- A insistente tendência para definir o ciclo das obras em razão do ciclo eleitoral, com a inerente execução de trabalhos à pressa ou o pagamento dos sobrecustos de recuperação de atrasos ou da antecipação do termo normal das empreitadas;
- A frequência com que, nos concursos públicos, se identifica "proposta economicamente mais vantajosa", com proposta de mais baixo custo, fruto de uma incapacidade de as comissões de avaliação das propostas perceberem que as mais das vezes o barato sai caro;
- A opção pelas empreitadas por série de preços em detrimento de opção que exige mais rigor na definição e pormenorização do projecto, como deveria ser o caso das empreitadas por preço global; ou mesmo o abandono da modalidade mais transparente de formação de preço das empreitadas, a chamada empreitada á percentagem que exige que á partida se conheça qual o preço-oferta dos factores a incorporar e aquilo que ao preço o proponente adiciona e que constitui a margem de lucro e a remuneração pela administração da obra;
- A incomodidade que provoca a muitos decidores o princípio da publicidade, coevo da transparência e da concorrência, traduzida na preferência pelo ajuste directo ou pela negociação simulada, que torna o dono da obra refém de uma só proposta e de um só prestador e lhe diminui a autoridade para impôr a equação honesta do contrato;
- O aviltamento frequente de preços com o propósito de vencer por qualquer meio concursos públicos;
- Os cambões nos concursos e a falta de escrúpulos de algumas empresas e empresários;
- A falta de preparação de muitos serviços públicos para desempenhar com competência as funções de fiscalização das obras que lançam;
- A promiscuidade entre as fiscalizações - incluindo as externas, contratadas - e as empresas executoras dos trabalhos, ou então a falta de autoridade daquelas perante a maior sageza ou preparação dos corpos técnicos das grandes empresas de construção;
- A ausência de verificação por parte do dono da obra sobre se a declaração que o empreiteiro faz de que detém os meios materiais e humanos para execução dos trabalhos a que se candidata corresponde à realidade do arranque da obra ou a uma perspectiva que nem sempre se confirma;
- A falta de controlo no planeamento inicial das obras, mas sobretudo a aceitação cega das alterações e adaptações permamentes dos planos de trabalho em plena pendência de execução;
- A inexistência de comissões arbitrais permanentes que apreciem e julguem os litígios surgidos no decurso da obra de modo a impedir a paralisação (consentida pela lei) quando ocorrem indefinições ou imprevistos;
- A dificuldade de distinguir o conceito de "trabalhos a mais" de "erros e omissões", dificuldade que é impeditiva de que operem os limites legalmente estipulados para o incremento de custos;
- A incompetência, patente em tantos e tantos casos com os quais tive contacto, na negociação e sobretudo na gestão dos contratos de obras públicas.
Poderia desfiar mais dez ou vinte factores responsáveis pelos decantados desvios nas obras púbicas. Não é possível fazê-lo aqui sem correr o risco de simplificar demasiado ou generalizar injustamente. O que me importa é contrariar o tom com que tenho visto tratada esta matéria. Um tom de escândalo conformista. Lamenta-se, por um lado, que o País seja onerado com biliões de euros de sobrecustos nas obras do Estado e de outras entidades públicas, responsáveis por um intolerável esbulho do contribuinte. Mas ao mesmo tempo encolhem-se os ombros, naquela atitude de quem diz que sempre assim foi e sempre assim será.
Não tem, porém, de ser assim. E para cada uma das razões acima apontadas, e todas as outras que não elenquei, existe um remédio, na maior parte das vezes nada dificil de conceber, ainda que para o ministrar seja necessário alguma prévia e depuradora sangria...
Vem o novo Código resolver o problema? É cedo para adiantar uma resposta. Para já, não alinho com aqueles que vaticinam que a maior complexidade da lei (que é um facto indesmentível) conduzirá a um agravamento da conflitualidade contratual com o inevitável prejuizo financeiro ou para o dono da obra ou para a empresa contratada para a executar.
O tempo dirá se as boas intenções que justificam algumas das soluções alegadamente inovatórias, terão correspondência com a realidade. Seja como for, continuo hoje, com o novo Código à frente, a pensar o que pensava á luz de uma grande lei, o velhinho Decreto-lei nº 48871 de 1969. Isto é, que o rigor que se exige só depende da escolha de gestores da coisa pública rigorosos.
4 comentários:
Ssselente post! (com três S's).
Sabe como é que designo os diversos pontos que acabou de focar? Designo-os por falta de profissionalismo e falta de seriedade.
Até sou capaz de visualizar o espécime que encarna o perfil; homem, estatura mediana, anafadinho com tendência para a transpiração em dias de calor, camisa cor-de-rosa, gravatita de marca mas pirosa a dar com um pau, calcita em tons pastel, cabelo encebado, com um óculos escuros no topo da cabeça para o estilo e com uma licenciatura suspeita saída numa caixa de Corn Flakes. Provavelmente conduz um Audi, um BMW ou um Mercedes. Julga que é bestialmente inteligente, mas na realidade é somente esperto (como os cães).
É a verdadeira visão do Inferno!
:))))
O antrahx é daquelas comentadores que tem o dom de me fazer sorrir com muito gosto! E não o conheço! Senão até me engasgava de tanto rir...
Cá pelo meu burgo não é esse estilo ensebado que comanda as empreitadas, caro antrhax...
É uma mulher do tipo, das cavernas, está a ver!; Depois, acima dela há um betinho muito aproximado ao retrato que o caro antrahx faz, com os mesmos gostos, e com um óptimo currículo; se calhar por isso, passa para baixo esse tipo de assuntos menores!
Há dias assisti a uma intervenção, sobre o novo código, feita por um jurista que veio cá (a facturar, claro...mas nós até temos cá dois!?) ; como não sou jurista nem sou nada, disse à mulher das cavernas:
- óh... dra! Os 2 juristas e o arquitecto deviam estar presentes para depois nos esclarecerem...
-Não é preciso, isto é mais ou menos como a anterior legislação, eu sei tudo - disse ela!
Pois, por cá é assim: a flinstone sabe tudo!
Pois é, e eu só sei de ajustes directos, e o novo código ao aplicar directivas comunitárias, parece-me que dificulta um bocadinho os ajustinhos...
Depois o senhor falou também das facturas electrónicas e aí é que eu fiquei a não perceber se ele estava a falar do código ou a fazer futurologia...
Eu só queria perguntar a alguém:
Esta coisa vai mesmo entrar em vigor "no seu todo" a partir de Junho?
Caro JM Ferreira de Almeida
Concordo na generalidade com as razões apontadas para os desvios dos contratos de empreitadas. Mas creia que o objecto dos contratos – o projecto a executar e a qualidade do mesmo está na base dos problemas da gestão dos contratos e respectivos desvios. Se o objecto do contrato muda tudo é passivel de ser posto em causa, todos os raciocínios expeculativos passam a ser possiveis. 50% dos pontos elencados pelo Ferreira de Almeida estão mesmo directamente ligados à necessidade de alterar o projecto. Mesmo a promiscuidade entre fiscalização e empreteiros só é realmente eficaz quando há, por razões de alteração de projectos, motivo para alterar as condições do contrato inicial.
Relativamente aos projectistas, também concordo consigo, não porque os mesmos não sejam bem preparados tecnicamente, mas porque têm falta de experiência de obra. Estão muito remetidos aos ateliers, são mal pagos e a falta de visão dos Donos de Obra ajuda a esta dinâmica. Como quebrar este ciclo vicioso? Na minha opinião só os Dono de Obra o podem fazer.
É claro que, tal como afirmou no fim, tudo depende do empenho dos gestores públicos. E sobre este último ponto, basta verificar que os Donos de Obras privados conscientes que contratam fiscalizações profissionais levam normalmente as construtoras a desejar não ter aceite as empreitadas em causa.
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