Sábado. Convidaram-me para a sessão de encerramento de um colóquio sobre Violência Doméstica. Ouvi autoridades policiais, psicólogas, assistente sociais e outras que têm a cargo a responsabilidade de lutar e minimizar este flagelo. Foi agradável. Teve lugar na casa da cultura de Santa Comba Dão. A notícia do acontecimento não teve impacto, o que é perfeitamente natural. Em contrapartida, a "ameaça" ou a "violência" do vinho marca "Salazar" teve honras de primeiro plano nos telejornais e jornais. Santa Comba Dão no seu melhor.
Tive que dizer alguma coisa, e disse. O assunto violência não é novo e penso que vale a pena refletir um pouco sobre o mesmo.
O homem é um ser agressivo e há razões para isso, até poderia afirmar categoricamente que sem essa característica não teríamos chegado aonde chegámos. Sendo assim, não posso deixar de analisar, ainda que sumariamente, alguns aspetos relacionados com a agressividade comportamental, que tem sido estudada ao longo dos tempos desde os ratos até aos seres humanos.
O filme, “O meu tio da América”, descreve as reações dos seres humanos em função da complexa estrutura do cérebro. O professor Henry Laborit, médico e biólogo, que documentou a fonte da agressão, descreve-as através de três pessoas vulgares.
O que leva uma mãe a matar a sua própria filha por uma mera futilidade? O que leva um jovem a sacar de uma arma e disparar sobre colegas e professores sem qualquer motivo? O que leva um grupo étnico a exterminar um outro? O que leva um ser humano a transformar-se numa bomba viva e provocar a morte de inocentes? O que leva um grupo de jovens a provocar distúrbios de forma gratuita? O que leva um aparente e pacato cidadão a matar em série? Enfim, o que leva o ser humano a ser obscenamente agressivo, não obstante toda a aprendizagem efetuada ao longo da sua evolução, culminando na construção, feitura e produção de obras ímpares, cheias de beleza, ricas de significado e transcendência? Tudo tem de passar pelo cérebro humano, ou melhor pelos cérebros. De facto, não podemos esquecer que ao longo da evolução fomos adotando e acumulando novas formas e funções. O nosso cérebro mais primitivo é reptiliano. Idêntico aos répteis que precederam os mamíferos em mais de 200 milhões de anos, é o controlador das funções vitais, tais como o respirar, a frequência cardíaca e os mecanismos de fuga ou de luta. É um cérebro pré-verbal, os seus impulsos são instintivos e ritualistas. Fundamental para a sobrevivência, domínio e acasalamento. As emoções de ódio, amor, medo e contentamento emanam desta parte primitiva. Claro que ao longo dos milhões de anos outras camadas foram rodeando este núcleo. Deste modo apareceu o segundo cérebro, o dos mamíferos, e com ele começámos a ter aqueles comportamentos que admiramos num cãozinho, ou numa bela cria. Enquanto uma cobra não sente vergonha ou entusiasmo, para um cão ou gato é perfeitamente natural. E, por fim, um terceiro cérebro surge em toda a sua plenitude, o neocórtex. É através dele que processamos pensamentos abstratos, palavras e símbolos, lógica e tempo, ou seja, a nossa condição humana.
A força deste terceiro cérebro, o mais complexo e o mais recente, deverá, ou deveria, controlar os outros dois, sobretudo o mais primitivo, o cérebro reptiliano. No entanto, olhando à nossa volta, podemos observar toda a força e permanente presença do mesmo. Claro que as explicações sociológicas, políticas, religiosas e médicas para tantos problemas de agressividade são interessantes e constituem exercícios do tal neocórtex. Controlar o primitivo vulcão nem sempre é fácil e, por vezes, pode descambar em situações verdadeiramente dramáticas. Regras, condutas, princípios religiosos, legislação, força, e outros métodos têm conseguido manter o necessário equilíbrio. Acontece que, nalguns indivíduos, de uma forma verdadeiramente inesperada, a expressão máxima desse cérebro primitivo, que não envergonha um crocodilo ou qualquer serpente venenosa, emerge com toda a força, não obedecendo ao calor, à vergonha, ao amor, à solidariedade e à espiritualidade humanas.
Somos frutos da violência, a violência está em toda a parte, temos conhecimento da mesma, mas é imperioso descrever a sua anatomia e fisiologia para que possamos prevenir alguns efeitos negativos.
A violência doméstica enquadra-se no contexto da violência do género. Quanto a esta deverá ter tido origem no momento em que o homem primitivo viu sair do interior da mulher vida, consubstanciada num novo ser, incompleto, que leva muitos anos a completar-se, exigindo por isso muito investimento. Um mistério. Na altura não terá tido consciência de que, também, tinha uma quota-parte no mistério. Quando se apercebeu, então, as coisas mudaram, e fez tudo o que podia para a dominar e controlar. Nos últimos anos, graças a revoluções culturais, sociais e médicas, a mulher "libertou-se" da tutela masculina, e ainda bem.
Com tempo, poderemos continuar a abordar tão interessante fenómeno.
E quanto à violência? Vai continuar, seja doméstica ou não. É impossível dominá-la, talvez se consiga domesticar, desde que se ensine e estude a anatomia e a fisiologia da mesma e se consiga a implementação de regras, condutas, normativos, códigos e se acabe com muitas outras formas de descriminação.
7 comentários:
Excelente tema, Senhor Professor!
O essencial do que é amar, nunca foi inteiramente compreendido; sempre se confundiu com o dever de praticar o bem e tornar o mundo melhor, um dever moral e abstracto que nos redime do hedonismo inerente a cada um de nós.
Mas, gostaria de andar um pouco para trás, uma vez que o caro Amigo atribui ao cérebro reptiliano a carga genealógica que justifica a violência armazenada no cérebro actual e que o leva a praticar actos de submissão e agressividade contra os seus iguais. Gostaria que olhassemos este "fenómeno" partindo do ponto em que a primeira explosão de matéria ocorreu no universo, dando origem à formação de pequenas bolsas Hidrogénio. Mas, toda a matéria vibra e esse hidrogénio vibrava também a uma determinada frequÊncia, fazendo com que os atmos se unissem, dando origem a estrelas, aumentando a frequência da vibração, aquecendo, envelhecendo e explodindo, dando origem ao aparecimento do Hélio. Este fenómeno repetiu-se várias vezes, dando consecutivamente origem a frequências vibrtórias maiores a mais explosões, ao aparecimento de novas estrelas e novos gases que culminaram na formação da Terra. Quando esta arrefeceu, os gases que se encontravam acumulados na sua massa derretida, vieram à superfície e fundiram-se dando à formação do vapor de àgua e a grandes chuvas que deram origem a oceanos e lagoas. Foi do leito baixo dessas lagoas, pela acção do sol e o aumento da vibração do carbono que passaram a vivrar a uma frequência superior, os aminoácidos, cuja vibração não era estável, necessitando por isso de absorver continuamente outra matéria, para poder manter a vibração. Surgia assim a vida em meio aquático, o novo impulso da evolução. A vida dividiu-se então em duas formas: as plantas, que se alimentavam de matéria inorgânica utilizando o dióxido e carbono e libertando pela primeira vez oxigénio para a atmosfera. Outra forma, a animal, absorvia unicamente matéria orgânica para alimentar a sua vibração. Apreceram em seguida os animais anfíbios que deixaram a água e respiraram através de pulmões. Depois, a matéria deu novo salto e apareceram os répteis e em seguida os mamíferos de sangue quente. Esta nova espécie reproduziu-se rápidamente, cobrindo toda a terra. E todas essas espécies se alimentavam de outras espécies, para poder manter as vibrações da matéria que os constituia... em suma, para conseguir manter a sua energia. É essa necessidade de manter a vibração da matéria, herdada pelos seres humanos mas com origem na primeira explosão de matéria no universo, que os leva a alimentar-se d eoutras espécies, tanto vegetais, como animais. Ou seja, para manter a energia de que necessita, o Homem retira energia de outros seres. Mas esta necessidade de obter energia, não se restringe aos alimentos, ela estende-se a outros meios e outros ambientes e outras formas. Por isso as pessoas discutem e aquele que ganha a discução sai mais forte e o que perde, sai mais fraco. E é pelo mesmo motivo, que lutam, e apesar de dispenderem energia durante a luta, o que a ganhar, sai mais forte e o que a perde, sai mais fraco.
Estas pessoas, não entenderam ainda que têm ao seu dispôr, formas naturais de obter a energia de que precisam para manter as sua vibrações a um bom nível. Passear num local com árvores e plantas ou num areal à beira-mar, são dois pontos excelentes para obter essa energia.
Caro Bartolomeu.
O meu amigo é extraordinário, confesso que gosto de ler a sua costela "energética" e admiro a sua pachorra em me escutar. O que é que lhe posso dizer mais? Sim, somos feitos das poeiras das estrelas. No entanto, tenho imensa pena de não conseguirmos iluminar os outros com o nosso calor e energia, quando tal acontecer...
Depois da excelente leitura que acabo de fazer, resta-me agradecer ao Cronista e ao Comentador. A ambos a minha vénia!
Senhor Professor Massano Cardoso, leio sempre com a máxima atenção, os textos que publica. Porque são recheados de emoções, ou vibrações, conforme se prefira designar e porque reflectem preocupações de ordem social e humana, oferecem-me sempre motivos vários para reflexão e por conseguinte estimulam o meu raciocínio, ajudando-me a manter a capacidade de dedução, "ginasticada". Ora assim sendo, nunca seria possível sentir enfado ao lê-lo, pelo contrário.
Aliás, muitas vezes, enquanto o leio, imagino que aquilo que escreveu é sedutório, encantatório, possui qualquer coisa com cheiro e sabor a convite, a um convite afável para ir passeando nas margens dessa ribeira que tão bem descreve, aquela que fêz as delícias da sua infância e que nos dá a conhecer, através da sua arte de oferecer imágens usando a escrita como alguns cineastas usam a câmara de filmar.
Resta-me agradecer-lhe, pela disponibilidade para escrever e responder aos comentários.
Caro E.R.Ferreira, agradeço a suas simpáticas palavras, mas note que alguma "qualidade" que encontre na minha participação, deve-se inteiramente ao estímulo que o texto do nosso caro Professor, produz.
;)
A luta, o domínio e a imposição continuam na ordem do dia, apesar de todas as camadas de civilização e mesmo do desenvolvimento desse precioso 3ª cérebro de que aqui nos fala com tanto interesse. Basta abrir as páginas dos jornais e ver a linguagem preferida, "atacar", "vencer", "obrigar", "derrotar","braço de ferro", "enfrentar", "fraco com os fortes e forte com os fracos", esta então está agora muito em voga,no meio desta torrente bélica estão os cebelos que se arrepelam pelo aumento da violência, o suspiro pelo diálogo, enfim, às vezes parece que uns só tiveram direito ao cérebro reptiliano mas confiam desesperadamente que o 3º cérebro funcione...nos outros!
"(...) A violência doméstica enquadra-se no contexto da violência do género. Quanto a esta deverá ter tido origem no momento em que o homem primitivo viu sair do interior da mulher vida, consubstanciada num novo ser, incompleto, que leva muitos anos a completar-se, exigindo por isso muito investimento. Um mistério. Na altura não terá tido consciência de que, também, tinha uma quota-parte no mistério. Quando se apercebeu, então, as coisas mudaram, e fez tudo o que podia para a dominar e controlar. Nos últimos anos, graças a revoluções culturais, sociais e médicas, a mulher "libertou-se" da tutela masculina, e ainda bem.(...)"
Transcrevo do post a passagem acima referida por achar ser percetível que deveria ter sido assim que tudo começou.
Depois retenho por inteiro o comentário da Dra. Suzana, a abordar, também, as causas culturais de matriz agressiva com que somos rodeados que contribuirão seguramente para "exercitar" o tal terceiro cérebro...
Termino realçando a excelência do tema!
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