Número total de visualizações de páginas

segunda-feira, 24 de abril de 2006

Ainda um Depoimento-As faltas dos deputados

Na anterior Legislatura, o então Presidente da Assembleia da República quis estabelecer novas regras, mais rígidas, em matérias de faltas de deputados. Por detrás das palavras formais de louvor à iniciativa, houve um “levantamento” significativo contra o "tempo" e o "modo", bem patente nas discussões que se seguiram.
Lembro-me que procurei dar o meu contributo e fi-lo oralmente e por escrito. A grande questão para mim nem se colocava nas ausências do Plenário, mas na hipocrisia de que todo o processo se revestia e reveste.
O Parlamento só reconhece três motivos de justificação de faltas: doença do próprio, morte de familiar ou trabalho político. E quem der mais que quatro faltas injustificadas, isto é, não justificadas desse modo, perde o mandato. Acontece que o Parlamento não exige exclusividade de funções e muitos deputados mantêm-se, paralelamente, como profissionais liberais, quadros de empresas, autarcas, empresários, professores etc., mas o regulamento das faltas ignora estas situações. Nestas condições, muitos deputados faltam por razões da sua vida profissional, um advogado deputado, porque tem que defender um cliente no tribunal, um quadro de uma empresa, porque teve que se deslocar ao estrangeiro, um empresário, porque tem um encontro de negócios inadiável, um professor universitário, porque participa num júri de doutoramento…
Como também há factos estritamente ligados à vida pessoal ou familiar de cada um que poderão impedir a presença na Assembleia.
Como, para muitos, estas faltas acontecem mais que 4 vezes, todas elas são geralmente justificadas como trabalho político ou doença, de forma a não correrem o risco de perda de mandato... com a terminação de não perderem também o ordenado nesses dias...O “expediente” está universalmente aceite, pois só assim se compreende que nunca tenha havido uma perda de mandato por faltas injustificadas!...
Ora para acabar com este “sistema” de hipocrisia, propus que fosse considerada uma nova categoria de faltas justificadas, devidas a razões inadiáveis de ordem profissional ou pessoal, com um número limitado, e sujeitas, obviamente, a desconto na remuneração. O procedimento tinha duas vantagens imediatas: acabava-se com a mentira na justificação e cada falta era descontada no ordenado.
Acontece que, mal apresentada, a sugestão nem aceite para discussão foi.
Disse-me logo o Presidente, taxativamente: isso está fora de causa, a Constituição só admite três motivos e esse não está lá incluído!...
Nem confirmei se a Constituição produzira tal aborto, mas sei que, apesar do esforço presidencial, acabou por sair um Regulamento …onde só à lupa, e depois de intensa pesquisa, se adivinhavam alterações em relação às “normas” até aí vigentes!...

14 comentários:

Adriano Volframista disse...

Caro Pinho Cardão

O episódio dos deputados e os comentários apenas me recordam uma história que se passou com um amigo meu dado às "artes" orientais.
Este meu amigo, françês, considerava que tudo se podia superar pela mente e, nesta categoria incluia superar o frio.
Assim, andou durante um dia particularmente frio e com temperaturas negativas, usando apenas uma T shirt e um blusão leve. Segundo ele, não tinha frio, era psicológico....
A verdade é que apanhou uma pneumonia e passou quinze dias de molho.
Esta história dos deputados pareçe o mesmo, é uma questão de "accountability". O representante do povo apenas responde e é responsável perante o povo que o elegeu, quando esse elo se quebra, apareçem as pneumonias.
Tudo o resto, incluindo os comentários é psicologia.
Cumprimentos
Adriano Volframista

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Tonibler disse...

Por acaso acho que só por milagre um empresário ou quadro superior de uma empresa pode ser deputado, por ser incompatível. Mas posso estar enganado.

Realmente tudo isso é duma estupidez enorme. Poderá haver algo que subalternize mais os representantes do povo que obrigá-los a justificar, a terceiros, o que andam a fazer? É nisto que a lei portuguesa é desprovida de lógica. Pois se somos uma democracia, se os deputados representam o povo, então os deputados só devem, SÓ PODEM, justificar-se perante....o povo! E, logo, qualquer regulamento que estabeleça que um deputado deva justificar o que quer que seja a outros, que não quem o elegeu, viola o princípio constitucional da soberania popular. Recordo que o presidente da AR não é ninguém perante o povo, embora o seja perante o estado.

Agora venha o camarada JMFA dizer-me que o direito português tem lógica. Nem na casa 'dele'...

Anónimo disse...

Em dia de “ponte” para muitos portugueses...
Caro Pinho Cardão

Os deputados têm os mesmos fundamentos para faltarem que os demais trabalhadores, à excepção do trabalho político ou do partido a que pertencem (inerente à função). E, muito bem!
Acrescentar, à regra geral das faltas, razões inadiáveis de ordem profissional e pessoal, mesmo nas condições em que propôs, seria um pouco como “legalizar o uso da droga até determinado limite”, que é como quem diz: prevariquem mas não abusem! Nesta circunstância, estou certo, os abusos ainda seriam maiores, só que agora legitimados pela excepção.
O importante, neste caso, não é relativizar ou “legalizar” os maus comportamentos mas sim alterá-los! Os deputados têm que ser exemplares, se querem ter prestígio e autoridade democrática. Senão é o que vemos, um regabofe total. E, assim, o Povo não acredita e, naturalmente, segue o exemplo dos líderes. É o salve-se quem puder ou a lei da selva.

Ser deputado não pode ser uma actividade secundária ou cumulativa, tem que ser uma actividade principal, se não mesmo exclusiva. Os deputados, na prática, já têm uma grande flexibilidade de horário para tratar de outros assuntos…
Infelizmente o que por vezes falta a muitos deputados é grandeza de espírito, é uma visão de serviço público, à Pátria e aos Portugueses (já pareço o Manuel Alegre). Não compreendem a mensagem de Fernando Pessoa:

"Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura."

Muitos deputados são pequeninos, independentemente da altura (ou então têm um grande umbigo). São de visão curta – em alcance e abrangência (com honrosas excepções, claro está!).

Já agora, sempre lhe direi que as faltas dos deputados não são tratadas na Constituição da República Portuguesa (que se limita a remeter o assunto para a lei ordinária – art.º 155.º, n.º 2 CRP), mas sim nos art.ºs 4.º, 5.º e 8.º do seu Estatuto. E, os motivos atendíveis não são três mas muito mais (como, aliás, para os demais trabalhadores).

Anónimo disse...

Em complemento ao seu anterior Post sobre este tema: A CRP já prevê os círculos uninominais no art.º 149.º (a sua instituição em concreto depende da lei eleitora). Porém, independentemente da dimensão dos círculos eleitorais e da composição das listas, os deputados representam sempre todo o país e não os círculos por que são eleitos (art.º 152 CRP). A existência de círculos uninominais não pode, nem deve, acabar com a disciplina partidária nas votações sobre os grandes temas nacionais, que não tenham a ver com a consciência de cada deputado.
O objectivo dos círculos uninominais, por exemplo em Inglaterra, é aproximar mais os deputados dos eleitores. É obrigar os deputados a prestar contas às suas comunidades de eleição. Se existissem dois boletins de votos nas eleições legislativas, um para os círculos uninominais ou distritais e outro para os círculos regionais e nacional, o eleitor poderia, através do voto, discriminar as suas preferências pelos deputados (parcialmente) e pelos partidos.
Penso que este sistema implicaria mais responsabilidade por parte dos eleitos. Os líderes partidários teriam que passar a atender não apenas aos lóbis (lobbies) partidários mas também à sensibilidade popular.

Enfim, não será A SOLUÇÃO para os problemas de Portugal, mas talvez fosse um contributo.
Importa, isso sim, que haja uma visão estratégica para Portugal e para o desenvolvimento sustentável das suas regiões. E, se não for pedir muito, um modelo operacional.

Cumprimentos.
Félix Esménio

Anónimo disse...

Caro Tonibler

O seu conceito de “Povo”, que tem a vantagem de ser original e singular, exige uma revisão do Código das Sociedades Comerciais ou, talvez mesmo, a criação de um novo Código do Exercício Democrático…

“Povo”: Organismo responsável pelo controlo e fiscalização do desempenho de deputados, partidos e outras pessoas singulares ou colectivas eleitas por escrutínio directo. Em caso de dúvidas, sobre este conceito e a sua aplicação concreta, deve ser dirigido requerimento ao “Povo” que tratará de integrar eventuais lacunas, erros ou omissões através de plebiscito. Se a pronúncia “popular” demorar muito tempo, não hesite, faça o que lhe aprouver e depois logo se vê (ou, como diz o “Povo”, há-de ser o que Deus quiser).

Acha estranho este conceito, caro Tonibler? Não mais do que a sua visão desta anarquia que nos tolhe, ó desculpe, “democracia popular”.

Cumprimentos.
Félix Esménio

Tonibler disse...

Caro Esménio,

É o conceito de soberania popular que lhe faz confusão?

Anónimo disse...

Pausa para café…

Não, caro Tonibler, não é o conceito de soberania popular que me faz confusão, mas sim o seu conceito de "anarquia popular", algures entre a autogestão e a confusão total...
O seu conceito não é bom nem é mau, é simplesmente inviável!
A não ser que entenda que o “Povo” se deve pronunciar, em referendo, sobre as faltas dos deputados (momento de humor).
Todos temos que nos reger por normas, mesmo os representantes do Povo! É assim desde que há Estado e sociedades organizadas (ou civilizadas).
Além de que a nossa democracia não é directa ou plebiscitária mas sim indirecta ou representativa.

Adriano Volframista disse...

Ó Félix Esménio

Voçê está mesmo como o meu amigo, é tudo psicológico,.... depois admira-se se apanhar uma valente pneumonia
Cumprimentos
Adriano Volframista

Adriano Volframista disse...

Ó Félix Esménio

Voçê está mesmo como o meu amigo, é tudo psicológico,.... depois admira-se se apanhar uma valente pneumonia
Cumprimentos
Adriano Volframista

Anónimo disse...

Parece-me que já estou a ver a dobrar, será uma pneumonia?...

Tem “toda a razão” meu caro adriano volframista (volfrâmio: tipo metálico, muito duro…), mas essa história do seu amigo não tem qualquer nexo com o assunto em apreço, além de que eu não sou muito a dado a pneumonias (talvez porque gosto de agasalhos, orientais ou ocidentais, tanto me faz, desde que sejam quentes) …
Mas, às vezes, o diabo tece-as.
Deixe-se de pragas ou maldições (até porque eu há muito que fui esconjurado e vacinado) e, no caminho, aproveite e retire a cedilha à letra “c” junto das vogais (salvo se se tratar de uma marca própria ou de uma originalidade de estilo).

Tonibler disse...

Pois é, camarada Esménio, é mesmo o conceito de soberania popular que lhe faz confusão.

Oh camarada Esménio, não há uma constituição? Então explique-me lá que norma quer você arranjar que se sobreponha à constituição e ao desejo de voto, de forma que isto continue a ser uma democracia? Nem me venha com democracias disto e democracias daquilo. Ou é, ou não é! Há representantes do povo e não há cá controladores dos representantes dos povo que nunca foram eleitos para o ser. Aquilo que o Esménio queria pode chamar-lhe de democracia protolineoconstitucracia, eu chamo-lhe de tudo menos de democracia.

Folgo saber que o camarada Esménio acha que o que temos funciona mas, sem querer contrariá-lo, há dezenas de regimes em que os deputados respondem directamente ao povo. Há deputados ladrões, corruptos, cantores, tudo...Quer dizer, nos outros regimes, não no nosso, claro. Que o nosso não é cá uma anarquia popular onde essas coisas acontecem....

Anónimo disse...

Caro amigo e “camarada” Tonibler
Conversar consigo é como conversar com o caos, só que o caos não nos responde…
Mas, agora a sério, continue com os seus comentários, o “povo do 4R” precisa de estímulos.

Com estima,
Félix Esménio

Tonibler disse...

Ora, amigo Esménio, nem tudo é assim tão confuso, vai que que encontra alguma ordem nas minhas respostas.

Caro Pinho Cardão,

Porque seria admitir que há alguém hierarquicamente acima! E é esta que é a "million dolar question", há alguém acima dos deputados?

Se há, qual a sua utilidade, se não há, porque é que há uma questão de assiduidade?
Se há alguém acima dos deputados, estes são inuteis. Contrata-se alguém com capacidade legislativa real, que está lá todos os dias úteis das 9 às 5 e certamente "despacham muito melhor".

Se não há ninguém acima dos deputados, eles que respondam pelas normas do colectivo, mas não têm que responder individualmente sobre os poderes que têm, individualmente.

Se nas actuais circunstâncias o tombo seria grande ou não, não sei. Vamos experimentar?