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sexta-feira, 19 de julho de 2013

A independência do juiz

Perez de los Cobos é o presidente do Tribunal Constitucional espanhol. A investigação do caso Barcenas levou à descoberta que de los Cobos é filiado no PP, pagante de quotas, pouco mais de 37 euros por ano a crer no que relata hoje o El Pais. Esta notícia está a desencadear uma saudável polémica no país vizinho: podem os juízes pertencer a partidos políticos, mesmo os juízes do Tribunal Constitucional que muitas vezes modela o direito através da utilização de critérios materialmente políticos?
Esse debate tem perfeito cabimento em Portugal pese embora os nossos brandos costumes também se revelarem na quase ausência de polémica quando, há uns anos atrás, as imagens televisivas mostraram um senhor juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, vice presidente do Conselho Superior da Magistratura, de cachecol partidário ao ombro, comemorando, efusiante, na sede do partido, a vitória nas eleições desse dia. Ou quando escassos dias depois de ser escolhido juíz do Tribunal Constitucional pela AR o eleito não ter tido pejo em aceitar convite para ministro. Não teve ele pejo nem quem o convidou sentiu haver qualquer constrangimento moral ou ético. Ou quando nas TV e na rádio, em artigos de jornal, se assiste a magistrados em funções, muitos deles pertencendo aos tribunais superiores ou aos órgãos de governo das magistraturas, criticarem opções políticas, censurarem comportamentos partidários com mais veemência e parcialidade do que muitos dos dirigentes dos partidos.
Esse debate é decisivo e há que enfrentá-lo sem receios nem complexos. Está em questão a credibilidade do poder judicial, se quiserem, dos tribunais - também do Tribunal Constitucional -, que em tudo depende na confiança pública na imparcialidade e isenção dos juízes. A nossa Constituição, para garantir a independência e isenção dos magistrados, protege-os com um estatuto que os torna inamovíveis e irresponsáveis pelas decisões que tomem. Estatuto que não encontra paralelo em qualquer outro titular de órgãos de soberania. A proibição (que em Portugal é legal e em Espanha é constitucional) de pertença a partidos políticos deveria ser mais do que uma exigência formal, deveria ser um imperativo de distanciamento da cena política, garantindo o mais possível que os critérios da lei não são substituídos pelas convicções do juíz, ou à legitima discricionariedade da opção política, emergente da legitimidade eleitoral, não se sobrepõe um poder de fazer a lei no caso concreto. Talvez assim se evitasse que, como hoje sucede, sejam os juizes e não os governantes a decidirem abrir ou fechar maternidades, escolas, centros de saúde ou hospitais...
 
Esta exigência de distanciamento faz todo o sentido também em relação aos senhores juizes conselheiros do Tribunal Constitucional. Numa certa dimensão faz até mais sentido e deve levar-nos a repensar seriamente o modelo de justiça constitucional que temos. Mas isso são contas do rosário seguinte.

4 comentários:

Tonibler disse...

Bom questão, sem dúvida. Só não me parece que uma proibição formal leve à resolução de um problema. Poder-se-ia fazer à americana onde a vida dos juízes do Supremo é escrutinada ao limite mas, ainda recentemente, tiveram exactamente o mesmo problema de alinhamento de juízes com correntes políticas (Tea Party). Por isso não sei se é melhor serem dos partidos ou não poderem ser dos partidos. Se calhar a solução está na responsabilização, se calhar não faz sentido a existência de um tribunal constitucional(se há algo cuja constitucionalidade não é óbvia não deveria ser colocada a referendo?). Ter juízes a inventar critérios baseados na sua ignorância, como aconteceu com os orçamentos, resolvia alguma coisa não serem dos partidos?

É uma excelente questão, mas não acho que a despartidarização resolvesse. Como a questão da maternidade, andamos a pagar a milhares de pessoas que fazem a gestão do parque público de saúde e depois vem um juiz que, baseado em fézadas, decide o contrário. A solução parece ser não deixar os juízes tratar de coisas importantes :)

conservador disse...

1.- Nos EUA, um juiz pode exprimir a sua mundividência da vida, e no Direito nada é neutro, só em relação às partes.

2.- O Senhor Juiz que Ferreira de Almeida se refere esclareceu na altura o ocorrido. Não vale suspeitar...;

3.- Mais, o que importa é saber se houve alguma decisão que o Senhor Juiz visado denotasse simpatia pelo PS. Ora, o magistrado em causa pertencia à secção cível do STJ...logo é ver em cada uma das decisoões no site www.dgsi.pt
Contrariamente noutras áreas do Estado, há transparência.

4.- Conheço o Senhor Magistrado em causa e sei como muitos (que convivem com o Senhor em causa décadas) que a lei e o Direito é o seu prius de decisão, e não qualquer "coisinha" da vida de cada um.

5.- Considero legítimo que um juiz pertença a um partido, desde que não seja interveniente em algum orgão.Mais, considero que até deveria ser acessível pela comunidade.
6.- É na SENTENÇA, na sua justificação que se denota a racionalidade da decisão, não é na "consciência" do juiz ou outra divindidade qualquer.

Anónimo disse...

Pois eu estou em vantagem em relação ao meu caro Conservador: não conheço o senhor juiz, não me recordo sequer do seu nome, lembro-me somente do episódio e de quanto me impressionou. Se algo no post leva a crer que suspeito da honestidade do magistrado,creia que é desacerto na exposição da minha opinião. Nunca suspeição.

A opinião, essa mantenho-a com firmeza perante o seu comentário, eu que detesto a imagem da mulher de césar de quem dizem que basta parecer séria e a sociedade atual até dispensa que o seja mesmo...
O meu caro Conservador anota, e bem, que o Direito não é neutro. Porém, a aplicação do Direito deve sê-lo. E os magistrados não fazem (por regra) a lei, aplicam-na ao caso concreto não devendo nessa operação deixar-se contaminar por convicções, sentimentos ou afetividades ou pré-compreensões partidárias de um projeto de vida, seja ele um projeto estribado numa qualquer fé religiosa ou numa qualquer fé política.
Há um momento para transformar uma opção numa norma. Esse momento deve ser protagonizado por quem foi legitimado para fazer a escolha, não pelo juiz. Quando o juiz se filia num partido, publicita a sua parcialidade em relação às opções político-ideológicas (não, não creio que morreu a ideologia...) que norteiam a atuação desse partido. Diz-me que por aí não se pode por em causa a imparcialidade das decisões, essa afere-se pelas premissas da sentença. Mas pelo seu comentário vejo que entenderá bem que é precisamente aí, onde o juíz tem nas suas mãos o poder discricionário - por exemplo, o de valorar a prova dos factos sobre que vai incidir a norma - que melhor se disfarça a falta de isenção e espreita o perigo do império das convições parciais ou partidárias.
Numa democracia ideal, acharia sem mácula o seu raciocínio. Essa não existe e nunca existirá. A realidade neste plano é impiedosa e faz com que, TAMBÉM pela suspeita de partidarismos, a imagem dos tribunais ande pelas ruas da amargura como se percebe pelos resultados dos estudos de opinião realizados para medir o prestigio social e a confiança pública das instituições.

Pedro disse...

Conforme o caro Tonibler sublinha, esta é uma questão pertinente e sobre a qual são para mim validas e aceitáveis posições distintas.

No entanto, na minha opinião pessoal, considero que se em tese, se consideram os Juizes (quanto mais não seja pela formação e pelos criterios apertados que passaram) pessoas com capacidade para Julgar, com um posicionamento moral e de caracter acima de suspeitas, passiveis de serem imparciais e capazes de manter um distanciamento das questões que julgam...neste enquadramento, e em teoria, parece-me que á luz desta leitura não deve haver uma limitação/proibição...deve antes assegurar-se que as decisões e julgamentos são de facto imparciais e neutros.

Claro que na pratica, percebo que possa haver espaço para "tendencialismo" e/ou "favorecimento" mesmo que possa até ser involuntário, para com os "interesses" onde são "filiados".

Mas...pois é,mas se valorarmos esta possibilidade e legislamos perante a duvida...então, abrir-se-á espaço para que não só o "filiar" num partido, mas toda e qualquer preferencia pessoal possa ser passivel de influenciar decisões.

E aqui, parece-me que das duas uma: Ou se reconhece e garante que os Juizes (seja de que tribunal for) são em regra pessoas idoneas, e ás quais reconhecemos imparcialidade e poder de decisão "justa"...ou se os observamos e reconhecemos como permeaveis a favorecimentos e preferencias, então não será apenas o formalismo de terem um cartão partidário que nos deve por em alerta....mas antes toda e qualquer caracteristica pessoal e humama de cada um dos Juizes.

Eu gostaria mais de viver numa sociedade que prepara, escolhe e acredita em Juizes...doque numa Sociedade que desconfia á partida dos Juizes, sentido a necessidade de legislar, impondo limitações que "garantissem a imparcialidade"....porque lá está, esta, a "imparcialidade" e a "neutralidade" dificilmente se pode impor por legislação.


(Ressalva: obvio que cada caso particular, tem de ser avaliado por si proprio...mas em termos Gerais acho que a separação de poderes e o funcionamento da Democracia depende muito de sermos capazes de criar Tribunais e Juizes capazes e crediveis.)