O Portugal de brandos costumes, de pessoas simpáticas, hospitaleiras com ocasionais rasgos de altruísmo e solidariedade esconde um outro, escuro, obtuso e muito nefasto.
A emergência desta face oculta tem vindo a revelar-se sob múltiplas formas: escândalo da pedofilia, violência doméstica, agressão e maus tratos aos velhos, exploração dos pobres incautos que caiem como tordos no conto de vigário, “pequena” grande corrupção, compadrio e nepotismo escandalosos, agressão e maus tratos às crianças, como revelou o recente caso do bebé de Viseu. O conhecimento de que estes casos – violência sobre crianças – serem muito mais comuns do que se pensava é particularmente preocupante. A percepção destas situações tem originado, e bem, a constituição de comissões destinadas a preveni-las e a detectá-las o mais precocemente possível. Mas, em termos práticos, as coisas não correm como esperávamos e, volta e não volta, aparecem casos verdadeiramente repugnantes. A comunicação social, na sua douta missão, encarrega-se de proceder à divulgação dos factos impregnando-os de forma a explorar ao máximo o sentimentalismo das pessoas, como se os casos em si não tivessem a dose mais do que suficiente para causar transtornos em qualquer um de nós. Focam de imediato as autoridades responsáveis pedindo-lhes explicações para os fenómenos interpelando-as porque razão ou razões não impediram os acontecimentos. A forma como o fazem nem sempre é a mais correcta. Com uma sobranceria a raiar muitas vezes a arrogância, os jornalistas interpelam os responsáveis que, meios atarantados, revelam dificuldades em lidar com a situação. As responsabilidades podem, em muitas circunstâncias, serem reais, mas é preciso ir mais longe. As atitudes dos governantes e da comunicação social podem ser consideradas como correctas e de nível elevado como se vivêssemos no país mais evoluído do planeta ou até do sistema solar. Mas a realidade não é essa. As pessoas que fazem parte das comissões, na sua esmagadora maioria, não têm formação, nem meios para executarem as suas nobres funções. Muitas delas, estou perfeitamente convicto, são pessoas com elevado sentido cívico e vontade de ajudar o próximo. O facto de poderem ser envolvidas em circunstâncias nada agradáveis, quer sob o ponto de vista de exposição pública – sinónimo, muitas vezes, de condenação – mas igualmente a procedimentos disciplinares e até criminais vai provocar um afastamento de muitas pessoas agravando ainda mais a situação.
A frase de um juiz a este propósito é muito elucidativa, antes chegavam-lhe às mãos as certidões de óbito das crianças, que foram, entretanto, substituídas por queixas de maus-tratos. Deus queira que não recomeça a receber novamente certidões de óbito.
Os relatórios deviam focar, também, outros tipos de apuramentos de responsabilidades, nomeadamente as de carácter político. Espero que o Ministério Público ao receber o relatório enviado pelo Governo não se esqueça de chamar os altos decisores paralelamente aos angustiados e provavelmente aterrorizados técnicos aos quais está garantida uma longa e penosa caminhada processual.
4 comentários:
Apesar de não ser admissível uma caça às bruxas; se bem que é inquestionável que há muita gente dedicada e sensível nas comissões; sem pôr em dúvida que a grande responsabilidade recai, sobretudo, nos responsáveis que não viram (ou se viram, fizeram vista grossa) que o sistema, tal como está montado, é ineficaz e ineficiente, parece-me que o discurso da falsa compreensão, induzido por este "vírus" do politicamente correcto que nos atingiu a todos é o que de pior pode acontecer neste momento.
Caros Massano Cardoso e Pinho Cardão, não é este o vosso caso, mas há reacções, a raiar a cobardia, que custam a suportar, como a reacção timorata e parelisante de Leandro, ou a indigência da análise do ministro da tutela. Não se pede sangue, nem perseguição, pede-se que se avalie, se reformule, se forme, se acompanhe, se volte a avaliar. Quer-me parecer que a vossa atitude, se bem que aos mais distraídos possa afigurar-se idêntica, na substância não tem nada a ver com a daqueles responsáveis, que até parecem incomodados por se ter tocado no vespeiro em que as CPCJ se tinham tornado.
Coragem, firmeza, determinação e muito bom senso são as qualidades que deveriam imperar. Sobretudo, não confundir bom senso com acomodação. A ver vamos como vão agir os responsáveis.
Subscrevo inteiramente o comentário de Crack.Não devemos ir, uma vez mais, atrás destes sensacionalismos do costume, lá vêm os inquéritos a atirar com a responsabilidade, lá vêm as medidas "urgentes" para aligeirar" os processos, é claro que Massano Cardoso e Pinho Cardão têm plena razão quando se insurgem contra esta hipocrisia que deixa marcas nos que tentaram fazer bem a sua função sem, provavelmente, terem as necessárias condições. Mas também é verdade que as comissões existem e que por isso têm que dar resposta a casos como este. É impressionante ver a descrição cronológica dos acontecimentos na curta vida do bebé, fica a sensação de que só não acontece mais vezes porque não calha. Se há alguma coisa a mudar, mude-se, o que não se pode é fingir que este assunto está entregue, que alguém olha por estes casos, e depois se vem a descobrir que não podem fazer mais do que pôr o "caso" a circular de uns lados para outros. É injusto para quem trabalha numa área tão difícil,por isso não se pode acusar levianamente, mas que há que corrigir o que está mal, isso sem dúvida.
Quero discordar e concordar com todos. Quero lembrar que há n boas decisões que não são notícia e que essas decisões são, invariavelmente, passíveis de erro.
Não faço a menor ideia de quantas são as boas de decisões e as más decisões. Mas temos que ter alguma frieza nestas coisas e admitir que x em cada y crianças vão ter que morrer por maus tratos para que z em cada y possam ser criadas junto das suas famílias. Meter as y num orfanato garante a menor taxa de maus tratos. É isso que queremos? Não, não é esse o objectivo. Pelo que, se calhar, devemos ir com calma nestas coisas e não puxar por um politico imbecil que a primeira coisa que vai fazer é tomar medidas. E disso tenho muito mais medo.
Totalmente de acordo, Pinho Cardão, é até descarado..
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