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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Não seguram a língua


Ciclicamente, Procurador Geral da República, magistrados com poderes de coordenação de investigações complexas, o bastonário da Ordem dos Advogados, ex-bastonários, sindicalistas do ministério público e da magistratura judicial, associações de magistrados, advogados e funcionários judiciais, o director nacional da PJ e outros polícias, tudo fala, desbragadamente, sobre assuntos da Justiça.
Excepção - esta justiça não lhe pode faltar -, ao ministro da dita, que fala pouco e quando fala, naquele discurso circular que lhe é próprio, poucos são os que o entendem...
Poderia ser que o tema de tanta verborreia fosse o sistema. O decantado sistema de justiça. De como aumentar a sua produtividade. Como fazer com que o Direito aplicado não seja um instrumento de ódios e vinganças, mas um meio de obter a paz social. Como fazer para que a justiça deixe de ser porventura um dos mais graves entraves ao desenvolvimento do País...
Mas não.
Os temas preferidos do novel estrelato das TV e dos jornais são quase sempre processos em curso, muito em especial em fase de investigação.
Este sim, é sintoma de uma profunda doença. Esta incontinência verbal demonstra afinal que o problema da justiça não são as leis, não é a falta de meios nem de estruturas. São mesmo as pessoas, como há muito venho pensando.
A Justiça para que o seja, precisa de pessoas com conhecimento, com experiência de vida e de mundo. Sábias, portanto. Dedicadas, sensatas, e prudentes. E a cada passo nos damos conta de que não abundam as pessoas com essas qualidades.
Enquanto assim for, o absurdo na Justiça e a Justiça-absurdo continuarão a ser consideradas normais, pasto do espectáculo em que a transfomaram para promoção de uns quantos e gáudio das empresas de media e de venda de publicidade.

7 comentários:

Tonibler disse...

Posso discordar?? Cá vai.

Nada em Portugal é tão "defesa de interesses instalados" como é a justiça portuguesa. Caro JMFA, falar da justiça pelos próprios agentes é um fenómeno recente. A regra até hoje tem sido a contenção, a meia-palavra, o enrolar a língua, a conversa mole de advogado (sem ofensa ou desprimor)...
E tudo o que temos até hoje é lixo. Tudo produzido por pessoas sábias, dedicadas, sentatas e prudentes. Infelizmente, completamente desprovidas de raciocínio lógico ou, por outras palavras menos sensatas ou prudentes, burros que nem portas. Tudo o que estas pessoas de língua fácil conseguirem destruir pelo caminho é positivo. Não é por estarem a falar que temos a justiça que temos. Para isso faltava justificar os 100 anos anteriores e porque chegámos a hoje com a porcaria que temos.

Com isto até se passava para o post da Margarida abaixo, mas não vou estragar a discussão...:)

Rui Fonseca disse...

É já um lugar mais que comum dizer-se que a Justiça é o pilar mestre de qualquer sistema democrático e o suporte mais crítico do desenvolvimento económico e social de qualquer país.

Em Portugal temos vindo a atribuir grande parte dos nossos desacertos colectivos à flagrante incapacidade da Justiça se realizar em tempo útil.

Que fazer?

V. diz "A Justiça para que o seja, precisa de pessoas com conhecimento, com experiência de vida e de mundo. Sábias, portanto. Dedicadas, sentatas, e prudentes. E a cada passo nos damos conta de que não abundam as pessoas com essas qualidades".

Se concordarmos com os seus pressupostos, e é difícil não concordar, somos derrubados pelas suas conclusões.

Com efeito, se precisamos de uma coisa mas ela não existe, ou promovemos a sua existência ou desistimos da coisa. Como não podemos, por razões de sobrevivência enquanto sociedade, prescindir da coisa, não temos alternativa senão produzir ou importar a coisa.

Se a importação não é viável, temos mesmo de criar condições para alterar as coisas.

Como?

Esse é o tema em que me parece ser importante operar. O diagnóstico está feito. E não me parece que haja muitas vozes discordantes. Como é habitual, concordamos bastante nos diagnósticos,temos grandes dificuldades em concordar
nas terapêuticas.

Deveria o PM mudar de Ministro da Justiça? Penso que sim. Mas tal mudança, só por si, não garantiria que algo de substancial se mudasse no ramo de críticas pertinentes que faz. Os diferentes agentes da Justiça andam demasiado excitados para, por brandir o Ministro uma varinha mágica, se tornarem sábios, dedicados e sensatos.

Que fazer?

Anónimo disse...

Meu caro Tonibler:
Se eu pudesse, por um dia - mas um dia só que eu acredito na necessidade de um Estado intacto! - fá-lo-ía Ministro da Justiça...

Meu caro Rui Fonseca:
Pela minha parte, tenho dado o meu contributo, individual, para o que penso poder vir a ser uma melhor justiça.
O que pretendi dizer é que a solução está nos agentes da justiça, não está no modelo, e se quer que lhe seja inteiramente franco, nem está no ministro, neste ou qualquer outro.
Se quem tem responsabilidades aos mais variados níveis, em vez de denunciar o que os outros não fazem ou fazem mal, em vez de bradar que nada acontece, cumprisse antes o seu papel, procurasse conhecer os casos, aprofundasse os seus conhecimentos, exercesse a autoridade se a tem, arrumasse a secretária antes de regressar a casa, ligasse menos aos jornais e mais aos processos, então, meu caro, teríamos um sistema melhor.
Não é necessário uma qualquer varinha. Tenho a impressão que o que falta é um varão que com autoridade meta na ordem esta absoluta desordem. Porém, das mais altas instâncias até às estruturas associativas o que se ouvem são os recorrentes gemidos, ampliados por altura da abertura do ano judicial, e o que se vê é o frémito pela promoção mediática de alguns, a benefício de quem se sente promovido e de quem promove.
Como lhe digo, meu caro Fonseca, a justiça tornou-se um produto. Que só vende quando é espectáculo. O conceito do "justo", as vidas que se enrolam pelos Tribunais, a fazenda e a liberdade em causa durante anos a fio, a ignomínia de nomes e carreiras desfeitas sem que alguém se preocupe por apurar culpas ou inocências, isso tudo passou a ser secundário.
Os Tribunais, meu caro, tornaram-se meros cenários desse espectáculo.

Rui Fonseca disse...

"Se quem tem responsabilidades aos mais variados níveis, em vez de ..., procurasse conhecer os casos, aprofundasse os seus conhecimentos, exercesse a autoridade se a tem, arrumasse a secretária... teríamos um sistema melhor".

Concordo.

Mas não responde à questão que me parece crítica: Como é que isso se consegue?

As pessoas reagem a estímulos. A oportunidade de aparecer nas televisões e nas rádios tornou-se um enorme estímulo para gente das praças das alegrias, das quadraturas de círculos, dos prós e contras. Dá-lhes ribalta e muitas vezes proveitos.É um dado com que não pode deixar de entrar nas contas se quisermos pensar um modelo que contrarie a Justiça espectáculo e a coloque em carris
sólidos, que ofereçam segurança ao andamento deste comboio em que embarcámos.

Não tendo vivência dos meandros da Justiça, atrevo-me, como cidadão da rua, a pensar que o problema só se resolve com fixação de objectivos e compensações ou penalizações consoante as realizações ou incumprimentos.

Nunca recorri aos Tribunais, e já não sou novo, mas apoquenta-me a ideia de não poder ter resposta em tempo útil se, por azar, tivesse de recorrer. E essa é a ideia generalizada na sociedade do portuguesa, suponho.

Se não há objectivos nem padrões de avaliação, se não há reconhecimento material do mérito, as televisões ganharão sempre às boas intenções.

MC disse...

JM Ferreira de Almeida
A sua resposta a Rui Fonseca é muito interessante, e apela ao facto de as soluções passarem mais pelo exercício dos deveres de Cidadania do que pela permanente estigmatização dos procedimentos alheios. Efectivamente verificamos que o exercício do direito à opinião tem ficado confinado à crítica, dirigida ou nem tanto. Aliás, é muito mais fácil acusar e verberar grupos sociais ou profissionais. E após o massacre tudo fica resolvido, a calma regressa, e outro dia começa. Temos agora algumas classes atacando outras, hipotecando a possibilidade de um trabalho em comum, “sinérgico” se o termo for aceitável. Falta de um Desígnio comum? Provavelmente. Por incrível que pareça seria mais fácil encontrá-lo se estivéssemos numa crise muito grave e generalizada.
Verifico também, com apreensão, que se tem acentuado a tendência para a exploração mediática, exercitada pelos profissionais do sector da CS, de qualquer expressão por parte de qualquer “responsável”. Às vezes de forma tão intelectualmente desonesta que leva a cogitar acerca das razões que levam a que cidadãos aceitem cargos políticos. E partindo do princípio comummente aceite de que em qualquer grupo os “malandros” são uma escassíssima minoria, pelo menos consola saber que muitos se expõem pelas boas razões.
Cumprimentos

Suzana Toscano disse...

Além de que a Justiça está na moda, na moda mediática, quero dizer, presta-se muito, os casos bombásticos, os dramas, as violações, os raptos, daí que a tentação de falar seja muito grande, sobretudo porque as notícias aguentam pouco tempo na ribalta, a menos que sejam alimentadas por declarações, suspeitas, avanços e recuos nas investigações... Enfim, nada disto dignifica a justiça, nada disto contribui para promover essa serenidade, essa sabedoria de que muito bem fala o Ferreira d'Almeida. E, diga-se, não ´esó na Justiça, muitos outros sectores são varridos pela mesma febre, apagando os esforços de muitos e evidenciando o que não presta, o que gera insegurança, levando a crer que não há remédio, somos mesmo assim, como parece ser a tese de Tonibler.Mas é muito mais fácil uma pessoa ir a público "denunciar" isto e aquilo do que fazer o seu melhor, a cada momento, essa é a melhor maneira de ninguém dar por ela...

Tonibler disse...

Cara Suzana,

Claro que há remédio. Como houve há 30 anos. E há 20 anos. E há 10 anos. E há 5 anos. Agora, podemos continuar a dizer que há remédio enquanto a constituição é espezinhada por quem a deve defender, enquanto as pessoas passam 4 anos na prisão sem culpa formada, enquanto não há um único negócio que conte com um sistema de justiça a funcionar.

Caro JMFA,

Não há problema nenhum se o sistema de justiça fôr todo parar às urtigas uma vez que já hoje funciona em circuito fechado e ninguém conta com ele. Se destruir tudo para construir, vai perder o quê? Os processos vão atrasar um ano?? :)