Com a expressão que faz o título deste post, a Sedes sintetizou esta semana uma longa reflexão em torno da situação política e social do País, à qual a Margarida tão bem já se referiu no post que antecede.
A Sedes é provavelmente a associação cívica mais prestigiada entre nós, reunindo no seu seio um grupo de ilustres cidadãos que são certamente dos que melhor pensam em torno dos problemas da actuais da nossa sociedade e dos sistemas político e de governo que a incorporam.
No período ante-25/IV, a Sedes notabilizou-se pelas tertúlias que organizou e das quais saíram importantes contributos para o diagnóstico da acentuada decadência do sistema de governo que então vigorava.
A Sedes construiu uma reputação de barómetro dos acontecimentos políticos e sociais da sociedade portuguesa, mostrando-se capaz de prever, com grande sagacidade, mudanças sociais.
Sem embargo do que antecede, a análise ontem divulgada suscita-me duas reservas fundamentais:
- A primeira, quanto ao diagnóstico em si mesmo. Diz a Sedes que nos encontramos “à beira de uma crise social”. Pela minha parte, considero que nos encontramos “em plena crise” e não “à beira” de uma crise.
Os próprios sintomas destacados na análise da Sedes – (i) “mal estar difuso que mina a confiança essencial à coesão nacional”, (ii) “degradação da confiança, a espiral descendente em que o regime parece ter mergulhado”, (iii) “degradação da confiança dos cidadãos nos representantes partidários”, (iv) “tentacular expansão da influência partidária”, (v) “presença asfixiante do Estado sobre toda a sociedade”, (vi) “combinação de alguma comunicação social sensacionalista com uma justiça ineficaz”, etc, etc – são, tanto quanto percebo, provas claras da existência, hoje que não amanhã, de uma séria crise social e política.
- A segunda quanto ao estilo apocalíptico da premonição “emergirá, mais cedo ou mais tarde, uma crise social de contornos difíceis de prever”.
Este tipo de premonições é muito típico dos nossos analistas político/sociais, desde os mais vulgares aos mais brilhantes como é manifestamente o caso dos autores do documento da Sedes.
Não partilho esta visão apocalíptica no caso vertente.
Parece-me que o diagnóstico da Sedes está correcto, no essencial, com a primeira ressalva acima feita, mas não vejo que a próxima etapa seja o apocalipse social.
Inclino-me a pensar que a situação continuará (infelizmente) a degradar-se por mais alguns anos, sem por em causa o regime e o sistema de governo, no essencial – democracia política, de base parlamentar – embora admita que possam ocorrer em futuro não muito distante modificações orgânicas para reforço dos poderes presidenciais e também para um papel mais visível de alinhamentos sociais não partidários.
Não assistimos a uma sinal dessa mudança na famosa e recente controvérsia em torno da localização do novo Aeroporto, em que o Presidente e organizações sociais não-partidárias tiveram papel muit(íssim)o mais relevante do que o dos Partidos?
Quanto à tal “crise social de contornos difíceis de prever”, parece-me que, como acima disse, essa crise já existe e os seus contornos não só não são difíceis de prever como foram muito bem analisados e identificados pela Sedes…
18 comentários:
Caro Tavares Moreira, bom dia!
Li a "Tomada de Posição" da Sedes e, que me desculpem os seus sócios e adeptos, com todo o respeito que merecem, a posição parece-me a de um amante de ameijoas a tentar convencer uma a abrir-se usando o instrumento verbal: "Abre-te ameijoa!"
Ora não é assim que se abrem as ameijoas! As ameijoas abrem-se pondo-as na panela, creio eu.
É mais ou menos a tomada de posição da Sedes:"Em geral o Estado, a esfera formal onde se forma a decisão e se gerem os negócios do país, tem de abrir urgentemente canais para escutar a sociedade civil e os cidadãos em geral."
E como é que isso se faz? Quem é que consegue abrir a ameijoa desta forma?
Ocorre-me ainda, a este propósito, aquela tomada de posição do "Mal Amado", salvo erro,:Deixemo-nos de considerandos e vamos aos principalmente!"
O problema da Sedes, o nosso problema, é que não passarmos dos considerandos.
Já agora, permita-me a paciência do meu Amigo, que lhe diga que, ao tentar ontem entrar no portal da Sedes fui dar a um site que se especializa em letras de músicas e de onde retirei o FADO DAS SEDES, da Mariza. E que, sem querer abusar da sua benevolência, transcrevo:
Há muito que tenho sede
Sede que me faz gritar
A esmola da gota dágua
Que ninguém tem pra me dar
.
Há em mim sedes de agosto
Da água que não correu
Das flores que secam nos vales
Sede que a sede me deu
.
Tenho as sedes das searas
E das crianças sem mãe
Tenho sede, tanta sede
Da água que nunca vem
.
Eu tenho a sede das fontes
Que correm para ninguém
Tenho sede de outras sedes
Da sede que a sede tem
Caro Tavares Moreira, tanha dó de mim...
Concordamos na visão apocalíptica, isto é Portugal e só um enorme desfasamento do país onde vivemos pode levar a essa visão apocalíptica. Nada em Portugal é verdadeiramente grave e, só isso, já diz qualquer coisa da credibilidade do relatório.
Quanto aos simptomas:
(i) "Mal estar difuso"??? Isto deve ser o nascimento da Sociologia Quântica...
(ii) "Degradação da confiança nos representantes"??? A abstenção nas eleições legislativas é sensivelmente a mesma que era há 20 anos. Só se pode concluir que a SEDES tem ali uma fezada sobre o sentir dos seus concidadãos ou que, finalmente, descobrimos aqueles que sabem o que todos os outros pensam;
(iv) "Tentacular expansão da influência partidária" é uma expressão curiosa num relatório apresentado por ex-deputados e militantes dos maiores partidos;
(v) "Presença asfixiante do estado", olha a novidade!...
(vi) Espero que a "comunicação social sensacionalista" não deixe de alertar para a crise social de contronos difíceis de prever...
Entretanto, bem podemos ficar com os Louçãs da vida a falar do financiamento partidário ilegal durante a semana porque as "associações ilustres" resolveram andar na senda do "mal-estar difuso"...
Inteiramente de acordo, meu caro Tavares Moreira. O seu post regista exactamente o que sinto.
Caro Rui Fnseca,
Admirável esta sua deriva poética, fez-me ocorrer a ideia de que o próximo report da Sedes, em torno dos nossos problemas sociais, poderia ser formatado em verso - ao jeito dos Lusíadas - teria ainda mais originalidade!
Mas onde quer meu Amigo chegar com essa evocação poética?
Caro Tonibler,
Sugiro-lhe, com o devido respeito, que preste um pouco mais de atenção aos problemas sociais: existe em Portugal, neste momento, uma séria crise social, que as estatísticas manipuladas ajudam a disfarçar mal.
Nos últimos anos emigraram muito mais de 100.000 portugueses, para a Europa e para a África sobretudo, que sem essa escapatória poriam a taxa de desemprego bem acima dos 10%...
Aquilo que no antigo regime constituiu uma epopeia, com tanto sofrimento à mistura, está infelizmente a repetir-se...vamos vêr os anos mais próximos...
Apesar disso, não subscrevo, como disse, a versão apocalíptica da análise da Sedes...
A Europa encontrará solução para os nossos problemas, na pior das hipóteses nem que seja com um Inspector-Geral nomeado por Bruxelas com poder de veto sobre as decisões orçamentais...
caro Ferreira de Almeida,
Congratulo-me pela coincidência dos nossos pontos de vista sobre a matéria.
Caro Tavares Moreira,
Existe uma crise económica, claro. Isso não me parece nada difuso. O que me parece revoltante é que isso saia de um papel assinado pelos actores secundários da tragédia, como quem diz "foram eles". Se isto é a "crítica", a sua previsão de que isto vai continuar por muitos anos e sem pôr em causa o regime está correctíssima.
Também, com todo o respeito, me faz confusão que de europeístas convictos venham questões sobre a emigração porque, a não ser que estivessem a ver o centro da Europa a deslocar-se para a nossa beira-mar, isso seria inevitável e vai continuar a ser, como bem diz. Mas fomos todos nós que escolhemos isso, não foi uma entidade abstracta qualquer à revelia da SEDES, que sempre soube o que era melhor para nós.
Apelando ao recrescimento da qualidade dos partidos políticos, o Documento da Sedes refere:
- "Têm, por um lado, de ser capazes de mobilizar os talentos da sociedade para uma elite de serviço;"
o que me lembrou um texto, e retirei de lá o excerto abaixo.
Tive que ter o trabalho, de o passar do livro, para aqui. Mas foi com muito gosto, Dr. Tavares Moreira.
...............................
Em 2001, num dos prefácios ao "Humanator", o Eng, Belmiro de Azevedo escrevia:
[...] Acredito que todas as pessoas são dotadas de talento. Esse talento é evidente e notório nuns casos, está escondido ou é desconhecido em muitos outros. O importante é acreditar que ele existe, descobri-lo e cultivá-lo. Cabe ao Estado, às escolas, às famílias, às empresas e à sociedade em geral, a missão de descobrir e desenvolver esse capital.
No caso de Portugal, como de outros países pequenos e periféricos, esse desenvolvimento é crucial. Não nos é permitido crescer de uma forma exponencial e sustentada com base no poder financeiro, económico ou político. Estamos, queiramos ou não, demasiado afastados dos centros de decisão e de poder. Somos um país demasiado pequeno em dimensão geográfica, económica e demográfica, para ser atractivo para os grandes investidores externos.
De Portugal, os investidores esperam um mercado estável, com um potencial de crescimento interessante mas limitado.
A principal fonte de vantagem competitiva terá que ser o conhecimento, ou seja, a capacidade para criar e assumir desafios, questionar as ortodoxias dominantes e conceber a mudança.
Infelizmente, o nosso conhecimento sobre a cognição humana, as organizações e as formas alternativas de organização do trabalho, é ainda bastante incipiente, por comparação com outras áreas do saber. Espero que os próximos anos tragam grandes desenvolvimentos neste domínio, porque será aí que se construirá a diferença.
A diferença e o sucesso residirão nos países e nas empresas que, independentemente da sua dimensão física, sejam capazes de descobrir, criar e cultivar talentos.[...]
Também partilho da ideia, que o Dr. TM defende, quanto ao regime presidencial, através do reforço dos poderes presidenciais. Há muito tempo, que considero que seria importante, essa alteração, como factor de reequilíbrio, na acção de governos de maioria democrática.
à cause de....
Mas contém riscos.
Como tudo na vida ...
:-)
"Mas onde quer meu Amigo chegar com essa evocação poética?"
Caro Tavares Moreira,
A evocação poética chegou-me, por acaso, como lhe disse numa pesquisa Google: os homónimos aparecem no mesmo ramo, como sabe.
Eu, que não conheço este fado da Mariza, achei interessante a coincidência: "A Tomada de Posição" da Sedes tem muito de fatalista. E de catastrofista, também. Aliás, o meu Amigo, também tempera este ponto.
Que diz mais "A Tomada de Posição" da Sedes além de clamar que vem aí o fim do mundo? Basicamente, repete o que toda a gente anda por aí a dizer sem nada fazer:
Que as desigualdades sociais são cada vez mais gritantes em Potugal;
Que somos governados por um trupe que não larga o palco nem ouve os espectadores. E que, para evitar o fim do mundo, essa trupe que governa o Estado deve abrir-se à sociedade civil. E que a Sedes está disponível para colaborar.
Ora eu que sou, nitidamente, politicamente ingénuo, acho esta disponibilidade de uma aparente ingenuidade difícil de entender.
Alguma vez os detentores do poder abriram alas e deixaram passar para entre eles os aborígenes, mesmo os mais qualificados?
Nem nos clubes recreativos.
De modo que, onde eu quero chegar, é que não encontro na Tomada de Posição da Sedes senão lamentos e nenhuma proposta.
Que os partidos políticos o façam, não aceito mas compreendo-lhes a estratégia; mas a sociedade civil, onde a Sedes é um marco muito reconhecido, porque é que não toma posições e fica-se, a este respeito, pelo título?
Caro Tonibler,
Europeístas convictos? Onde descobriu essa crença, que não professo?
Quanto à emigração, naturalmente que não tem nenhum problema, é a coisa mais natural do Mundo, para quem não tem de fazer essa opção...
Recorri aos números da emigração apenas para enfatizar a ideia de que sem ela a chamada "crise social" seria bem mais acentuada...assim ainda conseguimos "exportar" parte dessa crise...
Cara Pèzinhos,
Excelente o excerto da profecia belmiriana que traz à nossa consideração.
Quanto aos poderes presidenciais, repare que eu não considero que isso seja panaceia para os problemas diagnosticados pelos analistas da Sedes...o que me parece, numa apreciação (muito a frio, confesso-lhe) da dinâmica político-social dos nossos tempos, é que esse é um desenvolvimento muito provável nos anos mais próximos...
Sabe que a nossa classe política tem muitos defeitos e insuficiências, mas há uma qualidade que não devemos negar-lhe: instinto de sobrevivência!
Caro Rui Fonseca,
Bastante interssante e inspirada a sua exegese sobre o tema em debate!
Caro Tavares Moreira,
As minhas desculpas por lhe atribuir a crença. E não disse que a emigração não tinha problema, disse que para quem é europeísta não deve admirar-se porque seria inevitável.
O meu caro consegue tirar um facto para a sua opinião. Posso concordar ou não sobre as causas, mas é um facto. Vai ter que ensinar isso à SEDES.
"Sabe que a nossa classe política tem muitos defeitos e insuficiências, mas há uma qualidade que não devemos negar-lhe: instinto de sobrevivência!"
Fantástica ironia, Dr. TM !!!!
aplaudo.
:-)))
Caro Dr. Tavares Moreira
Folgo em comentar este tema pela sua relevância. Parece-me de facto ser de reflectir com concentração sobre o que é dito. Pela sua notoriedade e estatuto, a SEDES tem um papel cívico importante na sociedade, pela qualidade das opiniões a que nos habituou e pela honorabilidade de alguns dos seus pensadores. No entanto há algumas ressalvas a evidenciar. Se é certo que há um clima de crispação i.e. de degradação da confiança dos portugueses e um aparente mal estar difuso que afecta essa confiança, factos que se vivem como novos na sociedade portuguesa, já as restantes conclusões não me parecem mais do que a confirmação do que já há muito é um quadro real do país. Da minha parte gostaria de ouvir da SEDES, para além das conclusões sobre o "estado das coisas", algo como sugestões e propostas para alterar o estado dessas "coisas".
Mas gostaria igualmente de afirmar que há, felizmente, outras organizações civicas e grupos de cidadãos, mais anónimos,que também apresentam propostas e recomendações sobre determinados problemas que a todos afectam.
Parabéns ao debate.
Isso mesmo, Mário de Jesus.
Sendo um documento que merece credibilidade, não deixa de ser um bocadinho "mais do mesmo".
Ou será que a situação que vivemos é, há muito tempo, a mesma ?
Também sinto alguma ausência de propostas de saída deste "mau estar". É um diagnóstico, apenas.
Caro Tonibler,
Não tem nada que me pedir desculpa, era o que faltava!
Acontece apenas que, em função das opiniões que para aqui temos estado a debitar há longos meses, sou capaz de concluir que o meu Amigo é bem mais europeísta do que eu - com a ressalva, tenho de reconhecer, do seu intenso desamor pelo BCE!
Quanto ao resto, lembre-se das reportagens frequentes sobre as condições degradantes em que trabalham portugueses, emigrantes de fresca data, no Reino Unido, na Holanda, em Espanha...rapidamente abafadas pelo marketing oficial como no tempo da "outra senhora"...
Caro Mário de Jesus,
Registo seu contributo, em linha com as reflexões que temos estado a emitir sobre tão "escaldante" matéria.
Cara Pèzinhos,
Não concorda comigo? Não acha que a nossa classe política tem um apurado instinto de sobrevivência?
Claro que concordo, Dr. TM.
Basta observar o número de anos, que certas figuras têm, de ocupação das cadeiras do poder.
Autênticos potenciais concorrentes de Salazar, que foi quem mais tempo ocupou o Poder em Portugal.
Novos Talentos, precisam-se.
:-)))
Penso que concordo com a generalidade dos casos. O povo português reclama muito, mas toma muito pouca iniciativa. O 25 de Abril é exemplo disso mesmo e um dos grandes problemas é essa passividade. Os portugueses não se preocupam muito em fazer valer a sua opinião. Comentam muito mas agem pouco e nesse aspecto não vejo grandes mudanças!
Quanto a crise social grave apoio para 2013/2014, ou seja, depois de acabarem os fundos do QREN e de se analisar as necessidades e as capacidades de resposta reais, ai sim haverá uma grande crise, provocada por um enorme choque com a realidade.
Abraço
Penso que concordo com a generalidade dos casos. O povo português reclama muito, mas toma muito pouca iniciativa. O 25 de Abril é exemplo disso mesmo e um dos grandes problemas é essa passividade. Os portugueses não se preocupam muito em fazer valer a sua opinião. Comentam muito mas agem pouco e nesse aspecto não vejo grandes mudanças!
Quanto a crise social grave apoio para 2013/2014, ou seja, depois de acabarem os fundos do QREN e de se analisar as necessidades e as capacidades de resposta reais, ai sim haverá uma grande crise, provocada por um enorme choque com a realidade.
Abraço
Ainda bem, cara Pèzinhos, ainda bem...a sua concordância deixa-me bem mais confortado...mesmo sem ser político e sem partilhar o instinto de sobrevivência de Suas Excelências!
Caro André, excelente observação essa do pós-QREN...a Sedes, absorta no seu nefelibatismo, nem se deu conta desse marco histórico futuro que pode marcar a tal era apocalíptpca cuja aurora os Ilustres Pensadores nos vieram anunciar, embora ainda envolta em denso nevoeiro...
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