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sábado, 2 de abril de 2005

Uma sociedade iliberal – 3

A relação dessas novas classes médias com o Estado não difere muito da representação generalizada na sociedade portuguesa do “Estado-pai, Estado-ladrão”: pai quando autoriza a despesa, ladrão quando cobra os impostos. Os dirigentes políticos têm uma responsabilidade acrescida no alimentar desta imagem. Ao contrário do que se constata nos parlamentos de democracias menos iliberais, é raro ver um deputado a propor uma redução da despesa numa qualquer dotação do orçamento de Estado. Pelo contrário, nessas alturas multiplicam-se as propostas para aumentar ainda mais a despesa. Nos debates sectoriais o que se destaca não são os montantes da despesa, são as taxas de variação, as rubricas que em dado ano crescem menos do que no ano anterior. Nunca tinha visto um desprezo tão grande pelo “dinheiro dos contribuintes”. A imagem que passa para a opinião pública é a de que se trata de “dinheiro público”, “do Estado”, e tudo se resume a “dar” mais ou menos.

È cada vez mais visível um determinado discurso liberal entre a elite opinante. O problema está em saber qual a sua real eficácia social e cultural. Posicionados na sua maioria no centro do espectro político, uns mais à esquerda, outros mais à direita – também neles me revejo – são abafados entre uma direita conservadora, confessional e autoritária (não confundir com autoridade de Estado) e uma esquerda estatista, com complexos sociais, pseudo-libertária e com aspirações culturalistas.

Uma grande parte do sucesso de Cavaco Silva deve-se a uma conjuntura e a um projecto político que conseguiu “the right balance” entre a liberalização de sectores fundamentais da sociedade portuguesa (economia, comunicação social, etc.) e a satisfação “social-democrata” das novas classes médias urbanas. Se a tudo isto juntarmos o excepcional esforço de dotar o país de infra-estruturas fundamentais, recuperando a imagem tradicional do “fomento” e do “progresso” tão caras aos portugueses, perceberemos que foi uma receita à medida de uma sociedade “iliberal”.

Se hoje dispomos de um regime democrático consolidado, nem por isso concretizamos nas instituições (na justiça, na escola, na família) e nos modos de vida colectiva os princípios de uma sociedade liberal.

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