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sexta-feira, 27 de janeiro de 2006
Mas, se tu me cativas...
A vida moderna está centrada no combate ao sofrimento. Tudo nos impulsiona para viver melhor, prevenir as doenças, passear e gozar a vida, combater o stress, evitar o desgaste….
A mentalidade do sacrifício deu lugar à afirmação do direito a viver bem,a aproveitar com qualidade uma existência longa, saudável e feliz.
Mas esta tendência para nos defendermos de tudo o que possa perturbar este ideal de vida também pode trazer alguns amargos de boca.
No caso dos afectos, por exemplo, este reflexo traduz-se num crescente egoísmo, quando não mesmo num isolamento escolhido como forma de evitar desilusões.
Ouvi em pouco tempo três casos que me chamaram a atenção para isto: uma mãe que instigava o filho para não se apaixonar “porque isso só te vai trazer desgostos”; uma neta que não queria ir visitar o avô doente, com medo do desgosto que teria se ele morresse; um homem que não queria comprar um cão porque inevitavelmente “se ia afeiçoar ao animal” e isso lhe ia criar dependências. Três casos tão diferentes com a mesma raiz – o medo de sofrer a sobrepor-se ao prazer de amar plenamente, de se entregar a um afecto.
O calculismo egoísta a bloquear o impulso de cativar e ser cativado, como se a felicidade fosse um bem vazio e estéril.
E, de repente, as pessoas olham e não lhes falta nada, compram tudo o que cobiçam, vão onde lhes apetece, nada as tolhe. Mas sentem-se infelizes, deprimidas, sem vestígio de paixão porque se tornaram avarentas de si próprias. Guardam-se de tudo o que as possa afectar e esquecem-se de que não há amor, nem amizade, nem interesse, sem compromisso, sem que uma parte de quem gosta fique nas mãos do objecto do seu sentimento.
Esquecem-se também que a felicidade não é a ausência de qualquer tipo de sofrimento, antes é muitas vezes o prazer de ser capaz de prescindir de si próprio a favor de algo que vale a pena. Correndo o risco de a perder, sem dúvida, mas ganhando a cada momento o prazer de a ter tido.
"(...)E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás pra mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo...
(…)- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Os homens esqueceram a verdade, disse a raposa. "
Antoine de Saint-Exupéry, O Principezinho
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3 comentários:
Suzana, eis um post verdeiramente estimulante. No meio deste frenesim que é a vida de cada um de nós, é bom que haja quem, de vez em quando e desta forma, nos confronte com algumas verdades que intuímos mas que nem sempre estamos dispostos a aceitar.
Vale sempre a pena fazer uma pausa e vir á 4R. Desta vez valeu particularmente a pena.
A personalidade humana está preparada para levar de tempos a tempos com desaires e sofrimento. São agressões, claro, mas sem as mesmas nada feito. Fugir às mesmas nada leva a lado nenhum, ou melhor até leva, leva ao um sofrimento atroz sem saborear a beleza da vida...
Cada vez aprecio mais a beleza dos seus escritos.
Um beijo amigo.
Caros amigos, é um prazer partilhar convosco estas divagações sobre questões que nos preocupam mas às quais acabamospor dar muito pouca atenção.O talento é do auditório,como sempre.
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