Em diversos Posts editados ao longo do corrente ano procurei chamar a atenção para o facto de as contas do SNS, tal como são apresentadas no Orçamento do Estado (OE) não evidenciarem a situação real do sector.
Seria sempre necessário, para se ter uma noção mais exacta das contas do sector, conhecer as contas dos hospitais, tanto dos EPE’s como dos SPA, pois um eventual aumento do endividamento/prejuízos destes seria sempre uma forma habilidosa (i) de encobrimento da real situação do SNS e também, por reflexo, (ii) de desorçamentação de despesas pura e dura.
O relatório recentíssimo do Tribunal de Contas (TC) sobre as contas do SNS vem por em evidência a total pertinência da questão.
Vou-me limitar a referir alguns excertos do relatório do TC:
1) A situação económica global das entidades que integravam o SNS em 2006 reflecte um agravamento tanto dos resultados operacionais como dos resultados líquidos, os quais atingiram - € 294,5 milhões e - € 284,8 milhões, respectivamente.
2) O agravamento mais significativo dos resultados líquidos, de 2005 para 2006, verificou-se no conjunto dos Hospitais do Sector Empresarial do Estado (SEE) sem que tenham sido esclarecidas as principais causas que terão contribuído para tão elevada variação do resultado líquido agregado.
3) Na situação financeira das entidades do Sector Público Administrativo (com relevo para os Hospitais Públicos, não EPE) o saldo financeiro do exercício apresentou valores negativos em 2006, verificando-se a passagem de positivo em 2005 (cerca de € 51 milhões) a negativo em 2006 (cerca de € 273 milhões) justificado, em grande parte, pela descida das transferências correntes obtidas – a famosa poupança orçamental proclamada pelo Ministro da pasta, agora percebe-se como foi conseguida... Quase € 325 milhões de desvio...
4) Quanto ao saldo financeiro acumulado do SNS, o qual já apresentava em 2005 valores negativos (- € 744 milhões), agravou-se em 2006 cerca de 31% (- € 978 milhões).
5) Relativamente aos hospitais SPA, verifica-se que se encontram a acumular défices que em 2006 já atingem € 464 milhões.
6) Em Dezembro de 2006, as dívidas do SNS ascendiam a € 1.989,4 milhões segundo o IGIF, sendo bastante mais elevado o montante apurado pelo TC: € 2.214,7 milhões.
7) O maior volume de dívidas do SNS concentra-se nos fornecedores externos, representando 82,7% da dívida total em 2005 e 84% em 2006.
8) O endividamento mais significativo ocorreu no grupo dos Hospitais EPE, verificando-se uma tendência crescente, em todas as entidades.
9) No SPA constatou-se um agravamento do prazo médio de pagamento a fornecedores, que no caso dos Hospitais SPA passou de 3,7 meses em 2005 para 6,7 meses em 2006.
10) Quanto aos Hospitais EPE, apurou-se em 2006 uma dívida total que supera em 51,9% a dívida do ano anterior (€ 557,1 milhões para € 846,5 milhões), sendo ainda mais elevado o valor da dívida apurada pelo TC: € 1.047 milhões.
11) A dívida dos Hospitais EPE a fornecedores externos, a maior fatia (mais de 90%) do total, aumentou 49,3% em 2006.
Palavras, para quê? É este o sucesso da gestão orçamental na área da saúde? Para que serviu a final a encenação do défice de 6,83% em 2005?
Estamos hoje pior que no ponto de partida, infelizmente para todos nós.
7 comentários:
Agora vou fazer figura de "analisto-jornalisto-económico":
Pois, mas o que vale é que o défice desceu...
Depois da nova economia entrámos na era da nova aritmética...
Somos, quase todos os dias, alarmados pelo Tribunal de Contas com os défices e dívidas acumulados por entidades públicas que, por uma razão ou outra, mas sempre com o mesmo objectivo de os varrer transitoriamente para debaixo do tapete, não estão considerados no défice e na dívida pública.
Mas não acontece nada. O Tribunal de Contas, salvo melhor opinião, é
um tribunal eunuco: Comenta mas não exerce. Pelas irregularidades detectadas ou dos abusos observados ninguém vai preso.
As desorçamentações são criticadas mas consentidas; as dívidas acumulam-se mas ninguém é responsabilizado.
Para além dos relatórios do Tribunal de Contas, chegam-nos de outros lados reparos com idêntico sentido: a ultrapassagem dos limites sem que ninguém seja apontado culpado.
Hoje, soube que António Costa ameaça demitir-se da Câmara porque o PSD se recusa a aprovar em Assembleia Municipal a transformação de 500 milhões de dívida por ele proposta.
Parecer-me-ia consequente a posição do PSD se o PSD 1) Não tivesse responsabilidades neste escândalo financeiro que consistiu em endividar a Câmara para além dos limites consentidos; 2)Exigisse que fossem responsabilizados aqueles que cometeram o descalabro; 3) Exigisse um plano de pagamento da dívida que não atentasse contra o bolso dos contribuintes.
Suponho, contudo, que a posição do PSD é apenas sustentada num porque não.
É incompreensível para quem, como eu, nunca pisou os corredores da administração pública, que o Tribunal de Contas (já que a Assembleia da República não o faz) não proponha a aprovação de um Código de normas contabilísticas obrigatoriamente exigíveis a todas as entidades que participam na administração pública ou sejam participadas unica ou maioritariamente pelo Estado. Incluindo, naturalmente, e para começar, as Estradas de Portugal.
É assim tão difícil? Tecnicamente é uma roda já inventada.
Se ninguém avança, incluindo o Tribunal de Contas, é porque a ausência de regras aproveita a muita gente.
Alternadamente, penso eu.
Que de subtilezas políticas não sei nada.
Caro Rui Fonseca,
O TC faz o seu papel de auditor das contas do Estado (SPA e SPE).
Cabe à Assembleia da República - à Oposição, em especial - retirar as consequências políticas dos reparos e recomendações que o TC emite.
Com efeito, o artigo 1º, nº1 da Lei nº98/97, de 26 de Agosto, diz "O TC fiscaliza a legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas, aprecia a boa gestão financeira e efectiva responsabilidades por infracções financeiras".
Por sua vez no artigo 70º, nº1 da Lei de Enquadramento Orçamental (Lei 91/2001, de 20 de Agosto), pode ler-se "Os titulares de cargos políticos respondem política, financeira, civil e criminalmente pelos actos e omissões que pratiquem no âmbito das suas funções de execução orçamental...".
Leis existem, meu Caro, falta é vontade de as efectivar...e o Rui Fonseca tocou um ponto sensível, que é o das cumplicidades "cross-parties".
Devo confessar-lhe que me tem intrigado o silência da Oposição numa matéria tão sensível como esta e em que a posição do Governo é tão frágil...
Parece que finalmente pediram um debate sobre este relatório...
Caro Tavares Moreira,
Muito obrigado pelas suas detalhadas informações.
Aguardemos, pois, o desenrolar da fita.
Meus caros,
Não querendo aborrecer ninguém, no dia em que começarem a aplicar essa legislação da responsabilidade dos titulares de cargos políticos, deixam de haver Titulares de cargos políticos. Até porque essa prática é incompatível com a prática nacional do "Sacode a água do capote".
Se não estou em erro, daquilo que me lembro das minhas aulas de direito, isto deve ser uma daquelas coisas a que se chamava «Costume contra Legem» ou assim qualquer coisa do género.
Mas como e porquê alguem acreditou que um governo PS poderia reduzir despesa?
Talvez fosse cómodo acreditar.
Basta pegar num exemplo: a CML quer contrair um empréstimo de 500.000.000€ e todos se pronunciam sobre as responsabilidade, etc., mas ninguem diz que a CML tem 10.000 funcionários e isso não faz qualquer sentido nem é sustentável. O custo desses 10.000 funcionários será 250.000.000€ ?
No fundo todos sabemos que 50% ou mais vai comer à mesa do orçamento e como tal...
Caro Anthrax,
Contra o que é habitual, não me revejo em seu comentário.
O que faz todo o sentido, em situações como a da falsidade da versão oficial das contas do SNS é que a Oposição suscite a questão da responsablididade política...
Não me refiro à responsabilidade financeira ou criminal, subjacente ao seu raciocínio "nihilista", que não está aqui em jogo!
A grande questão que actualmente se suscita é a dificuldade em curar a tripanossomiase que ataca a Oposição há tanto tempo...
Ainda haverá por aí algum especialista em doenças tropicais que tenha colaborado nas campanhas de erradicação daquela doença, nos idos anos 50 e 60, na Guiné, em S. Tomé e noutras paragens?
Teria tanto que fazer em S. Bento...
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