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domingo, 3 de outubro de 2010

Quando as vistas são curtas...

Nada como um acto administrativo para limpar a acumulação de trabalho que deveria ter sido feito ao longo de dezenas de anos. A notícia não é propriamente uma novidade, mas o que, pelo menos para mim, é novo é a aprovação de mais um daqueles decretos-lei que visam sanear um buraco administrativo, como se a burocracia, a falta de recursos ou a incompetência fossem resolvidas em Diário da República.
Há, segundo a notícia, mil pedidos de classificação de património à beira de prescrever, que estão há dezenas de anos (alguns datam, segundo apurei, de 1985) numa fila de espera no Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico a aguardar serem atendidos. É que um decreto-lei publicado o ano passado decidiu acabar com esta fila de espera, fixando a data de Outubro de 2011 como data limite para que os processos estejam concluídos. Não estando, os pedidos caducam. Ora, se por falta de “recursos”, segundo li, o Instituto não foi capaz de tratar de centenas de classificações ao longo de dezenas de anos, como é possível que o faça no prazo de um ano? Mas isto faz algum sentido?
Se é incompreensível que o património tenha este tratamento que se vê, incompreensível também é que, apesar desta inoperância, se retire a protecção de bens culturais de interesse nacional que estão em vias de classificação.
Para esta situação não é alheia a falta de uma vontade política firme de valorizar o nosso património, protegendo-o enquanto repositório de história e cultura, mas também defendendo-o dos interesses imobiliários que gravitam nas zonas nas quais estão inseridos.
Preservar património custa dinheiro, é verdade, mas quando a visão é apenas de tesouraria e não se tem uma visão de desenvolvimento no qual este património pode ter um papel positivo, contribuindo para a fixação de populações e para as actividade económicas locais, como por exemplo as actividades de reabilitação e conservação e do turismo, o resultado é reduzir a decisão a fazer ou não despesa. É uma visão errada. Se queremos gerar riqueza temos que investir em bens e serviços capazes de gerar retornos económicos e sociais duradouros e que beneficiem, também, a vida das populações locais.
A ideia de que ao Estado tudo cabe fazer porque tudo quer controlar é, também, muito negativa. Nesta área da preservação do património, como em muitas outras, uma adequada política de mecenato poderia ter um contributo significativo, assim como a associação das autarquias e de forças vivas das comunidades locais.
A mentalidade instalada anda muito mais orientada para o "betão" do que para estas coisas "menores" da cultura...

4 comentários:

Suzana Toscano disse...

Margarida, receio que o objectivo seja a lei e não o resultado...aliás, como diz a notícia, o prazo pode ser prorrogado!

Anónimo disse...

Exactamente, Suzana.
Mas estou de pleno de acordo com as afirmações da Margarida quanto ao desprezo a que é votado muito do nosso património.
A situação actual até pode levar à retração nas classificações que criam para o Estado deveres de conservação e valorização. Mas não creio que o problema seja conjuntural. E a prova está nos tempos em que as dificuldades não eram tantas e mesmmo assim o abandono era a regra.
País que não tem memória ou não a guarda...

Ferreira, M.S. disse...

Perdoem-me se com a minha tentativa de humor disser alguma asneira que não deva, mas não resisti (agora segue-se a opinião de um comentador de bancada).

Ora, cá para mim, se calhar deve ter havido um senhor doutor engenheiro que, motivado pela preguiça causada pela nova cadeira que é mais cómoda que a anterior, arranjou caminho para fazer aprovar esse tal documento legal que de uma assentada lança para o lixo, ahm, lança para o arquivo um monte de papelada incómoda que já há duas décadas e meia por ali anda a apanhar pó. Ora do meu ponto de vista isto tem de ser visto como a eficiência na máxima força pois resolve o seguinte: primeiro vem arranjar espaço para os novos processos e depois, causa boa impressão porque finalmente o instituto do senhor doutor engenheiro está a trabalhar de forma eficaz (fruto da gestão do senhor doutor engenheiro, claro está.
Ora e não é já isto caso bastante para dar um merecido pedaço de latão pendurado num cordel ao homem? E com direito a palmadinhas nas costas!

Boa noite

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
Ainda que com um bónus de prorrogação de um ano, convenhamos que se o objectivo era limpar as secretárias então vai ser mesmo cumprido.

José Mário
Uma sociedade que não valoriza o seu património, que não tem incutida essa preocupação, só pode mesmo gerar um Estado que pensa e faz o mesmo.
"País que não tem memória ou não a guarda" tem dificuldades em encontrar o futuro...

Caro Ferreira, M.S.
Seja muito bem-vindo, com o seu sentido de humor.
Infelizmente, vai-nos faltando esse humor, tal é a gravidade das situações. Mas é bom que não o percamos.