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terça-feira, 27 de março de 2012

A Pressão dos mercados (Poema de Nuno Júdice)

A Pressão dos mercados


Emprestem-me palavras para o poema; ou deem-me

sílabas a crédito, para que as ponha a render

no mercado. Mas sobem-me a cotação da metáfora,

para que me limite a imagens simples, as mais

baratas, as que ninguém quer: uma flor? Um perfume

do campo? Aquelas ondas que rebentam, umas

atrás das outras, sem pedir juros a quem as vê?

É que as palavras estão caras. Folheio dicionários

em busca de palavras pequenas, as que custem

menos a pagar, para que não exijam reembolsos

se as meter, ao desbarato, no fim do verso. O

problema é que as rimas me irão custar o dobro,

e por muito que corra os mercados o que me

propõem está acima das minhas posses, sem recobro.

E quando me vierem pedir o que tenho de pagar,

a quantos por cento o terei de dar? Abro a carteira,

esvazio os bolsos, vou às contas, e tudo vazio: símbolos,

a zero; alegorias, esgotadas; metáforas, nem uma.

A quem recorrer? Que fundo de emergência poética

me irá salvar? Então, no fim, resta-me uma sílaba - o ar -

ao menos com ela ninguém me impedirá de respirar.


Nuno Júdice

7 comentários:

(c) P.A.S. Pedro Almeida Sande disse...

Excelente Nuno Júdice, excelente Suzana Toscano que este poema nos trás.
Sem dúvida um estabilizador automático a bem da nossa prostração e tristeza de sentirmos que estes governos tiram-nos a imaginação, a capacidade, a vontade, o sonho... transformando tudo em "despesa" (nem todo o custo tem a dimensão que se lhe pretende dar!).

Ana Rita Bessa disse...

Fantástico. E com tantas leituras possíveis, desde as metafóricas mais "caras à economia", às metafóricas "menos ensinadas nas escolas"...É de quando este poema?

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Muito inspirador, Suzana. Com múltiplas aplicações, fantástico. Não estou assim tão segura que a única sílaba - o ar - esteja a salvo. Qualquer dia ainda vamos ter que pagar pelo ar que respiramos!

Suzana Toscano disse...

caro P.A.S., tem razão, às vezes parece mesmo que não há espaço para mais nada!
Ana Rita, creio que é uma poesia inédita, pelo menos foi assim que Nuno Júdice a apresentou quando a leu no Café Poesia, em Belém, no dia da poesia, encontrei-a num link para o JL.
Ai, ai, Margarida, o melhor é lermos coisas bonitas em vez de gastar os olhos nas notícias económicas, é pelo menos uma forma agradável de inspirar um pouco de ar puro. E se temos bons poetas, mesmo os mais novos, há poemas lindissimos.

jotaC disse...

É tudo mercado, ratings e quejandos!, sobra apenas uma sílaba!. Gostei.

Pinho Cardão disse...

Cara Suzana:
Lindo poema. Mas o poeta tem muitas sílabas, sílabas bem infinitas. A poesia canta a alegria e a angústia, o prazer e a dor, a desilusão e o amor. Sublima a paixão e grita a inacção, exalta o bem e sobressalta-se com o mal; é espírito, inspiração, deleite para os sentidos, é rima, é ritmo, é vida.

Suzana Toscano disse...

Assim a economia tivesse a mesma inspiração, caro Pinho Cardão :)