Já nada me espanta, mas a reacção não poderia ser de indifrença. Começo a folhear um dos jornais que comprei hoje de manhã e deparo-me com um encarte, de dimensões bastante apreciáveis, em papel de boa qualidade, acetinado, impresso a cores, com fotografias de espaços escolares animadas com a presença de crianças de diversas idades. Tudo bem embrulhado, em clima de festa.
Num primeiro momento pensei que seria uma qualquer campanha de marketing. Enganei-me, mas, ao mesmo tempo, não me enganei. Era (e é) uma campanha, com a particularidade de ser mais uma das muitas campanhas de marketing político da Câmara Municipal de Lisboa. O título é: "BOA EDUCAÇÃO Lisboa aposta no futuro."
O encarte que foi pago com dinheiros da Câmara e, provavelmente, com dinheiros da empresa pública Parque Escolar, melhor dizendo com o dinheiro dos munícipes e dos contribuintes, debita as estatísticas do investimento feito pelo Estado e pelo Município na cidade de Lisboa. Reservaram a iniciativa para o dia em que precisamente se comemora o Centenário da República. No interior do encarte pode ler-se:
“No ano em que se comemora o Centenário da República, Lisboa tem mais 27 escolas novas ou completamente renovadas.
Nos últimos 3 anos, o Estado e o Município, na Cidade de Lisboa, investiram na Educação 151,8 milhões de euros.
Foram construídas ou completamente reconstruídas 10 escolas secundárias, 9 escolas básicas e 8 jardins-de-infância.
Até 2013, o parque escolar da cidade vai ficar totalmente renovado, e a rede de autocarros “Alfacinhas” vai chegar a todas as escolas.
É bom viver num País e numa cidade, como Lisboa, que aposta no futuro.”
Nos últimos 3 anos, o Estado e o Município, na Cidade de Lisboa, investiram na Educação 151,8 milhões de euros.
Foram construídas ou completamente reconstruídas 10 escolas secundárias, 9 escolas básicas e 8 jardins-de-infância.
Até 2013, o parque escolar da cidade vai ficar totalmente renovado, e a rede de autocarros “Alfacinhas” vai chegar a todas as escolas.
É bom viver num País e numa cidade, como Lisboa, que aposta no futuro.”
Depois de me inteirar deste sucesso, rapidamente me lembrei da Julieta, a empregada que trabalha, umas quantas horas por semana, em minha casa.
A realidade da Julieta é outra. Talvez que os filhos frequentem esses espaços escolares renovados, mas a verdade é que o plano de austeridade recentemente anunciado não os vai poupar a renovadas dificuldades.
A Julieta é uma mulher que tem a seu cargo, juntamente com a pessoa com quem faz vida em comum, dois filhos pequenos, um rapaz de 12 anos que anda na escola pública e uma menina de cinco anos que está num jardim-de-infância de uma IPSS, e um sobrinho de 20 anos que está desempregado. A Julieta depois de ter ouvido as notícias do plano de austeridade fez contas à vida e concluiu que o apoio que até agora o Estado lhe concedia no sustento e na educação dos filhos lhe será retirado. É que em casa da Julieta o rendimento bruto anual não deve chegar aos 15.000 euros. Sou testemunha que a Julieta aproveita o abono de família, de pouco mais do que 50 euros mensais que recebe pelos dois filhos, para pagar despesas fixas inevitáveis, como por exemplo o custo com os passes sociais e a parte que lhe é solicitada no custo das refeições escolares. A Julieta sabe que os filhos têm que estudar para poderem ter um futuro diferente do seu, mas não compreende o que se está a passar…
10 comentários:
O sucedido com os abonos de família, comprova bem:
A falência do sistema, que passa até pelo que significa no campo demográfico - das crianças e futuro do país.
Difícil de entender, a não ser como resultado de uma pulsão suicidaria.
Bmonteiro
Vai ver, cara Drª Margarida, que aos poucos, o Primeiro Ministro de Portugal, vai atendendo os desejos de Pedro Passos Coelho, e vai acabando com o Estado Social...
A "sua" Julieta que se cuide, ou então, que aproveite o final do ano, e reivindique uma actualização salarial que lhe compense o subsídio perdido.
O estado da Política em Portugal está pelas ruas da amargura... e o país segue-lhe cegamente os passos porque não tem opção. Estou cansado de ser bombardeado com a permanente campanha eleitoral, estou cansado desta política a brincar que não visa consensos nem soluções para o país, mas aparentes interesses privados de certos grupos.
Neste dia estou triste porque a comemoração do centenário da Republica não é suficiente para pagar os remédios dos velhotes, o infantário e os estudos dos filhos daquela vizinha do lado e porque custa muito mais fazer chegar o pão todos os dias à mesa... “Os nossos vícios não são caros, já há muito que deixámos de sair para não gastar...”
Até podia fazer de conta que estou contente e deixar-me levar pelo feriado, as festas e a alegria de uns quanto, esquecendo apenas por mais uns momentos que nós portugueses estamos a ficar cada vez mais pobres. Afinal, amanhã a Republica não volta a acordar coroada de louros?
Caro Bartolomeu,
"vai atendendo os desejos de Pedro Passos Coelho, e vai acabando com o Estado Social..."
Não são desejos, é pragmatismo. Tem dúvidas que o estado social vai acabar, pelo menos na forma como o conhecemos? Eu não tenho dúvidas nenhumas e acrescento que será bem mais rápido do que podíamos supor com o endividamento astronómico do país, com os disparates ideológicos, com a demagogia populista, e com a estagnação económica a que estamos votados desde 2001. É só fazer meia dúzia de contas e verificará a impossibilidade técnica deste estado social...
Quando o estado social acabar, caro Fartinho da Silva, note que não escrevi "se" mas, "quando", teremos nova revolução. Mas desta vez, não iremos ter uma revolução como a que ocorreu em Abril de 74. Desta vez, teremos uma revolução pela fome, o que torna os homens irracionais, mais próximos nos seus instintos de sobrevivência, aos animais... selvagens.
As contas que é urgente fazer, caro Fartinho, não podem ser aos dinheiros gastos com os direitos sociais, mas sim aos gastos estúpidos e incoerentes, anti-sociais, com submarinos, carros blindados, reformas milionárias, fundações e outros "penachos" que não servem mínimamente os interesses sociais, tão pouco os nacionais!
Um exemplo da vida real, bem expressivo, que contrasta com as contas e despesas que ouvimos na casa dos milhares de milhões, mas este zoom mostra a falta que fazem 50 euros...
Caro Bartolomeu e Caro Fartinho da Silva
O Estado Social tem vindo a ser alterado aos poucos e poucos. Há como que uma espécie de "revolução" silenciosa que se vai fazendo, mas em que o discurso político é o de que o Estado Social é intocável e que a "direita" o quer destruir.
Não há Estado Social sem financiamento. A questão é, antes de tudo o mais, técnica, mas há quem a queira transformar num combate ideológico.
Olhemos para os sistemas de pensões. A "reforma" da Segurança Social, que não gosto de chamar de reforma, trouxe a redução generalizada de pensões em nome da sustentabilidade financeira. Será que as pessoas têm a noção do que foi feito e do que ainda as espera?
Questão distinta é a de saber em que sentido devem ir as alterações que são necessárias introduzir. Que Estado Social queremos ter e como? Está evidente que o Estado Social não pode continuar a assegurar tudo a todos e o que pode assegurar terá que ser repensado.
Não posso estar mais de acordo com o que escreve, terminando o seu comentário, cara Drª. Margarida.
Tudo tem de ser repensado, reestruturado, tendo presente os interesses da sociedade e a redistribuição equitativa e séria do cúmulo das contribuições de cada cidadão para um fundo, que tem de ser imperativamente social.
De outro modo, o que legitima o estado para retirar uma percentagem do vencimento de cada funcionário, que em teoria lhe garante um apoio na saúde, na educação e na reforma?
Aquilo que o estado não pode garantir, não deve garantir e considero que rouba o contribuinte ao fazê-lo; é garantir pensões, assistência e subsídios a pessoas de outros países, que nunca efectuaram descontos para que o nosso estado lhe garanta tais benefícios. Aquilo que o estado não pode; é manter no país pessoas estrangeiras que reincidem na prática de crimes, são intimadas a saír do país e não obdecem à ordem.
O que o estado não pode,; é manter em prisão centenas de cidadãos de outros países, devido à prática de crimes e com quem são gastas verbas que poderiam reverter em favor daqueles que trabalharam uma vida e se acham na situação precária, diria até miserável de não possuir o suficiente para se alimentarem decentemente. O que o nosso estado não pode; é manter pessoas a receber subsídios e a rejeitar sistemáticamente ofertas de emprego. O estado tem de ser social, cara Drª. Margarida, mas acima de tudo, justo!
Caro Bartolomeu
Tendo em conta as restrições financeiras, é o sentido de justiça que deverá determinar que Estado Social queremos ter. A nossa principal preocupação deve estar na justa redistribuição dos recursos. Mas esta preocupação deve ter uma linha de rumo que proporcione um quadro estável e coerente e, por isso, não pode nem deve andar ao sabor de conveniências políticas.
Precisamente, cara Drª. Margarida!
Tão pouco deverão as decisões políticas nacionais, andar ao sabor das inposições externas da União Europeia, mas sim, de acordo e atendendo específicamente, às reais (verdadeiras) necessidades do país, da sua economia e da sua sociedade.
Deverão ser estas, as prioridades do nosso governo e das políticas na oposição, tendo a consciência e a clarividência para perceber que a esquerda, a direita e o centro, não fazem o menor sentido, nos tempo e na sociedade actual. Ha ideais de muitíssimo superior interesse a defender, para que este país não perca o resto de dignidade que ainda possui.
Enviar um comentário