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sexta-feira, 23 de março de 2012

A idade da inocência

Não sou dos que acha que tudo o que acontece de mal no mundo é resultado de um plano malévolo da Goldman Sachs, nem tão pouco que exista uma conspiração anglo-saxónica orquestrada pelo Tesouro norte-americano contra o euro; mas que há coincidências estranhamente convenientes para os interesses norte-americanos, disso tenho cada vez menos dúvidas.

Refiro-me, em particular, à coincidência da deterioração dos indicadores económicos dos EUA com a repentina profusão de notícias, relatórios e depoimentos que dão como certo - e para breve - o colapso financeiro de Espanha. Será mesmo coincidência?

A tese da coincidência murcha perante a ausência de novidades macroeconómicas ou financeiras que sustentem tão histriónico vaticínio. Que Espanha tenha graves problemas, nomeadamente no setor imobiliário, ninguém põe em causa. Que esses problemas possam in extremis minar a solvência da banca espanhola, é um risco difícil de negar. Contudo, Espanha apresenta níveis de dívida pública comensurados e muito inferiores à média da área do euro e mesmo aos da “imaculada” Alemanha. O défice orçamental tem rondado os 10%, mas o novo executivo tem como uma das principais prioridades o retorno à probidade orçamental que notabilizou os governos Aznar. A elevadíssima taxa de desemprego (23,3%) constitui é o principal calcanhar de Aquiles de Espanha, mas simultaneamente o principal fonte de esperança de melhoria da situação, pois é pouco provável que uma economia com a dimensão e diversificação da espanhola possam conhecer níveis de desemprego muito superiores aos atuais. Assim, as reformas do mercado laboral em curso poderão surtir efeitos positivos num horizonte não muito longínquo.

Em suma, os problemas de Espanha são reais, preocupantes, mas não são novos, nem tão pouco os mais graves no seio da Europa. Fazê-los ressurgir no momento presente parece fazer pouco sentido, a não ser...

A tese da manipulação tem a seu favor o facto das eleições americanas estarem a seis meses de distância, o que torna o desempenho da economia dos EUA num factor crítico. Mas onde é que a Espanha entra nesta equação?

Desde o início do quarto trimestre que a economia dos EUA mostra sinais de recuperação, apesar das dificuldades dos países do euro, do abrandamento da China e do queda do PIB do Brasil. Tão exclusivo desempenho deveu-se, em grande parte, à fuga de fundos de uma Europa titubeante para uns EUA tidos como refúgio. O correspondente afluxo de capital constituiu um choque monetário expansionista que gerou um mini-ciclo, o qual, no entanto, começa a dar sinais de enfraquecimento, precisamente na altura em que a condição financeira da área do euro dá mostras de algum apaziguamento. Perante este cenário, as autoridades norte-americanas poderiam optar por reativar a política de quantitative easing (compra de títulos de dívida com moeda especificamente criada pela Reserva Federal para o efeito) como forma de estimular a atividade. Mas esse é um trunfo que urge preservar para conjunturas mais agudas. Neste contexto, um novo surto de incerteza quanto à viabilidade do euro teria como consequência reinstaurar os movimentos de capital da Europa para os EUA, com os concomitantes efeitos expansionista sobre os últimos. Daí que questionar a solvência de Espanha tenha como possível resultado a injeção de um novo choque de adrenalina na economia norte-americana à custa do euro. Se propositado, o expediente oferece grande potencial, mas não deixa de ser extremamente rude.

As guerras cambiais não são de hoje; elas remontam, pelo menos, à Grande Depressão. Desconsiderar a possibilidade da sua reedição evidencia um grau de inocência pouco adequada à era em que vivemos.

2 comentários:

Tavares Moreira disse...

Caro Brandão de Brito,

Se me permite acrescentaria a este seu cenário de "complot" a favor dos interesses da política americana o silêncio quase total que tem sido feito em torno do recrudescimento do défice comercial americano, nos últimos meses, para níveis que eram considerados insustentáveis para a generalidade dos analistas durante a era Bush...

Rui Fonseca disse...

Philip Roth escreveu há uns anos uma novela - A Conspiração Conta a América - que simula como seria a América na década de 40, se, hipoteticamente, Charles Lindbergh, o mítico aviador norte-americano, e herói nacional, a quem tinha sido rapatado um filho, simpatizante do nazismo, tivesse vencido Roosevelt nas eleições presidenciais de 1936.

Sem querer desvalorizar, minimamente que seja, o seu raciocínio (mas, surpreendentemente, há quem que desvaloriza a eventual conspiração das agências de rating aceita que essa conspiração possa ser perpetrada via Goldman Sachs ...) poderemos simular o mundo financeiro após um eventual colapso da banca espanhola e, por tabela, a mais que certa implosão da Zona Euro.

Escaparia a Goldman Sachs aos eventuais efeitos dessa mega explosão? Dispõe o dólar de um abrigo nuclear em caso de um rebentamento financeiro de tal ordem de grandeza?

Por outro lado, estará, neste caso, a Goldman Sachs ao serviço do tesouro norte-americano e, naturalmente, da reeleição de Obama?

Devo confessar que não sou admirador, antes pelo contrário, dessa súcia que dá pelo nome de Goldman Sachs