Um militar de 43 anos, bem integrado e sem problemas conhecidos pelos colegas, alvejou a cabeça no posto. Deixa mulher e três filhos. Notícia do princípio da noite. Mais um suicídio. Meia dúzia de linhas a ocupar, amanhã, um qualquer canto de um jornal, o que afinal não aconteceu.
No final da manhã, jornais eletrónicos noticiaram um outro suicídio, a de um casal, no Sul do Reino Unido. Saltaram de uma falésia com o corpo do filho, dentro de uma mochila, que tinha falecido de meningite. O menino de cinco anos era tetraplégico desde há quatro anos. Os pais abandonaram os empregos para se entregarem de alma e coração ao filho. Morreu. Não suportaram a dor. Fizeram um pacto e não o abandonaram, nem em vida nem na morte. Amor do tamanho da dor.
Associei estes casos à descrição de um suicídio que me chamou particularmente a atenção. Foi na novela, “O toiro celeste que passou”, de Afonso Botelho. O autor narra com uma profundidade ímpar as reações de quatro amigos face a um infortúnio que atingiu a todos, na sequência de uma discussão sobre o amor. Reações diversas, típicas dos seres humanos. Um dos quatro amigos não aguentou a situação, não porque fosse fraco, mas, devido a ser um cultivador de princípios.
Os amigos “sabiam” que tinha a “decisão” tomada. Na narrativa afasta-se de noite da costa num barco a remos. “A Lua reinava sobre a superfície definida pela sua luz substancial e opaca, devendo tornar-se ridícula para a grande Consciência do Universo a impertinência dum minúsculo sinal negro avançado decidido para a morte”. A luz daquela noite fez desaparecer a causa da sua futura morte, e com ela desapareceram os “enfeites” dos seus amigos. Não se apercebeu do fenómeno. Bastaria por a mão na nesta. Não o fez. Dentro de água, “A força do tiro ergue-o fora de água até à cintura”. “O seu corpo hierático, que o luar envolvia pela última vez num manto de brancura, manteve-se assim num instante, como se fosse dado exemplo à Criação, a proclamar o fim do sofrimento inútil”.
Não sabia da existência, na mitologia persa, de uma pedra mágica que os crentes colocam à sua frente a fim de derramar sobre ela todos os infortúnios e infelicidades, dores e misérias. Tudo é confiado à pedra, a qual vai escutando, absorvendo todos os segredos e sofrimentos, até que um dia acaba por rachar e, a partir daí, o crente liberta-se de tudo. Ao redor deste mito, um autor afegão constrói um romance intitulado “Pedra-de-Paciência”, na qual os segredos, as angústias, os desprazeres, a raiva, a dor, os conflitos e, até, o amor de uma mulher é depositado sobre o corpo do marido que respira, apenas respira, sem interagir durante semanas, como se fosse o equivalente à “pedra-de-paciência”, escutando, escutando até rachar num final de violência imprevista e inusitada.
O militar tinha ido ao posto e acabado de falar com os seus colegas. O casal que se lançou da alta falésia deverá ter estado durante um tempo sem tempo a olhar para a extensão do horizonte.
Seja na realidade ou na fantasia, os protagonistas deste ato não encontraram a “pedra-da-paciência” para afogar sofrimentos. Bem a procuraram, mas não a conseguiram encontrar, porque colocaram-na sem saber dentro deles. A pedra ouve, ouve em silêncio, e um dia, finalmente, racha; mas em vez de libertar o crente de tudo, acaba por matar a Criação do mundo.
No final da manhã, jornais eletrónicos noticiaram um outro suicídio, a de um casal, no Sul do Reino Unido. Saltaram de uma falésia com o corpo do filho, dentro de uma mochila, que tinha falecido de meningite. O menino de cinco anos era tetraplégico desde há quatro anos. Os pais abandonaram os empregos para se entregarem de alma e coração ao filho. Morreu. Não suportaram a dor. Fizeram um pacto e não o abandonaram, nem em vida nem na morte. Amor do tamanho da dor.
Associei estes casos à descrição de um suicídio que me chamou particularmente a atenção. Foi na novela, “O toiro celeste que passou”, de Afonso Botelho. O autor narra com uma profundidade ímpar as reações de quatro amigos face a um infortúnio que atingiu a todos, na sequência de uma discussão sobre o amor. Reações diversas, típicas dos seres humanos. Um dos quatro amigos não aguentou a situação, não porque fosse fraco, mas, devido a ser um cultivador de princípios.
Os amigos “sabiam” que tinha a “decisão” tomada. Na narrativa afasta-se de noite da costa num barco a remos. “A Lua reinava sobre a superfície definida pela sua luz substancial e opaca, devendo tornar-se ridícula para a grande Consciência do Universo a impertinência dum minúsculo sinal negro avançado decidido para a morte”. A luz daquela noite fez desaparecer a causa da sua futura morte, e com ela desapareceram os “enfeites” dos seus amigos. Não se apercebeu do fenómeno. Bastaria por a mão na nesta. Não o fez. Dentro de água, “A força do tiro ergue-o fora de água até à cintura”. “O seu corpo hierático, que o luar envolvia pela última vez num manto de brancura, manteve-se assim num instante, como se fosse dado exemplo à Criação, a proclamar o fim do sofrimento inútil”.
Não sabia da existência, na mitologia persa, de uma pedra mágica que os crentes colocam à sua frente a fim de derramar sobre ela todos os infortúnios e infelicidades, dores e misérias. Tudo é confiado à pedra, a qual vai escutando, absorvendo todos os segredos e sofrimentos, até que um dia acaba por rachar e, a partir daí, o crente liberta-se de tudo. Ao redor deste mito, um autor afegão constrói um romance intitulado “Pedra-de-Paciência”, na qual os segredos, as angústias, os desprazeres, a raiva, a dor, os conflitos e, até, o amor de uma mulher é depositado sobre o corpo do marido que respira, apenas respira, sem interagir durante semanas, como se fosse o equivalente à “pedra-de-paciência”, escutando, escutando até rachar num final de violência imprevista e inusitada.
O militar tinha ido ao posto e acabado de falar com os seus colegas. O casal que se lançou da alta falésia deverá ter estado durante um tempo sem tempo a olhar para a extensão do horizonte.
Seja na realidade ou na fantasia, os protagonistas deste ato não encontraram a “pedra-da-paciência” para afogar sofrimentos. Bem a procuraram, mas não a conseguiram encontrar, porque colocaram-na sem saber dentro deles. A pedra ouve, ouve em silêncio, e um dia, finalmente, racha; mas em vez de libertar o crente de tudo, acaba por matar a Criação do mundo.
4 comentários:
Estive recentemente na Turquia, em trabalho. No castelo em Ankara, um comerciante de uma pequena loja, ofereceu-me uma "pedra contra o mau-olhado". É uma "espécie" de medalha em vidro azul e branco, com a forma de olho. Com a pedra, o comerciante ofereceu-me de uma forma sintética, a lenda que lhe está associada. Contou-me que os povos antigos, vindos de sul, ao invadirem o território hoje a Turquia, encontraram homens com os olhos azuis, coisa que, devido à sua originalidade os levou a considera-los, uma espécie de deuses e que deu origem ao "amuleto" que segundo a crença popular, afasta os maus-olhados. Guardei a medalha, que pensei imediatamente oferecer a alguem quando regressasse, porém, não o fiz ainda, algo me faz intuír que me virá a ser útil brevemente, não só relativamente ao olhar, como tambem á insanidade crescente de quem segura nos dedos os cordeis que comandam as marionetes.
Se a pedrinha garantir o efeito, espero que me ajude a quebrar os tais fios e mande de uma vez a insane cabeça para o sítio de onde nunca devia ter saído.
"Bem a procuraram, mas não a conseguiram encontrar, porque colocaram-na sem saber dentro deles". Só quem sabe ler os outros e assisiu a muito sofrimento é que podia dizer uma coisa tão bela e tão simples. Adorei o seu post.
Mas às vezes o sofrimento é tão grande que não há forma de o confiar nem que seja a uma pedra muda, atenta e imóvel, talvez porque não se queira que ela se escoe, porque se quer que ela fique a ocupar a vida toda quando roubou a razão de viver. É difícil encontrar forças para contar a dor,são as lágrimas guardadas que se transformam em pedras redondas a pesar na alma e a vergá-la até ao chão.A pedra é o amigo invisível, é a confidência inventada, e a única salvação para não colocar a dor dentro de si mesmo é encontrar um amigo, sólido como uma pedra, alguém que queira carregar também o peso para assim o tornar suportável. A pedra é a solidão a que está condenado quem sofre uma dor insuportável...
Caro bartolomeu, espero sinceramente que essa pedrinha surta o tal efeito e pulverize o mal...
Tambem espero que sim, cara DRª. Suzana. Um tanto mal comparado é como aqueles doentes que perdem a esperança de cura pelos métodos científicos e se voltam para os alternativos, como naufrago que se segura a um touco que flutue.
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