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terça-feira, 23 de outubro de 2012

FMI: Reflexões de 1/3 da Troika *


No seu mais recente World Economic Outlook (WEO), o FMI, numa caixa assinada pelos economistas Olivier Blanchard (economista–chefe da instituição) e Daniel Leigh, coloca em causa a avaliação até agora conhecida do impacto das políticas de austeridade sobre a economia. Em média, até aqui, os cálculos – baseados nas observações das três décadas terminadas em 2009 – apontavam para que o efeito directo (de curto prazo) de cada euro de austeridade adicional reduzisse o PIB em meio euro. Ou seja, uma redução do défice público de 1% do PIB provocaria um efeito recessivo de 0.5%: o “multiplicador orçamental” de curto prazo consensual era 0.5.
Porém, com base nos resultados obtidos em 2010-2011, o FMI conclui que, afinal, o multiplicador orçamental pode não ser só de 0.5 – antes situar-se-á entre 0.9 e 1.7. Ou seja, desde a “Grande Recessão”, cada euro adicional de austeridade tem um efeito recessivo entre 0.9 e 1.7 euros sobre a economia. Tomando o ponto médio deste “novo” multiplicador (1.3), e simplificando, o efeito de curto prazo das medidas de austeridade é quase três vezes maior do que anteriormente se estimava. Um desvio… colossal. E a caixa do WEO conclui que estes cálculos são consistentes com investigação científica (research) recente, que aponta para multiplicadores orçamentais superiores a 1 na conjuntura em que hoje vivemos, de crescimento económico baixo e em que a política monetária se encontra limitada pelo nível zero para as taxas de juro (nominalmente, não podem ser negativas…).
Complementando esta análise, um dos artigos referido nesta caixa do WEO, publicado também recentemente com a chancela do FMI, da autoria dos economistas Nicoletta Batini, Giovanni Callegari e Giovanni Melina e intitulado Successful Austerity in the United States, Europe and Japan, levanta outras questões e dúvidas sobre o efeito da austeridade na economia. Refiro aqui brevemente três, que me parecem relevantes:
- A informação mais recente (2010-2011) sugere que planos de consolidação orçamental mais agressivos no início (frontloading, para evitar a chamada “fadiga da austeridade”) têm efeitos recessivos mais duros e prolongados do que uma consolidação gradual. Por outras palavras, reduzir o défice orçamental em 0.5% do PIB durante 4 anos terá custos menores para a economia (e produzirá melhores resultados na redução do endividamento público) do que cortar 2% do PIB num único ano;
- Os autores lançam, assim, a dúvida sobre a inevitabilidade de uma consolidação rápida para restaurar a confiança dos mercados financeiros. Porque, sustentam, como a consolidação produz resultados piores que os desejados (em muitos casos, com aumento a médio prazo do rácio da dívida pública face ao PIB), acabará por agitar os mercados em vez de os acalmar (como se pretendia). Com a consequente venda de títulos de dívida pública do país em questão e a indesejável subida dos juros.
- Nas circunstâncias – recessivas – em que vivemos, os autores questionam se, como a literatura científica e a evidência empírica até agora sugeriam, as consolidações orçamentais mais baseadas no corte da despesa produzem melhores resultados do que outras, mais equilibradas entre reduções da despesa e aumentos de impostos. Isto porque os cálculos agora efectuados mostraram multiplicadores da despesa pública de maior dimensão do que os multiplicadores fiscais.
Em resumo, a mensagem deste paper é que, numa conjuntura como a actual, um ajustamento orçamental gradual, com uma composição equilibrada entre cortes na despesa e aumentos de impostos pode aumentar a probabilidade sucesso (isto é, de obter menores rácios de dívida pública face ao PIB).
A questão por detrás quer das conclusões da caixa do WEO, quer deste artigo com chancela do FMI, parece, pois, saber se a alteração das condições económicas a nível global com a “Grande Recessão” é duradoura e estrutural – colocando em causa as políticas e os resultados anteriormente obtidos, e que até aqui fizeram escola –, ou temporária. Os próprios autores afirmam que, em virtude de o período de análise ser bastante curto, análises posteriores são fundamentais para o confirmar (ou não). Mas o que me parece ser já evidente é que estes estudos não podem deixar de nos fazer reflectir(1).
Como se viu, o FMI já o começou a fazer – tendo a sua directora-geral, Christine Lagarde, referido que “às vezes, é melhor ter um pouco mais de tempo” e que pode ser “muito mais apropriado aplicar as medidas e deixar os estabilizadores [automáticos] operarem", defendendo implicitamente que se tenha tempo para avaliar o impacto das medidas de austeridade tomadas. Mas o FMI representa 1/3 da Troika. É, pois, essencial que os restantes 2/3 (Comissão Europeia e BCE, sob a batuta alemã) também reflictam. Para maximizar a probabilidade de os indispensáveis processos de ajustamento em curso na Europa terem o sucesso que todos desejamos.
_____________
(1) Também a quem, como eu, é defensor do supply-side economics, e continua a acreditar que sistemas fiscais simples e competitivos são peças estruturais fundamentais para o crescimento económico e sustentado. E que, como defensor da livre iniciativa e da liberdade individual, continua a preferir ajustamentos orçamentais baseados maioritariamente na despesa pública (que a literatura científica e a evidência empírica têm sugerido como opção mais adequada).

* Publicado no Jornal de Negócios em Outubro 23, 2012.

6 comentários:

Gonçalo disse...

Faltará um elemento determinante nos modelos. O peso da Ásia no mercado comercial mundial. Perdemos e não vamos recuperar uma enorme parte da produção mundial. Com ela, perdemos trabalho e riqueza.
Neste enquadramento, nem poderemos falar de crescimento mitigado. Temos que assumir a perda incontornável.
Mas precisamos de conter a perda ao máximo, nem que seja para salvaguardar uma sociedade mais pobre mas equilibrada.

http://notaslivres.blogspot.pt/2012/10/estamos-mal-precisamos-de-luz-ao-fundo.html

Der Wanderer disse...

Não podia estar mais de acordo, Miguel.

JMR

Tonibler disse...

Caro Miguel e vai-me desculpar a pergunta por não ser economista, mas austeridade é o quê?... :)

Eu tenho um sistema onde meti uma sonda, sonda essa que mede o dinheiro que troca de mãos dentro das fronteiras do sistema e retira/adiciona a perdas/ganhos de/para o exterior. E chamo-lhe PIB.
Austeridade é o quê? Tirar dinheiro desse sistema para o passar para fora? O multiplicador é 1. É parar de meter dinheiro para dentro por via de impressão ou do amigo alemão? 1.

Que sentido é que faz relacionar o balanço de um hub de passagem do dinheiro com a sonda que me calcula do fluxo total???

jotaC disse...

Excelente post. Os 2/3 da troika inevitavelmente terão de mudar de estratégia, não por peninha dos caloteiros do sul, mas porque as economias mais fortes precisam de escoar a produção...

manuel.m disse...

Esse "mais tempo" que Lagarde advoga e a Grécia implora quanto custará à bolsa dos Alemães ? (Ou como é facil ser generoso com o dinheiro dos outros...).
manuel.m

(c) P.A.S. Pedro Almeida Sande disse...

Um governo, dois sistemas. Teria sido não fácil, mas possível, antes de impor uma austeridade cega, com um esforço quase total sob o lado da receita, acrescido a um discurso de recessão de queda de confiança generalizada, ter invertido este rumo de destruição PIB-receitas fiscais.
Muito bem MF e para quem vem avisando que este não era o caminho. Se este orçamento for aprovado e se para o ano não se fizer um esforço do lado da renegociação do ministério dos juros não será 2% a queda do PIB, mas 3% ou mais.