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sexta-feira, 19 de junho de 2009

Darwin, arte e fogo.

Darwin não fez apenas revolução na ciência, mudou a forma de pensar e de analisar todos os problemas que atormentam e assediam constantemente a mente humana. Mas não ficou por aqui. Presumo que não há nenhum capítulo daquilo a que podemos chamar arte que não tenha sido influenciado pelo darwinismo. Romance, conto, poesia, filmes, novela, ficção científica, fantasia infantil, sátira, lírica, sonetos, comédia, música, escultura, pintura e sei lá que mais, não ficaram insensíveis às análises darwinianas. O impacto das suas descobertas impregnou o imaginário dos homens de cultura, muitos das quais acabaram por ser os principais reveladores dessas mensagens. Convém não esquecer que a arte é a forma mais expedita e correta para transmitir as grandes descobertas científicas.

Através da criação artística, qualquer um de nós acaba por assimilar o conceito que, de outro modo, muito dificilmente conseguiria penetrar na mente, acabando por fazer parte da essência do existir, marca de maturação da humanidade.

São inúmeras as exposições, as conferências e as iniciativas no segundo centenário do seu nascimento.

Algumas prendem-se com o impacto das teoria evolucionista nas artes visuais. Uma delas adotou como lema “Darwin e a arte”. Dentro da panóplia artística, um curto destaque para algumas das belas estatuetas de Degas, cujas faces traduzem a “expressão das emoções nos homens e nos animais”.

O registo das emoções é um dos alvos principais de qualquer artista seja através da visão, da música ou da escrita.

Não sei até que ponto houve ou não uma evolução condicionada pela arte. São vários os representantes da atividade criativa do homem desde os tempos mais remotos. Fala-se muito de evolução, mas quase sempre no sentido biológico. Resta saber se houve ou não algum impacto na esfera da arte e da espiritualidade. Às tantas até houve, mas é muito mais difícil encontrar objetivamente os artefactos dessa evolução e, sobretudo, os tão propalados elos perdidos. Do mesmo modo que falo dos efeitos da arte na evolução dos hominídeos, também poderia falar de outros aspetos que, curiosamente, e que eu saiba, não foi analisada por Darwin: o fogo.

Recentemente houve quem argumentasse e escrevesse que o fogo desempenhou um papel primordial na evolução, tão forte como a dita seleção natural. De facto, a maior, ou uma das maiores revoluções humanas, a domesticação do fogo, ocorrida há cerca de dois milhões de anos, permitiu ao homem dominar tudo e todos. O fogo alimenta, aquece, transforma, mata e salva.

As mudanças operadas na nossa fisiologia e no nosso cérebro devem muito à “culinária”. Não se sabe quem é que a inventou, se foram os homens ou as mulheres. Quem sabe se o que nos diferencia dos macacos não se deve à utilização do fogo? É curioso que o trabalho de certos antropologistas e naturalistas, caso de Claude Lévi-Strauss e de Darwin não tenham dado grande atenção ao fogo, como se os humanos pudessem passar bem ele. Claro que não! Sem o fogo não seríamos ninguém.

O fogo seduz, alimenta, purifica, mata, protege, aquece, salva, rejuvenesce. É símbolo de vida e de fertilidade. Adorado e odiado. Deus e demónio. Inspira poetas e assassinos. Deus fala através do fogo e os homens levaram muitos dos seus irmãos ao Seu encontro através das chamas.

Darwin não valorizou muito o fogo, mas o fogo valorizou muito o homem. Através do fogo o homem passou a alimentar-se de forma diferente, facto que condicionou a sua estrutura e funcionamento, nomeadamente o do cérebro. Com um cérebro maior, a apetência para outros alimentos tornou-se um imperativo, acabando por condicionar a sua evolução. No fundo, quase que se poderia reunir a uma dupla “culinária” com objetivos de alimentar o corpo e a alma. O primeiro através de alimentos cozinhados. A segunda com o fogo da criatividade e da imaginação.

Sem o fogo não somos nada...

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