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terça-feira, 31 de janeiro de 2006

Quarentena

Mesmo antes de se conhecer a etiologia infecciosa de algumas doenças já se tomavam medidas de carácter preventivo. Aquando da epidemia da peste negra, que assolou a Europa no século XIV, foram tomadas as primeiras medidas de controlo. Foi em Rogusa, em 1377, que se aplicou a primeira medida obrigando os viajantes a aguardarem dois meses antes de entrarem na cidade. Mas a lei conhecida pela Lei da Quarentena foi estabelecida na cidade de Marselha em 1383.
Nos nossos dias, as autoridades sentem-se na obrigação de aplicar medidas de isolamento e de quarentena com o fito de travar ou minimizar os efeitos de uma epidemia. Foi o que aconteceu em 2003 com a chamada pneumonia atípica e agora vêm propor que se apliquem igualmente na próxima pandemia da gripe.
Portugal dispõe de um plano de contingência que vem sido anunciado e publicitado de tempos a tempos. Agora surgem, veiculadas pela imprensa, mais algumas medidas tais como: criação de clínicas especificas para casos suspeitos de gripe, rede laboratorial apropriada ao diagnóstico do vírus, a distribuição controlada de tratamento, medidas de quarentena e internamento compulsivo.
Como e onde é que vão ser criadas as tais “clínicas”? O que fazer, segundo as estimativas mais optimistas, com 25% da população atingida e 33.000 indivíduos com necessidade de internamento? Onde é que vão ser internados? Claro que nem todos adoecem ao mesmo tempo, mas, mesmo assim, desconfio que não haverá camas pelo país fora para absorverem todos os casos. Dizem os peritos que, na tal melhor das hipóteses, o número das consultas médicas atingirá os 1,4 milhões! As medidas de quarentena e de isolamento constituem duas medidas clássicas de controlo das epidemias. O isolamento é muito provavelmente uma medida desejável em termos de saúde pública, mas a quarentena é mais controversa. As razões são fáceis de explicar: a quarentena de massas populacionais inflige custos significativos de natureza social, psicológica e económica. Os modelos probabilísticos permitem-nos determinar quais as condições em que podem ser úteis. Os resultados demonstram que o número de infecções evitadas (por cada indivíduo infectado) através do uso da quarentena é muito baixo desde que o isolamento seja mesmo eficaz, aumentando de uma forma abrupta caso a eficiência do isolamento diminua. Quando o isolamento falha, a aplicação da quarentena está recomendada e é benéfica, desde que o período de transmissão assintomática não seja muito curto ou muito longo.
Mas quem vai aplicar as medidas de quarentena? As autoridades, claro, com base em legislação adequada. Como é que vai ser a preparação das mesmas? E como se auto controlam em termos de contactos suspeitos? O que acontecerá às pessoas impedidas de se movimentarem em caso de contactos com casos suspeitos? Quem é que lhes assegurará a subsistência e os respectivos rendimentos? Os que são funcionários por conta de outrem poderão não ter problemas, mas os outros? O estado garantirá esses direitos?
O plano de contingência tem objectivos concretos, mas não deixa de levantar alguns problemas que poderão ser graves. Não podemos esquecer que o vírus da gripe tem uma capacidade notável de se propagar e, muito provavelmente, não se intimidará com as medidas anunciadas.
A propósito do internamento compulsivo não vejo que um cidadão atacado de uma verdadeira gripe se oponha a ser tratado. A gripe é uma daquelas situações em que qualquer ser humano se sente verdadeiramente miserável. “Heróis” na gripe? Nem um. Coitados do Hércules e do Sansão se apanhassem uma gripe…

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