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quarta-feira, 20 de junho de 2012

Segurança privada em Portugal, lâmpadas fundidas na Rússia, sempre o mercado...

1. Fala-se muito dos mercados entre nós, mas muito boa gente, nomeadamente alguns dos que mais falam, têm uma noção vaga e populista do significado dessa palavra. Os exemplos seguintes talvez ajudem a compreende-la um pouco melhor.
2. Segundo notícias ontem divulgadas, o nº de seguranças privados em Portugal será já de 58.000, bastante mais que a totalidade dos efectivos da GNR, PSP, PJ, Polícia Marítima, SEF e ASAE, juntos, que será de 51.000.
3. Estamos perante uma típica resposta do mercado a uma situação que todos pressentem mas que a nível oficial é ainda tratada com o pudor típico do politicamente correcto: o Estado está cada vez menos capaz de exercer a função de segurança pública, nomeadamente para prevenir e combater o crime organizado. Como tal, o mercado encontrou uma necessidade dos cidadãos para satisfazer...e aí está.
4. Recordo-me de uma história que há uma boa vintena de anos me foi contada por André Jordan e passada com um seu amigo brasileiro, habitual visitante da Rússia, país que então passava por um processo de enorme convulsão política e social que sucedeu à queda da antiga URSS.
5. Uma das manifestações dessa fase turbulenta parece ter sido uma praga de vendedores ambulantes que enchiam as ruas de Moscovo vendendo toda a espécie de “tralha”. Um belo dia, o amigo de A. Jordan encontrou um destes vendedores negociando um tipo de objectos que o deixou perplexo: lâmpadas eléctricas usadas/fundidas.
6. Não resistindo à curiosidade de saber quem estaria interessado em tão inúteis objectos – quem poderá atribuir valor a um objecto tão evidentemente inútil, perguntou a si próprio – dirigiu-se ao tal vendedor e interrogou-o: quem é que compra essas lâmpadas inúteis?
7. A resposta foi muito simples e desconcertante: estas lâmpadas são muito úteis para os funcionários públicos, que as compram por 1/10 do preço de uma nova, quando chegam ao serviço trocam-nas por lâmpadas novas, levando as novas para casa...
8. Nada mais simples nem mais eloquente quanto ao funcionamento do mercado: onde quer que exista uma necessidade económica por satisfazer (uma utilidade) ele aí está a infiltrar-se para a satisfazer...tal como a água das chuvas que se infiltra nos prédios sem muitas vezes ser percebida só se dando conta quando as humidades se manifestam...
9. Em Portugal (e não só) muitos dos críticos dos mercados deveriam atentar nestes simples exemplos para perceberem melhor do que falam...

13 comentários:

Tonibler disse...

Muito bom!...

Anónimo disse...

Que post elucidatório e pedagógico, caro Tavares Moreira! Gostei!

Duvido porém que os que se referem aos mercados como causa de todos os males consigam fazer o percurso destes exemplos que dá para a alta finança e, aliás, não duvido de que verão estes que apresenta como virtuosos e os outros como alvos a abater.

(c) P.A.S. Pedro Almeida Sande disse...

Para quem é um fervoroso adepto do mercado (eu sou a não ser quando...) aconselhava a leitura atenta de José Mata, Economia da Empresa, Parte IV, comportamento estratégico, Os limites do mercado, Parte V, os interesses protegidos pela política da concorrência, regulação de monopólios, etc...

AF disse...

Caro Dr. Tavares Moreira,

O "mercado" não responde, no exemplo, à necessidade dos cidadãos. À minha necessidade, no caso específico de segurança, e no assunto em questão, responde de forma muito circunstancial e, na melhor das hipóteses, quase como efeito colateral.

Responde às necessidades particulares de alguns cidadãos, que podem comprar "protecção".

Vai-me desculpar, pois pode ser má interpretação minha, mas seguindo a lógica do seu post até à conclusão que parece apontar, chegaríamos a uma situação semelhante ao feudalismo. Quem tem dinheiro pode contratar toda a segurança que precisa e mais alguma, pra proteger os seus valores e propriedade. Quem não tem, passa rapidamente a ser propriedade, azar.

Os seguranças privados não cumprem as mesmas funções que a segurança pública. De todo. Nem tem interesse nisso. Nem capacidade para tal, mesmo que tivessem interessse.

Tavares Moreira disse...

Caro Zuricher,

É bem capaz de ter razão, essa rapaziada que se habituou a apontar os mercados como fonte de todo o vício, preferindo um regime de burocracia até à exaustão absoluta dos recursos, nunca se dará por convencida...a maldade dos mercados é para eles uma questão axiomática, não carece de qq demonstração!

Caro Pedro de Almeida Sande,

Agradecidoi pela sugestão, tentarei encontrar o livro que refere.


Caro AF,

Desculpar-me-á, mas interpretou mais do que extensivamente o teor deste Post...eu não disse em lado nenhum, que a segurança privada é melhor que a segurança pública!
Disse apenas que a segurança pública se tornou impotente face a novas formas de criminalidade, nomeadamente a organizada e que, perante isso, muitos cidadãos sentem absoluta necessidade de recorrer a serviços de segurança privados!
Por outro lado, comparar esta evolução ao que acontecia na idade média,à organização feudal, com a soberania do Estado dividida em função de poderes locais armados, perdoar-me-á a força da expressão, mas parece-me um exagero do tamanho do Everest!

Suzana Toscano disse...

Com os Estados falidos será cada vez mais assim, cada um por si, é o que acontece nos que não são "desenvolvidos" e o que acontecerá nos que estão a regredir porque a organização e o poder do Estado custam muito dinheiro e muitos impostos.E a sobrevivência não costuma olhar a meios...

Tonibler disse...

O poder do estado não custa muito dinheiro, cara Suzana. Até é bastante barato, se atendermos que os funcionários só podem receber aquilo que o país pode pagar. E aqueles que são o garante do poder do estado até têm direitos civis diminuídos.

O problema nunca esteve no custo das funções do estado. O problema está naquilo que o estado faz que não deve fazer.

Pinho Cardão disse...

Por mim, gosto sempre do básico e das coisas simples. O Estado, como qualquer criatura, devorou o criador. Exorbitando das suas funções fundamentais, tornou-se industrial, comerciante, distribuidor, o diabo a sete. O resultado foi não cumprir devidamente as primeiras, distraído com as segundas, onde também é geralmente péssimo: em suma, não cumpre nem umas nem outras.
Como tal, e por isso mesmo, os cidadãos que o podem fazer pagam a segurança pública e segurança privada, saúde pública e saúde privada, educação pública e educação privada, justiça pública e justiça privada, aqui através da arbitragem. Quando não fazem justiça pelas suas próprias mãos.
Mais e mais estado foi o que deu: colapso na economia, colapso na justiça, colapso na segurança. Uma função vai cumprindo o seu papel, a da saúde pública. Mas muito graças aos 3 milhões de seguros de saúde privados que permitem fazer respirar o sistema público.

Suzana Toscano disse...

Caro Tonibler, o que o Estado deve ou nao fazer em cada momento, quanto e como, é a discussão mais fugaz que eu conheço...

Tonibler disse...

Cara Suzana,

sim, a discussão termina sempre que os credores batem à porta. O positivo disso é que os países passam a figurar em lugar de destaque nos livros de história.

AF disse...

Caro Dr. TM,

O Dr. TM não disse que a segurança privada é melhor que a pública, nem eu disse tal coisa, nem interpretei tal do seu post.

A minha resposta vai apenas num sentido: na leitura que fiz, o seu post parece dizer aos "críticos" dos "mercados" que estes (os mercados), afinal, encontram (sempre?) uma solução para as necessidades das pessoas.

Ora, especificamente no caso da segurança, que à outra caricatura não teci qualquer comentário, parece-me que a solução "encontrada" pelos mercados não é na realidade solução nenhuma. É uma solução para a segurança de algumas pessoas, e não uma solução para a segurança de todos. Bem pelo contrário. Parece-me lógico, embora o Dr. TM ache um exagero do tamanho do Everest, que o caminho dos "mercados", no caso da segurança, nos levaria inevitavelmente a uma situação próxima do feudalismo. É uma extrapolação enorme, eu sei. Mas parece-me ser esse o destino provável, da mesma forma como me parece provável que, se começar a subir os Himalaias em direcção ao pico, eventualmente chegarei ao Everest! ;)

Suzana Toscano disse...

Caro Tonibler, há uns anos não era preciso mais do que a 4ª classe, não era preciso médico para assistir as grávidas, não havia crise ambiental mas apenas saneamento básico, não havia integração europeia mas sim o orgulhosamente sós, não havia mobilidade financeira nem globalização, nem reguladores, nem segurança social, enfim, não partilho do preconceito de que o Estado "gasta" e de que o setor privado "produz", basta ver as comparações que a OCDE e outros fazem para ver quem pode atrair mais investimento.Mas é claro que isso não legitima disparates, nem abusos, muito menos corrupção ou aproveitamento indevido, temos que distinguir as coisas para não se condenar tudo.

Tavares Moreira disse...

Caro AF,

Certamente que a segurança privada que é mencionada nas notícias, funciona como segurança para aqueles que a contratam e não para os outros (a não ser por efeito colateral, relacionado com a proximidade, por exemplo),isto no caso de quem adquire essa segurança serem pessoas singulares ou pessoas colectivas privadas.
Mas penso que saberá que já há muita segurança privada contratada pelas empresas de transportes públicos, por exemplo, que neste caso satisfazem necessidades de segurança do público utilizador desses transportes.
Neste contexto, volto a dizer que os seus comentários - que respeito, evidentemente - se me afiguram muito desfocados desta realidade.
Acrescentarei apenas que se estas pessoas privadas e públicas contratam estes serviços será pela razão de que lhes reconhecem utilidade - doutro modo tratar-se-ia de uma decisão insana.
E se reconhecem utilidade a esse serviço será pela razão simples de que a segurança pública não satisfaz todas as necessidades, ou satisfaz cada vez menos...
Tão simples quanto isso, é apenas o mercado a funcionar, por muito que ao caro Comentador custe aceitar...