A Pressão dos mercados
Emprestem-me palavras para o poema; ou deem-me
sílabas a crédito, para que as ponha a render
no mercado. Mas sobem-me a cotação da metáfora,
para que me limite a imagens simples, as mais
baratas, as que ninguém quer: uma flor? Um perfume
do campo? Aquelas ondas que rebentam, umas
atrás das outras, sem pedir juros a quem as vê?
É que as palavras estão caras. Folheio dicionários
em busca de palavras pequenas, as que custem
menos a pagar, para que não exijam reembolsos
se as meter, ao desbarato, no fim do verso. O
problema é que as rimas me irão custar o dobro,
e por muito que corra os mercados o que me
propõem está acima das minhas posses, sem recobro.
E quando me vierem pedir o que tenho de pagar,
a quantos por cento o terei de dar? Abro a carteira,
esvazio os bolsos, vou às contas, e tudo vazio: símbolos,
a zero; alegorias, esgotadas; metáforas, nem uma.
A quem recorrer? Que fundo de emergência poética
me irá salvar? Então, no fim, resta-me uma sílaba - o ar -
ao menos com ela ninguém me impedirá de respirar.
Nuno Júdice
7 comentários:
Excelente Nuno Júdice, excelente Suzana Toscano que este poema nos trás.
Sem dúvida um estabilizador automático a bem da nossa prostração e tristeza de sentirmos que estes governos tiram-nos a imaginação, a capacidade, a vontade, o sonho... transformando tudo em "despesa" (nem todo o custo tem a dimensão que se lhe pretende dar!).
Fantástico. E com tantas leituras possíveis, desde as metafóricas mais "caras à economia", às metafóricas "menos ensinadas nas escolas"...É de quando este poema?
Muito inspirador, Suzana. Com múltiplas aplicações, fantástico. Não estou assim tão segura que a única sílaba - o ar - esteja a salvo. Qualquer dia ainda vamos ter que pagar pelo ar que respiramos!
caro P.A.S., tem razão, às vezes parece mesmo que não há espaço para mais nada!
Ana Rita, creio que é uma poesia inédita, pelo menos foi assim que Nuno Júdice a apresentou quando a leu no Café Poesia, em Belém, no dia da poesia, encontrei-a num link para o JL.
Ai, ai, Margarida, o melhor é lermos coisas bonitas em vez de gastar os olhos nas notícias económicas, é pelo menos uma forma agradável de inspirar um pouco de ar puro. E se temos bons poetas, mesmo os mais novos, há poemas lindissimos.
É tudo mercado, ratings e quejandos!, sobra apenas uma sílaba!. Gostei.
Cara Suzana:
Lindo poema. Mas o poeta tem muitas sílabas, sílabas bem infinitas. A poesia canta a alegria e a angústia, o prazer e a dor, a desilusão e o amor. Sublima a paixão e grita a inacção, exalta o bem e sobressalta-se com o mal; é espírito, inspiração, deleite para os sentidos, é rima, é ritmo, é vida.
Assim a economia tivesse a mesma inspiração, caro Pinho Cardão :)
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