérias em causa. Porque já me confrontei muitas vezes com essa dificuldade, agradou-me muito perceber que há uma ciência que estuda esses fenómenos, aqui aflorada em tom coloquial, mas que pode ajudar muito a distinguir o tipo de instrumento que se deve usar para organizar e conduzir a sociedade.A incerteza e a dúvida nãopodem inibir a decisão, mas podem aconselhar o modo como ela é tomada.
O Anthrax é muito mais eloquente do que eu, foi pena os nossos comentários terem coincidido...
Ó minha querida Suzana, é muito simpático da sua parte mas, não sou eloquente não. Sou uma espécie de tractor colorido, muito tosco e muito bruto, que esborracha tudo por onde passa. Mas como é colorido, a maior parte das pessoas até acha alguma graça.
Quanto ao facto dos nossos comentários terem coincidido, eu posso arranjar-lhe - já aqui - uma maneira de não coincidirem totalmente. A incerteza e a dúvida não inibem a decisão, são elementos que fazem parte do processo de decisão. Se não houvesse incerteza, nem dúvida, então também não haveria necessidade de existir uma decisão. As decisões só podem existir quando temos de escolher entre 2 ou mais coisas, quando não temos de escolher entre nada, não há decisão.
Pois claro, caro Anthrax, eu bem digo que é eloquente, há por aí muita gente a fingir que toma decisões que não alteram nada, as dúvidas e as incertezas, ou o que havia a corrigir,ficam na mesma!
Caro Tonibler, revela-se aqui um cientista e um pedagogo!,ao lembrar que o conhecimento intrinseco não é exclusivo para utilizar os conceitos, a experiência dos efeitos da coisas leva a conhecê-las mesmo sem saber enunciar as regras.Por outro lado, a obsevação do que acontece ou do que os outros nos contam também pode levar mais longe do que aquilo que apenas se viu ou ouviu e é essa curiosidade e essa ousadia que leva a novas descobertas. Netwon só viu cair a maçã,tal como milhões de pessoas já tinham visto e tinham aprendido a não largar as coisas porque elas caíam.O conhecimento prático era o mesmo, mas ele é que se interrogou sobre o motivo. Sem isso, não haveria aviões...
Caro Bartolomeu, o que fazemos nós aqui senão exercitar a nossa inteligência e a nossa humildade, falando simplesmente do que nos intriga ou preocupa à espera de ouvir algumas respostas?
Diz muito bem cara Suzana, "aqui", o que fazemos é precisamente isso, "olear" a nossa inteligência, ginasticando-a através de dois exercícios muito interessantes e extremente estimulantes: interpretar o sentido do pensamento escrito e contrapor, ou concordar, ou as duas, novamente através do raciocínio escrito, que por sua vez vai ser interpretado por quem escreveu o primeiro raciocínio. Isto, sujeito ainda a diversas outras opiniões dos restantes leitores, o que forçosamente irá dar lugar a uma corrente de pensamentos, que poderão divergir ou coincidir. Mas, não me parece que sejam essas divergências ou convergências o objectivo principal de quem publica e quem comenta. O principal objectivo, creio eu, são a comunicação, a partilha do conhecimento e se se verificar a convergência, confirmamos as nossas opiniões e inevitávelmente, passamos a conhecer um pouquinho dos diferentes aspectos que caracterizam cada um de nós.
Daí, ter manifestado as qualidades que noto patentes na personalidade da cara Suzana, entre outras, gosto pela comunicação, pela partilha da vasta cultura e experiência, motivadas talvez, por uma postura que identifico humilde, na medida em que, apesar de o poder fazer, não "arvora" pragmaticas superioridades.
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