Temos o hábito de incorporar nas nossas tradições hábitos de outros povos como se os nossos não fossem suficientes. Sejam quais forem as razões, há sempre uma que comanda as novas festividades: o negócio. Presumo que é o que está a acontecer com o Halloween. Não quer isto dizer que, nesta altura do ano, não ocorram festividades e iniciativas relacionadas com os defuntos e com a morte. Houve sempre e, nalguns locais, caso de Coimbra, já se usam, há muitos anos, abóboras esburacadas com dentes e velas no seu interior ou caixas velhas, retratando carantonhas, iluminadas no interior. Os miúdos transportam-nas à noite de casa em casa cantando “Bolinhos e bolinhós”:
Bolinhos e bolinhós, Para mim e para vós, Para dar aos finados, Que estão mortos enterrados., À porta da bela cruz, truz, truz…, A senhora está lá dentro, Sentada num banquinho, Faz favor de vir à porta, P’ra nos dar um tostãozinho ou um bolinho.
E o melhor é dar umas moedas ou outra oferta, porque senão ainda cantam coisas nada agradáveis.
A americanização deste evento tem alastrado e os mais novos já fazem festas e compram artefactos adequados. O comércio do Halloween veio para ficar. Mas parece que começa a provocar algum prurido em certos setores religiosos que não veem com muita graça estas formas de paganismo com bruxas, monstros e abóboras à mistura. Para contrariar este fenómeno propõem alternativas cristãs; as crianças devem vestir-se de santos, de santinhas, os adultos vestirem uma peça de roupa branca e colocar velas nas janelas, etc.
Presumo que os mais pequenos deverão achar mais piada às máscaras, muitas capazes de assustarem o ”susto”, e a toda a parafernália das vestimentas do que andarem vestidos de São João Baptista – não esquecer que nesta altura do ano não é muito aconselhável -, de São Jorge, de Santo António ou de anjinho papudo e de sexo duvidoso.
Mas que mal tem em cultivar o paganismo? Pessoalmente não vejo nada de mal, sempre é mais aberto e propício à fantasia e à criatividade. Muito mais do que o sugerido pelas práticas “alternativas”. São tantas as ocasiões em que se podem vestir de santos, de santinhos ou de anjos, que bem podemos deixá-los gozar um pouco com as bruxas e a morte.
Ia a pensar nestas “coisitas” quando esbarro com a realidade fria. Pessoas idosas doentes, e com dificuldades, em catadupa. Já tinha perdido o conto das que tinha visto nesse dia, quando tive de ver um tio, idoso, meio debilitado, algaliado, a viver sozinho, com discurso oscilante entre a revolta, a resignação, pensamentos não aconselháveis, regressando de imediato a um estado de confiança e de satisfação, agarrando-se a pequenas coisas, para ele muito importantes. Depois de alguma conversa e orientação, aceite como sinónimo de equilíbrio e de esperança, passo para outro lado onde a velhice e as limitações físicas impõem os seus ritos tenebrosos e perfeitamente outonais.
Mas que sábado! Meti-me no carro e acabei inesperadamente na albufeira. Só. Chuva intensa. Abertas ocasionais com o sol a piscar entre as negras nuvens mijonas. Sábado, chuva e sol ao mesmo tempo. Um espetáculo belo tendo por horizonte a toalha de água. Foi então que me lembrei de em pequeno ouvir dizer que aos sábados, quando chovia e fazia sol ao mesmo tempo, era porque as bruxas estavam a pentear-se. E comecei a imaginar as minhas bruxinhas de antigamente a enfeitarem-se. Mas não aquelas bruxas velhas, cabelos desgrenhados, narizes aduncos e verrugosos, sem incisivos e dentes cobertos de tártaro, e unhas negras dobradas em garra. Não! Eu sempre consegui imaginar bruxinhas com outras formas, lindas, graciosas, dentaduras perfeitas, cabelos soltos e doirados. Quase que julguei vê-las a saltar entre as mais belas e coloridas folhagens, tamanha era agitação e o ruído que faziam.
Enfim, cada um tem o Halloween que merece...
Agora que escrevi este relato só falta ouvir - já é noite -, a canalhada a cantar à porta: - “Bolinhos e bolinhós, Para mim e para vós, Para dar aos finados, Que estão mortos enterrados.”
Já tenho as moeditas prontas!
Bolinhos e bolinhós, Para mim e para vós, Para dar aos finados, Que estão mortos enterrados., À porta da bela cruz, truz, truz…, A senhora está lá dentro, Sentada num banquinho, Faz favor de vir à porta, P’ra nos dar um tostãozinho ou um bolinho.
E o melhor é dar umas moedas ou outra oferta, porque senão ainda cantam coisas nada agradáveis.
A americanização deste evento tem alastrado e os mais novos já fazem festas e compram artefactos adequados. O comércio do Halloween veio para ficar. Mas parece que começa a provocar algum prurido em certos setores religiosos que não veem com muita graça estas formas de paganismo com bruxas, monstros e abóboras à mistura. Para contrariar este fenómeno propõem alternativas cristãs; as crianças devem vestir-se de santos, de santinhas, os adultos vestirem uma peça de roupa branca e colocar velas nas janelas, etc.
Presumo que os mais pequenos deverão achar mais piada às máscaras, muitas capazes de assustarem o ”susto”, e a toda a parafernália das vestimentas do que andarem vestidos de São João Baptista – não esquecer que nesta altura do ano não é muito aconselhável -, de São Jorge, de Santo António ou de anjinho papudo e de sexo duvidoso.
Mas que mal tem em cultivar o paganismo? Pessoalmente não vejo nada de mal, sempre é mais aberto e propício à fantasia e à criatividade. Muito mais do que o sugerido pelas práticas “alternativas”. São tantas as ocasiões em que se podem vestir de santos, de santinhos ou de anjos, que bem podemos deixá-los gozar um pouco com as bruxas e a morte.
Ia a pensar nestas “coisitas” quando esbarro com a realidade fria. Pessoas idosas doentes, e com dificuldades, em catadupa. Já tinha perdido o conto das que tinha visto nesse dia, quando tive de ver um tio, idoso, meio debilitado, algaliado, a viver sozinho, com discurso oscilante entre a revolta, a resignação, pensamentos não aconselháveis, regressando de imediato a um estado de confiança e de satisfação, agarrando-se a pequenas coisas, para ele muito importantes. Depois de alguma conversa e orientação, aceite como sinónimo de equilíbrio e de esperança, passo para outro lado onde a velhice e as limitações físicas impõem os seus ritos tenebrosos e perfeitamente outonais.
Mas que sábado! Meti-me no carro e acabei inesperadamente na albufeira. Só. Chuva intensa. Abertas ocasionais com o sol a piscar entre as negras nuvens mijonas. Sábado, chuva e sol ao mesmo tempo. Um espetáculo belo tendo por horizonte a toalha de água. Foi então que me lembrei de em pequeno ouvir dizer que aos sábados, quando chovia e fazia sol ao mesmo tempo, era porque as bruxas estavam a pentear-se. E comecei a imaginar as minhas bruxinhas de antigamente a enfeitarem-se. Mas não aquelas bruxas velhas, cabelos desgrenhados, narizes aduncos e verrugosos, sem incisivos e dentes cobertos de tártaro, e unhas negras dobradas em garra. Não! Eu sempre consegui imaginar bruxinhas com outras formas, lindas, graciosas, dentaduras perfeitas, cabelos soltos e doirados. Quase que julguei vê-las a saltar entre as mais belas e coloridas folhagens, tamanha era agitação e o ruído que faziam.
Enfim, cada um tem o Halloween que merece...
Agora que escrevi este relato só falta ouvir - já é noite -, a canalhada a cantar à porta: - “Bolinhos e bolinhós, Para mim e para vós, Para dar aos finados, Que estão mortos enterrados.”
Já tenho as moeditas prontas!
3 comentários:
Pensei que a garotada dissesse “Travessuras ou gostosuras” equivalente ao “trick or treat” : )
Esta semana li que nos Estados Unidos, creio que no ano passado, vendeu-se qualquer coisa como 43 mil toneladas de abóbora e que as guloseimas continuam a ser um negócio muito rentável, por volta dos 7 mil milhões de dólares! Não admira que os dentistas façam “pipas de dinheiro”!
Os sectores religiosos, preocupados com o impacto que as bruxas, os vampiros, os monstros possam ter na criançada, não vão poder fazer absolutamente nada para eliminar esta tradição já há muito enraizada nos países do continente norte americano, assim como nada conseguiram fazer contra os livros de J.K. Rowlinge os filmes que se seguiram. Há sempre fundamentalistas em qualquer sector...
Espero, caro Prof., que a sua bolsa das moedinhas tivesse ficado mais leve...
A primeira vez que vi festejos da noite das bruxas foi nos Estados Unidos, há duas décadas atrás, cá não se falava disso, pelo menos em Lisboa. Mas entretanto a globalização fez das suas e ontem fui a um casamento em que, depois da meia noite, os jovens amigos dos noivos fizeram aparecer abóboras, chapéus de bruxa e enfeites pretos por todo o lado, é caso para dizer que não quiseram perder nenhum festejo, foi um verdadeiro dois-em-um mas, se a festa convocou os espíritos dos mortos que lhes eram queridos, só podem ter vindo mais bênçãos para o casal.
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