Nunca defendi nem a concentração no Supremo Tribunal de Justiça dos poderes de fiscalização abstrata da Constituição, nem um sistema assente na pulverização pelas diferentes ordens de tribunais do poder de controlar casuisticamente o cumprimento da lei fundamental. Sempre fui a favor da solução de atribuir a uma instância superior especializada a tarefa de garantir a inviolabilidade da Constituição.
Com a mesma convicção de que se trata da melhor das soluções conhecidas e estudadas, também sempre discordei dos métodos de eleição e designação dos juízes constitucionais. Defendo, há muito, a intervenção do Presidente da República na sua escolha.
Compreendo, porém, aqueles (são cada vez mais) que hoje defendem a extinção do Tribunal Constitucional (TC). Sobretudo os que o fazem não porque consideram que os modelos alternativos são mais eficazes, mas porque constatam que o TC não escapa ao manto de desprestígio institucional e desconfiança pública que caiu sobre os principais órgãos do Estado. E se existem os que podem viver com esse anátema, um tribunal constitucional, pelas funções que desempenha, não pode sofrer desse mal, em especial se ele for real e não uma mera perceção social alimentada pelos media, como não raro acontece. É que o desprestígio não ocorre porque o Palácio Raton tem sido assaltado por escândalos. Ou porque é acusado de julgar pouco, de contribuir para o acumular de pendências ou para a demora na justiça. Nada disto. A degradação progressiva da imagem do TC tem que ver com a suspeita de que pelo menos os juízes eleitos no Parlamento são comissários políticos, criteriosamente escolhidos pela situação e pela oposição de modo a refletirem (no que deveria ser um órgão independente do poder político) os equilíbrios partidários conjunturais.
Ora, se esta ideia pode ser uma tremenda injustiça para alguns das/os conselheiras/os, convenhamos que não o é para todas/os. Tal como não é possível tapar o sol com a peneira, também não pode seriamente negar-se que os partidos projetam nas escolhas que têm feito para o TC um indisfarçável calculismo, secundarizando o que deveria, afinal, contar. A consequência é óbvia: quem não quer ser servil ou entende que o papel de comissário assenta mal a um juiz, ainda para mais a um juiz constitucional, sentirá natural rebuço em desempenhá-lo. Acontece que esses que recusam são, precisamente, aqueles que abonariam o prestígio que o Tribunal vem sucessivamente perdendo. Recusar reconhecê-lo perante o último episódio da recomposição do TC que culminou com uma eleição por margem mínima após a audição dos indigitados pelos deputados, é negar o que é por demais evidente.
O próximo capítulo vai ser a escolha da/do presidente do Tribunal. Nesse momento se verá qual o critério que prevalecerá: se o reconhecimento da competência e da autoridade técnica e científica das/dos conselheiras/os que integram aquele Coletivo; ou as mesmas razões que colocaram naquele órgão alguns das/dos senhoras/es juizes constitucionais.
Apetece-me apostar no resultado. Mas como escrevo sobre coisa muito séria, resisto e espero para ver...
12 comentários:
A fachada está a precisar de obras de limpeza e requalificação, caro Dr. José Mário...
Bom observador, meu caro Bartolomeu. De facto, ervas daninhas na varanda...
José Mário
O Tribunal Constitucional foi também atingido pela nuvem negra do desprestígio das instituições públicas, razão porque muita gente se questiona sobre a sua utilidade e alguns defendem a sua extinção. A verdade é que esse desprestígio tem origem na politização a que este órgão tem estado sujeito, como estão outros. Lembro aqui o caso do Provedor de Justiça. Estamos a precisar de reformar o Estado. Mas parece não haver vontade e percebe-se porquê. Há por aí muitas "ervas daninhas"...
Precisamente, caro Dr. José Mário... da varanda, ou... como dizem os nossos amigos ingleses, aqueles que fingiram que nos safaram dos francese que Napoleão mandou cá sacar umas relíquias eclesiásticas; the balcony. O lugar "elevado" de onde aqueles que julgam tudo ver e tudo entender... observam o mundo que se espalha um nível a baixo das solas dos seus pés.
Contudo, apesar de mais alto, ha ventos capazes de transportar as sementes das ervas daninhas, até lá...
Coisas que fogem ao entendimento destes vis ácaros que se arrastam na poeira dos caminhos...
Reforma... ah! Essa palavra mágica, qual canivete suíço que tudo soluciona.
Mas quem é o reformador?
O que conduziu a «carruagem» até à oficina de reparações?
Eis o busílis da questão!
1.O TC não pode fugir à ideologia, seja liberal seja social. Nas questões que tem para decidir há escolhas a fazer, essas escolhas não passam por uma mera constatação do "legal", antes passa pela oração a princípios, princípios esses que são ... de si ... escolhas.
2. Os partidos hoje em dia pautam-se pela nadologia, pelo vazio líquido, e ... na falta de criatividade profunda ... optam, sem haver outra via. O que não se pode é misturar interesse partidário com as concretas pessoas eleitas. Mas pode-se misturar as ideologias dos partidos e as concretas pessoas eleitas. É essa distinção que a sociedade civil tem também de aprender. Caso contrário, medimos tudo pela pior opinião: a abstracta opinião pública.
Caro Conservador, porventura expliquei-me mal. Não defendo, porque seria contra natura, a neutralidade ideológica do Tribunal Constitucional. Muito menos a dos senhores juizes conselheiros. Somente os critérios que presidem à eleição.
Era eu um jovem estudante de Física pouco interessado nestas coisas e subiu ao TC uma lei que aumentava as propinas da universidade de 1500 escudos para cerca de 400000. Discutia-se se passar de 1500 para 400000 violava ou não uma frase da constituição que dizia que a educação seria tendencialmente gratuita. O TC achou que não.
Reduzir os defeitos do TC à obediência aos demais poderes é claramente redutor e tremendamente lisonjeiro para os juízes que o compõem.
Sim, eram 100, não 400. Já lá vãos uns anos valente e outra moeda.
Caro Ferreira de Almeida:
Tem toda a razão no que refere.
O Parlamento vem escolhendo os juízes não pela sua qualidade, mas pela "garantia" de servir objectivos partidários.
Por outro lado, e talvez por isso,e porque os Juízes se consideram no dever de prestar contas aos partidos, tornou-se comum saber como foi a correlação de forças no Tribunal: vitória folgada, empate técnico, desempate do Presidente, vitória à justa.
Ora um Tribunal é mais do que a mera soma das opiniões dos seus Juízes. A resolução final é que conta. Pelo que não são admissíveis espectáculos destes, com cada Juíz a varrer a sua testada. Também os Juízes desprestigiam o órgão de que fazem parte. E quando se chegou a este ponto e ao ponto a que a sua eleição chegou...
Creio que Ferreira de Almeida acentuou bem a questão tendo expressado com clareza.
Não são os juízes que se vergam aos partidos que fique claro. Mas os juizes, como juristas que são, têm uma ideia de Direito, e dentro das várias escolas ideológicas (seja positivista, jusnaturalista, ou até funcionalista, seja por outro lado liberal, seja social, seja marxista.
No caso das propinas o "tendencialmente" pode ser perspetivado dentro de vários prismas ideológicos.
Não fosse a artimética, até podiam perspectivá-lo com o intestino grosso.
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