Na minha qualidade de presidente da Assembleia Municipal de Santa Comba Dão estive presente na cerimónia de hastear da bandeira na praça do município. Levantei-me cedo e fui até à esplanada onde tomei o meu café e li o jornal, saboreando a frescura de uma manhã outonal com um sol meio constipado a fazer das suas, ia e vinha com certo nervosismo, indiferente à movimentação que se começou a fazer sentir ao aproximar-se a hora da cerimónia. Quando comecei a ouvir a filarmónica a aproximar-se pela estreita rua, enchendo o espaço da praça de uma musicalidade inconfundível a festa do povo, dirigi-me até à porta do município deixando na mesa os meus pertences, certo de que ninguém os levaria. Cumprimentei os vereadores e pessoas amigas. Enquanto esperava pelo presidente da Câmara, examinei os elementos da filarmónica, garbosamente fardados e alinhados, ansiosos por tocar o Hino Nacional, e muito povo que vinha assistir e participar no ato solene. Um funcionário tinha acabado de prender a bandeira nacional quando o presidente da câmara me cumprimentou dizendo que seria eu a hasteá-la. – Eu?! Disse muito admirado. – Sim, claro, tem de ser o professor. – Com certeza. Não esperava por este gesto. É uma grande honra. Acompanhou-me até junto do mastro onde peguei com a mão esquerda a bandeira e com a direita o fio. Ainda faltava uns minutos para as dez e meia, quando combinámos que à “meia hora” da torre a filarmónica iniciaria a sua prestação; ao mesmo tempo eu hastearia a verde-rubra lentamente para que aos últimos acordes da Portuguesa atingisse o cimo do mastro. Estava nervoso, porque queria conciliar os dois atos, além de sentir o peso da responsabilidade da cerimónia. Uma responsabilidade que me fez recuar meio século, quando comecei a aprender os símbolos da república e os seus significados. Vi-me de calções a entoar com os meus colegas o hino nacional na sala da escola, de pé, com respeito. O professor obrigava-nos a decorar e a cantar as vezes que entendia. Todas as semanas tínhamos que repetir a cerimónia, às quartas-feiras da parte da tarde. Os nossos cérebros eram impregnados para que respeitássemos todos os símbolos e cerimoniais. Rapidamente compreendemos que não havia lugar para quaisquer brincadeiras próprias de crianças irreverentes. E como não bastasse esta educação, familiares republicanos reforçavam, em casa e com muita emoção, princípios e valores que nunca mais esqueci. Na altura fantasiava que estava hastear a bandeira ao som do hino nacional. Uns desejo infantil que considerava ser uma grande honra, tamanhas eram as histórias que ouvia contar sobre a pátria e a identidade nacional. E eis que, sem contar, um sonho de meio século acaba de materializar-se, precisamente no centenário da República Portuguesa e na minha terra natal.
Sempre senti orgulho de ser português, e hoje, mais do que nunca, agradeço a todos os que contribuíram para a minha formação como cidadão, esperando que os valores e símbolos da República se perpetuem entre os mais jovens.
Viva a República!
Sempre senti orgulho de ser português, e hoje, mais do que nunca, agradeço a todos os que contribuíram para a minha formação como cidadão, esperando que os valores e símbolos da República se perpetuem entre os mais jovens.
Viva a República!
12 comentários:
Sensibilizou-me essa afirmação, caro Prof, a de ter orgulho de ser português. Há muito que não leio ou oiço uma afirmação patriótica como essa da parte de um cidadão português. A nossa casa, mesmo que modesta, é sempre a nossa casa, desde que nela reine a harmonia, a paz e o amor. Portugal ainda consegue fazer sentir estes sentimentos... apesar de tudo.
Vivam os sonhos de se conseguir fazer mais e melhor pela nossa Pátria. Gostei deste post e hoje mesmo reparei que as pessoas, pelo menos em Lisboa, têm uma espécie de timidez em cantar o hino nacional. Mesmo em multidão e ambiente de festa, canta a banda mas as pessoas inibem-se de acompanhar,resultando um múrmurio chocho, mais respeitoso que entusiástico, é pena porque, como diz a Catarina, também acredito que o sentimento está lá...apesar de tudo.
Estou aqui com um problema: como interpretar o sorriso do caro JM Ferreira de Almeida!
Eu também, Catarina!...
Mas acho que não vamos descobrir, pelo jeito, parece-me um pouco enigmático!
:))))
Hmmm... vamos aguardar!
Eu também envio um, ou melhor dois sorrisos!
:D ;)
Eu acho que as fronteiras e as bandeiras dividem e antagonizam o Ser Humano, (prefiro uma Nação Universal chamada Terra), mas apesar disso também eu me "arrepio" e sinto um nó na garganta quando ouço o nosso Hino! Mas atenção, pois talvez muito em breve haverá necessidade de alterar uma parte da letra:
..."Desfralda a invicta bandeira
À luz viva do teu céu!
Brade a Europa à terra inteira:
Portugal não pereceu..."
Até quando esta afirmação corresponderá à verdade?!
Não tem nada de enigmático, meus caros. Sinaliza somente o bem que me faz sentir ler estes testemunhos do nosso Professor Massano Cardoso.
Foi exactamente essa interpretação que fiz! : )))
Temos algo em comum!
Quase comovente, porque tem um toque sincero; eu, que até servi nas FA sob a mesma bandeira - sendo monárquico, - também respeito o símbolo oficial (mas não aquela pequena meio despida, com pouca tipologia portuguesa e que parece ser um ídolo positivista... pois eu não adoro ídolos). Mas, sejamos objectivos, estivemos a celebrar o quê? Uma regressão nas liberdades? A perseguição religiosa? A diminuição do colégio eleitoral? O assassinato político? A 'República para os republicanos', e de preferência da facção do Dr Afonso Costa? As cores de uma sociedade secreta (Nem G Junqueiro queria estas cores)? O empastelamento das tipografias adversas?
Não nos deixemos embalar pela ficção, nem esqueçamos o substrato das celebrações: transcrevo do outro blog ( 4ª República): «A República faz hoje cem anos. Quem não leu, devia ler 'O Poder e o Povo: A Revolução de 1910' (1976), de Vasco Pulido Valente. Vale, sozinho, pelos quinhentos livros sobre a República que foram publicados só este ano. Como estava esgotado, a Alêtheia reeditou-o com um novo prefácio do autor. Tese de doutoramento expurgada de aparato crítico, lê-se como um romance. Imprescindível.». O autor, de monárquico não tem nada, que eu saiba. Por meu lado, quero notar que não estou aqui nem a defender a Monarquia, nem a atacar a República (embora tenha a minha opção, como já referi). Mas deitar a verdade para debaixo do tapete, e festejar uma ficção, não me parece sensato.
Peço desculpa de referir erradamente o blog 4ª República em vez de Clube das Repúblicas Mortas.
BMSarmento
"E eis que, sem contar, um sonho de meio século acaba de materializar-se, precisamente no centenário da República Portuguesa e na minha terra natal."
Como bem sabes e para Freud "O sonho representa a realização de um desejo".
Mais um, ou quiçá dois, desejo(s) realizado(s)! Parabéns! ;)
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