Os bons desafios de leitura vêm geralmente dos autores mais insuspeitos: precisamente aqueles em que não nos reconhecemos.Nem nas ideias, nem nas opções, nem nas práticas políticas. Precisamente por isso, o recente livro de Manuel Carvalho da Silva é um bom desafio de reflexão em torno do sindicalismo, dos problemas do trabalho e das empresas, da própria organização económica e social do país.
A proposta de Carvalho da Silva é sintetizada no primeiro parágrafo da introdução: "Neste tempo de globalização em que vivemos é imprescindível analisar e debater as questões do trabalho e do sindicalismo".
Quando soam ainda as palavras de ordem contra a globalização, o neo-liberalismo, as deslocalizações e a competição mundializada, há uma voz que do meio da rua se lembra de propôr pensar sobre este "mundo às avessas" e daí retirar as ilações necessárias para um "aggiornamento" do movimento sindical.
Comecei apenas a ler, por isso não vou mais além. Mas não deixa de ser digno de registo que um trabalhador e sindicalista se tenha obrigado a "pensar" e a "reflectir" de forma séria os desafios que se colocam à sua actividade, ao mesmo tempo que apresenta esse esforço sob a forma de dissertação de doutoramento em sociologia.
Sei que os ortodoxos, de um lado e do outro da barricada, não pensam assim.
Paciência!
11 comentários:
"Neste tempo de globalização em que vivemos (...) " ??? Que original...
Desperta-me muita curiosidade perceber o que pensa um sindicalista, comunista assumido, que viu modificar-se o mundo do trabalho, as relações económicas e sucessivas alterações no sistema social ao longo dos vinte anos de dirigismo, sobre como é que o movimento sindical se pode adaptar aos novos paradigmas.
Numa época em que negar a perda do poder sindical é negar a realidade, é difícil não atribuir a Carvalho da Silva a responsabilidade por esse declinio, em boa parte devido a um discurso tantas vezes irreal e inoperante, que prefere a rua ao diálogo, a instrumentalização ao PC do que a autonomia que credibiliza e mobiliza.
Havendo tempo, talvez pela leitura do livro satisfaça esta minha curiosidade. Ou a substitua por outra, que é a de tentar perceber como reagirão os cripto-comunistas que ainda influenciam os destinos da Intersindical, a alguém que se propõe agora promover uma actualização do sindicalismo se se candidatar no próximo conclave, a continuar a dirigir a central sindical.
Oh Professor, o "pensamento" e a "reflexão" que atribui a Carvalho da Silva é expresso diariamente pelo próprio na comunicação social e na acção da Intersindical. E daí, francamente lhe digo, pouco há a esperar. Os trabalhadores também assim pensam, pois cada vez aderem menos às ideias destes nossos sindicalistas.
Se as palavras de Carvalho da Silva continuam perfeitamente ultrapassadas, também muitas das lutas da Inter não fazem qualquer sentido.
Portanto, será um completo déja vu.
A não ser que CS tenha sentido um ímpeto revolucionário e abjure as ideias que diariamente divulga e das acção que dinamiza!...
CS teve todo o mérito em doutorar-se. Felicito-o por isso. Mas fiquemo-nos por aí!...
Caro David Justino,
Permita-me a familiaridade de quem o lê já há algum tempo e por vezes o tem comentado, com prazer, quando em sintonia, mas, mesmo na falta dela, sempre com interesse, pela estimulante leitura proporcionada.
Relevo a sua abertura mental, em abeirar-se de algo que caiu em enorme descrédito, o Sindicalismo, por certo pela responsabilidade de muitos amigos e camaradas de Carvalho da Silva, mas que, nem por isso, tem lepra, nem deixa de ser necessário nas relações laborais, nos dias de hoje.
Quem, afinal, há-de melhor representar os trabalhadores por conta de outrem nas negociações com as Entidades Patronais, senão as Associações Sindicais daqueles ? Não, numa perspectiva de permanente confrontação social, ao estilo de classe contra classe, como preconizava a velha vulgata marxista, mas tão-só numa perspectiva de legítima defesa dos interesses profissionais, salariais e outros dos que, individualmente, pouco poderão contra Entidades plenas de recursos e habilidades, não raro delas usando e abusando, com certo desdém dos direitos dos seus parceiros, interlocutores, servidores ou empregados, diferentes nas funções ou responsabilidades, mas absolutamente iguais na sua dignidade de cidadãos livres.
Começa a ser preocupante a fraqueza negocial das Associações Sindicais e não se vê nascer nada que, em seu lugar, possa desempenhar papel equivalente.
Os Partidos moderados, inequivocamente democráticos, deveriam interessar-se por estes assuntos, evitando que deles só se ocupem os que largamente contribuíram para o seu actual descrédito.
Apesar do déficite de leituras em que me acho, não enjeito a possibilidade de ler a tese de Carvalho da Silva, mesmo lembrando-me de muitas das suas atitudes políticas que mereceram a minha inteira discordância ao longo destes trinta anos de Democracia.
Vá-nos, pois, dando aqui notícia dessa sua capacidade de leitura experimentada, eis o que lhe peço.
Um abraço.
AV_15-11-2007
Boa nota, Professor David Justino!
Independentemente da razão que Carvalho da Silva tenha, da actualidade das suas posições, ou da pertinência das suas acusações, é um homem sério na causa que defende, e diz coisas que sendo verdades comuns, continuam a não fazer ninguém parar para pensar nelas, sendo frequentemente alvo do escárnio ou da critica dura, como aqui se vê.
Como diz, se de um lado ou doutro da barricada não gostam do que ele diz, paciência!...
Pelo menos fala com convicção, e isso há poucos assim.
Caríssimos, a ideia que o Caro Prof. David Justino pretende deixar expressa no seu texto, concentra-se a meu ver no seguinte parágrafo: "Quando soam ainda as palavras de ordem contra a globalização, o neo-liberalismo, as deslocalizações e a competição mundializada, há uma voz que do meio da rua se lembra de propôr pensar sobre este "mundo às avessas" e daí retirar as ilações necessárias para um "aggiornamento" do movimento sindical."
São palavras impressionantes na medida em que expressam um pensamento que coloca dois homens de áreas políticas diferentes a raciocinar o mesmo problema, com a mesma visão e objectividade. Este é que a meu ver é o ponto fulcral e, não a constatação ou empolamento das linhas de orientação política responsáveis por um antagonismo, que se verifica com agrado que num ponto essencial como seja a reflexão sobre políticas sindicais e laborais, pode e deve ser raciocinado no âmbito do concreto que são as relações trabalhador, sindicato e patronato e não esquerda e direita.
No meu entender, uma lúcida, inteligente e promissora forma de avaliar para entender e decidir.
"Começa a ser preocupante a fraqueza negocial das Associações Sindicais e não se vê nascer nada que, em seu lugar, possa desempenhar papel equivalente." Concordo com o caro António Viriato, quando não há vias formais de negociação e de transmissão dos anseios e preocupações dos trabalhadores, os estados de alma começam a manifestar-se de formas avulsas, sem que se identifiquem quem as determina ou organiza. Os sindicatos, tal como todas as outras forças intevenientes no processo democrático, têmq ue modernizar-se, informar-se e manter uma capacidade activa e esclarecida de intervenção. Vou ler o livro que o Prof. david Justino aqui divulga, seja para concordar, seja para discordar, mas pelo menos poderei comentar informada.
Eu sei que custa a todos estes senhores admitirem que são os sindicalistas quem mais, evidentemente, reflete sobre as novas questões do mundo do trabalho, ao contrário deles que não conseguem pensar quase nada de interessante e novo.Há pouco tempo li do Sr.Cardão uma série de patetices sobre não sei quê o metro de Moscovo e as igrejas derrubadas.Conhecendo eu tantas delas, lindas e de óbvia manutenção pelo estado soviético, estamos conversados sobre a mentira
repetida até á náusea.Esteja, pois, como entender dr. David, que se pensam estas questões e outras. Pode dormir intranquilizado.
Caro Guiluisantunes:
Não sei bem o que têem a ver igrejas destruídas pelo regime soviético com sindicalismo. E, então, sindicalismo com regime soviético é que não tem mesmo nada a ver!...
Gostava que o meu amigo ficasse a saber que defendo, sempre defendi, sindicatos fortes e independentes, que pudessem dialogar e negociar em bases sólidas com as entidades patronais. Numa economia sã, os trabalhadores têm que ser vistos não como um custo, mas como um factor, que urge valorizar, motivar, formar. Se os trabalhadores são considerados como um mero custo pelas empresas, respondem com a mesma moeda: também lhes custa trabalhar e, por isso, faltam sempre que podem.
Acontece que muitos sindicatos usam os trabalhadores apenas como instrumento e extensão da sua actividade partidária e política. De modo que, muitas vezes, os trabalhadores são acossados pelos patrões e instrumentalizados pelos sindicatos. Como não se podem ver livres dos patrões, livram-se dos sindicatos. É por isso, e por reconhecer que a força sindical é insubstituível numa economia de mercado(aliás a única economia onde se podem expressar), que penso que a linguagem, a atitude e a acção de muitos dirigentes sindicais está completamente fora da realidade.
Meus caros amigos e comentadores que não são propriamente meus amigos:
Será que só vale a pena ler aquilo com que à partida concordamos ou nos sentimos próximos? E o facto de lermos o que à partida não nos motiva qualquer atitude de concordância ou de proximidade política pode ser entendido como um acto de resignação por não conseguir "pensar quase nada de interessante e novo"?
É uma pena termos de andar a discutir ideias e políticas como se discute durante a semana o futebol, tipo "Bancada Central".
A minha preocupação com esta leitura é tão só a de perceber como é que um personagem central no movimento sindical, como o é Carvalho da Silva, pensa os desafios colocados pela globalização e pelas profundas alterações verificadas no mundo do trabalho e da política, durante os últimos 25 anos.
Mais ainda, fico curioso, como estes problemas vão ser colocados no próximo Congresso da CGTP-Intersindical, a realizar no próximo mês de Fevereiro.
Não entendo a vida política sem liberdade e sem democracia, tal como não entendo a democracia sem sindicatos e organizações de trabalhadores. Se eu até tenho razões de queixa de alguns sindicatos e alguns sindicalistas, essa não é razão suficiente para que ignore e me desinteresse sobre o que se faz e o que se pensa no movimento sindical português. Não se trata de mera curiosidade, nem de "estudar o inimigo". Trata-se de um dever de cidadania responsável de quem qier ter o direito de ter opinião (publicada, pelo menos).
Um abraço para todos.
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