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quarta-feira, 3 de julho de 2013

O PR bombeiro


É normal que nos momentos de crise política em que se coloca a questão da subsistência dos mandatos dos órgãos de soberania, se discuta sobre as saídas constitucionais para a situação. O que julgo verdadeiramente patológica é a pluralidade de opiniões sobre o que a Constituição dispõe, em especial sobre o papel do Presidente da República.
Há uns anos assinei, com o meu Amigo e Colega Ricardo Leite Pinto, um texto que deu origem a um livrinho sobre o sistema português publicado pelo INA, onde depunhamos sobre as vestes de bombeiro (a locução é do Professor Gomes Canotilho) que nestes momentos o PR deve envergar. Esse depoimento continua, a meu ver, atual e corresponde, ainda que se respeitem melhores opiniões, à vontade do legislador constituinte que se revela pela letra das normas constitucionais, lida numa perspetiva sistémica como tem de ser. Aqui deixo uma parte:

"(...) é no capítulo respeitante às patologias terminais do Governo que a Constituição destaca o papel da Assembleia e do Presidente. No que tange à sua subsistência, o Parlamento tem duas importantes armas: pode o Governo solicitar à Câmara a aprovação de um voto de confiança sobre uma declaração de política geral ou sobre um qualquer assunto de interesse nacional ou a Assembleia votar uma moção de censura sobre a execução do programa do Governo ou outro assunto de interesse nacional. A não aprovação da primeira e a aprovação da segunda por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções levam à demissão do Governo (artos 193°, 194º e 195° al. e) e f)).
Do lado do Presidente da República a Constituição confere-lhe também o poder de demitir o Governo. Contudo, acrescenta que aquele só o poderá fazer "quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado" (art.195º n. 2). A fórmula constitucional é de difícil densificação e parece apontar para a existência de situações de facto graves que não tenham outra solução constitucional que não pela via da demissão do Governo. A doutrina discute se tais situações excluem as eventuais quebras de confiança política entre o Presidente e o Primeiro-Ministro. Alega-se em defesa dessa tese que existe autonomia política do Governo perante o Presidente, o que significa não existir solidariedade política entre o Presidente e o Primeiro-Ministro e que o Governo não conduz urna política do Presidente, consagrando-se uma clara autonomia entre o Presidente e o Governo na condução da política geral do país, que compete a este último.
É verdade que o referido princípio da autonomia governamental está bem patente na nossa Constituição. Mas daí não pode retirar-se, só por si, a afirmação de que o poder de demissão exclua toda e qualquer quebra de confiança política do Presidente no Primeiro-Ministro. Ao menos nas situações antes referidas dos governos de iniciativa presidencial, a hipótese da quebra de confiança política não é de excluir, podendo a mesma gerar, por natureza, uma situação de irregular funcionamento das instituições democráticas.
Em todo o caso o único juiz do referido dispositivo constitucional é o Presidente da Republica, e é a ele e só a ele que compete avaliar caso a caso a verificação das referidas circunstâncias.
(...)"

9 comentários:

Anónimo disse...

Interessante post, caro Ferreira de Almeida e muito oportuno porque andava em busca da oportunidade para perguntar-lhe algo. Pode o Presidente forçar um governo técnico como aconteceu em Itália? Isto seria exequivel em Portugal? Ou um governo de bloco central? Ou seja, essencialmente a pergunta é se o Presidente, sem novas eleições, pode forçar um governo que tenha alguma garantia de estabilidade e possa governar o país por mais um tempo.

Rui Fonseca disse...

Como de consitucionalista todos devemos ter um pouco, parece-me que

não se encontrando esgotadas as duas saídas previstas na Constituição - moção de confiança e moção de censura - o PR não deve tomar a iniciativa de dissolver a AR e convocar eleições antecipadas.

Mas pode, e deve, do meu ponto de vista, tentar aquilo que não tentou antes de dar posse a este governo, (como não tentou antes de dar posse ao governo minoritário de Sócrates): pressionar os partidos que subscreveram o memorando com a troica a integrarem e suportarem na AR um governo para enfrentar a crise.

Se o não tentar, falhará imperdoavelmente, pela terceira vez.

Se tentar e falhar, deve informar claramente os portugueses das diligências feitas e dos resultados parcelares obtidos, e das mais que previsíveis consequências resultantes dessa falha.

Anónimo disse...

"Forçar" é um termo que eu não utilizaria. Pode utilizar o seu poder de influência junto dos partidos políticos com expressão parlamentar para encontrar uma solução governativa estável e minimamente consistente. A Constituição manda atender aos resultados eleitorais para a indigitação do PM (resultados das últimas eleições, e não das que muitos analistas ficcionam, antecipando resultados de um sufrágio inexistente)e, por isso, a primeira solução passará naturalmente por tentar a constituição de um Executivo encarregando personalidade do partido mais votado para as diligências destinadas à constituição de uma equipa governamental que, à volta de um denominador programático comum, reuna o maior consenso parlamentar.
Não sendo possível, eu sou de opinião que nada na Constituição - nem a regra do atendimento aos resultados eleitorias - afasta a possibilidade de ser indigitado personalidade escolhida pelo PR, desde que obtenha o consenso do(s) partido(s) mais votados e a garantia de que será apoiado por uma maioria parlamentar como é constitucionalmente indispensável.
Mas o quadro constitucional, permitindo isto, tem de encaixar as circunstâncias de cada crise e atender ao mapa da representação parlamentar, à capacidade e responsabilidade dos lideres políticos e também, o que é decisivo, ao prestígio do Chefe do Estado de onde lhe vem o essencial da autoridade para influenciar uma solução que encontre respaldo no parlamento.

Anónimo disse...

Obrigado! :) Já agora uma pergunta adicional. Pode o Presidente da Républica assumir também a chefia do governo? Ressalvando, claro, o apoio parlamentar que explicou na sua resposta. Ou seja, com o apoio da assembleia, pode o Presidente da Répulica ser também chefe do governo?

Anónimo disse...

Não, meu caro Zuricher. Diferentemente de outros sistemas semi-presidenciais (como o francês) as funções de Chefe do Estado e chefe do Governo estão separadas e não podem ser confundidas por via da titularidade dos cargos e do exercício de competências. Por isso o apelo que por vezes se faz para que o PR tome esta ou aquela medida no âmbito das política geral do País não tem qualquer sentido no quadro constitucional atual.
O PR pode, porém, presidir ao Conselho de Ministros, mas só se o Primeiro Ministro lho solicitar, sem que, mesmo nessas circuntâncias, se possa dizer que assume a liderança do Executivo.
O nosso figurino constitucional quis o PR como árbitro do jogo político. Ora, o árbitro não joga sob pena de deixar de o ser.

Tonibler disse...

Que bom, quer dizer que isto se vai resolver com o Cavaco? Muito mais descansado. Desta vez também vem a senhora de Fátima ou vai-se fazer sem a incomodar?

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

José Mário
Obrigada pelos esclarecimentos. É que paira uma grande nuvem sobre o assunto e as interpretações já começaram. À total confusão e desinformação vai um passinho...

Anónimo disse...

Penhorados agradecimentos, take 2. :)

Bmonteiro disse...

Vai resolver-se com Cavaco, como foi sendo resolvido por todos os PR depois de Eanes.
Com o sucesso que está à vista.
Enquanto com o General se estava a começar, a experiência subsequente, já devia ter levado a uma clarificação.
Agua ou vinho?
Semi-nada ou híbrido genético?
Rainha de Inglaterra (ou Itália), ou Rei de França?
Very peculiar people.
No palácio de Belém, uma corte de assessores e um governo sombra, visto de perto em 1980-83, zelam pelos indígenas.