1. Segundo noticia hoje o Financial Times, Angela Merkel, dirigiu ontem duras críticas à política de alguns bancos centrais – em especial o Banco da Reserva Federal Americano (FED) e o Banco de Inglaterra, mas não poupando o BCE – por estarem seguindo a opção de injectar dinheiro em grande escala na economia, até de forma directa, comprando créditos emitidos por Estados ou por empresas (chamadas medidas não-convencionais).
2. Afirma Merkel que esta política, de excessiva monetização da economia, impõe o risco de, daqui por 10 anos, voltarmos a encontrar-nos na situação (recessiva) em que nos encontramos hoje.
3. Estes reparos são compreensíveis da parte do primeiro responsável pela política de um País em que existe uma grande preocupação pela estabilidade de preços, requerendo grande atenção em relação aos défices públicos e à observância de uma rigorosa política monetária.
4. É bom lembrar, a este respeito, que a criação da zona Euro e as condições de acesso à mesma são produto de exigências alemãs, sem a satisfação das quais a zona não teria sido criada...o famoso “Pacto de Estabilidade” (mais tarde, tb “e de Crescimento”, PEC) foi também uma das condições para viabilizar essa histórico avanço do projecto europeu.
5. Mas cumpre acrescentar que a Alemanha não está isolada nas preocupações pelo impacto futuro desta política de maciça injecção de dinheiro (“high powered money”numa expressão típica da economia monetária) por parte dos bancos centrais, adicionada a fortes estímulos orçamentais que na Europa fizeram implodir este ano o tal PEC e nos USA levam o defice para uns módicos 13% do PIB...
6. Entre outros, John Taylor, prestigiadíssimo Professor da Stanford University e Nial Ferguson, Professor em Harvard têm apresentado sérias reservas a estas políticas, chamando a atenção para o risco de descontrolo da oferta de moeda numa mudança de conjuntura económica, susceptível de nos conduzir a uma crise de ainda maiores proporções do que a actual.
7. Não deixa de ser impressionante, por exemplo, o espectacular crescimento das reservas monetárias detidas pelos bancos americanos, em resultado da política expansionista do FED.
Sendo certo que essa situação não constitui neste momento ameaça visível à estabilidade económica – pela forte recuperação da poupança do sector privado, tanto famílias como empresas - pode no entanto vir a constituir um problema muito sério caso o FED se veja na necessidade, mais cedo do que se julga, de retirar do mercado esse excesso de reservas...
8. Não directamente a propósito das declarações de Merkel, este é o tema de um excelente artigo de M. Wolf no FT de hoje, adoptando uma linha mais “pragmática” e aceitando como necessária a política de fortíssima injecção monetária para travar os riscos de deflação...
9. Mas Wolf reconhece que os decisores de política monetária estão caminhando sobre “o arame”: enfrentam de um lado o risco de um recuo prematuro nessa injecção, relançando a economia mundial numa recessão...e do outro o risco de explosão nas expectativas inflacionistas e de estagflação...é caso para dizer “venha o diabo e escolha”!
13 comentários:
Não custa perceber e acompanhar o raciocínio de Angela Merkel, quando profetiza a "recaída" da economia europeia dentro de 10 anos, se os países se mantiverem no mesmo rumo de monetização excessiva(?).
Não pelos mesmos motivos que Angela aponta, caro Dr. Tavares Moreira, mas sim pela falta de inovação, ou melhor, pela falta de adaptação dos métudos à realidade.
A obtusidade permanece irredutível no olhar da gente da finança e da economia.
Recordo a propósito um dos primeiros post's colocado pelo Sr. Professor David Justino, o qual denota bastante clarividência e lega a todos um excelente conselho, cujo título é «Desenvolvimento sustentável» e foi publicado em dia 21 de Novembro de 2004.
Devo admitir que os motivos que Angela Merkel aponta também devem merecer alguma consideração, caro Bartolomeu - claro está que sem prejuízo dos que aqui refere e do boem lembrado Post do David Justino...
Devo donfessar-lhe que este assunto me intriga bastante, pois tenho a percepção de que se está a seguir aquela máxima do "evite a ressaca, continue a beber..." - até quando?
Não é fácil perceber quem tem razão, muito menos sem os dados completos. No entanto, sei que o contrário de andar em cima do arame é andar debaixo do arame, não é dizer que o arame não está lá.
Os economistas, tal como todos os outros estudiosos, tendem a linearizar as coisas. Mas, ao contrário dos outros, não conhecem as fronteiras da linearidade. Até podem ter razão, mas provavelmente têm razão porque as políticas actuais lhes dão razão, porque se não existissem essas políticas o risco futuro poderia ter sido transformado em catástrofe presente e, obviamente, não existiriam riscos relevantes, senão melhorar. A resposta que os senhores professores de economia deveriam produzir não é que o arame está lá, é o que significa passar por baixo do arame. Que o arame está lá toda a gente sabe, até os professores de Espinho, quanto mais os de Stanford. Afinal esta crise não vai produzir novos economistas, vamos ficar com os Xamãs que tínhamos.
Claro que não é fácil dizer quem tem razão...se é Merkel, Taylor & Associados se são os agentes pulverizadores de moeda por tudo quanto é sítio...Recordo-lhe apenas que a expressão de "andar sobre o arame" não é de nenhum Prof. é simplesmente de Martin Wolf colunista do F. Times e sagaz comentador destes temas.
Tal como já disse a Bartolomeu, por outras palavras, o que mais me impressiona nisto é estarmos a tentar resolver esta crise utilizando ou tentando forçar a utilização dos mesmos ingredientes que estiveram na sua origem...crédito barato, fácil e abundante!
Será que é este o caminho de uma recuperação sustentada ou sustentável?
Mas, caro Tavares Moreira, ainda está por explicar a origem da crise. Aquilo que aconteceu de facto foi exactamente o oposto, o fim do crédito. Este aconteceu, não temos dúvidas. O mercado automóvel está morto porque não há crédito,o mercado imobiliário está morto porque não há crédito. Barato, fácil e abundante pode ter sido, mas a crise veio de ser irracionalmente inexistente. E note, três adjectivos, todos relativos. Barato relativamente a quê, fácil face a quê, abundante comparado com o quê? Houve crédito sem controlo, sim, mas o valor desse crédito é irrisório no fim da crise.
Se será este o caminho ou não, estou certo que não, mas também só estou a ver uns passos. Importante é que é um caminho, ao contrário da situação em que estávamos que não era um caminho para nada que não para uma pequena catástrofe gerada, em grande medida, pela ignorância sustentada em empirismos sem sentido nenhum.
Caro Tavares Moreira,
Então, os problemas que aqui indica são para adicionar à lista da qual o processo de deleveraging faz parte, certo? Confesso que estou extremamente preocupado pelo facto das economias desenvolvidas não estarem a levar a sério o processo de deleveraging e tentar aproveitar este sistema até rebentar uma bolha com maior estrondo ainda e com maior quebra de confiança por parte das pessoas!
Estive a ler o conceito de estagflação no livro de samuelson e parecia a combinação de um pesadelo. Inflação associada a baixo crescimento e alto desemprego é preocupante, ainda para mais quando refere que há uma inércia por parte da inflação. Agora vem a minha pergunta. Como se combate a estagflação?
Caro Tavares Moreira,
Então, os problemas que aqui indica são para adicionar à lista da qual o processo de deleveraging faz parte, certo? Confesso que estou extremamente preocupado pelo facto das economias desenvolvidas não estarem a levar a sério o processo de deleveraging e tentar aproveitar este sistema até rebentar uma bolha com maior estrondo ainda e com maior quebra de confiança por parte das pessoas!
Estive a ler o conceito de estagflação no livro de samuelson e parecia a combinação de um pesadelo. Inflação associada a baixo crescimento e alto desemprego é preocupante, ainda para mais quando refere que há uma inércia por parte da inflação. Agora vem a minha pergunta. Como se combate a estagflação?
Relativamente à segunda parte do último comentário do caro Tonibler, apesar de concordar com a opinião de que o caminho não pode ser este, penso tambem que o caminho TEM de ser este, só que, adapatado e reconstruído com base numa nova filosofia financeira.
E digo que o caminho TEM de ser este, pela simples razão que as sociedades actuais já não conhecem outra forma de vida que não esteja totalmente dependente do crédito.
Foi um modelo criado pela américa que de tão brilhante, influenciou o mundo, mas que fragilizou e fragmentou as sociedades, ao pulverizar o anterior espírito da poupança que garantia a solidez aos fundos bancários.
O problema a meu ver é a insistência cega nesse modelo, quando em simultâneo todos percebem que o mesmo se esgotou. E esgotou pelo motivo que entra pelos olhos dentro de toda a gente e que tem a ver com capitalismo, com lucro desmedido.
Volto a insistir. Ou mentes iluminadas como aquelas que emergiram no início do século XIX, voltam a surgir com ideias revolucionárias, com processos, ou métudos, ou técnologias, ou sistemas que criem novas necessidades nas produções. Ou então o mais provável será virmos a assistir nos próximos anos à feudalização do mundo e ao surgimento de duas classes sociais distintas, uma constituída pelos mais ricos e poderosos, a outra por "esgravatadores-de-lixo".
Mas Tonibler, ainda tem dúvidas de que a crise começou exactamente pelo sector do crédito, pela explosão do crédito hipotecário nos USA, a tudo quanto bulisse - tivesse ou não capacidade de reembolso - para depois enrolar esse crédito numa bela embalagem securitizada com rótulo AAA ou AA ou só A e vendê-lo por esse mundo fora proporcionando os mais interessantes proventos a quem investisse em tais veículos?
E também pelo crédito abundante, fácil e barato com que nos USA e na Europa se organizaram os mais audaciosos negócios em termos de leverage que agora não podem aguentar-se?
Tudo isso implodiu nestes últimos 2 anos, acha que é boa altura para tentar reeditar, ainda que com um pouco menos de audácia, tal experiência?
Caro André,
O deleveraging tem de continuar, vai continuar, veremos até que ponto a economia consegue encontrar antídotos para enfrentar essa realidade...
Caro Bartolomeu,
Exactamente pelo que diz não me parece que o caminho possa ser, sem mais, um regresso (ainda que menos alegre e alvoraçado) ao regime do crédito fácil, barato...e dá milhões!
A propósito, reparou que alguns banqueiros portugueses se lembraram ontem de dizer publicamente que o período do crédito fácil tinha acabado? Quem teria concedido esse crédito fácil não sei - não foram eles com certeza...
Directamente e em certa medida não foram, é bem verdade, mas caro Dr. Tavares Moreira, nesta estória toda, é ridículo que os banqueiros pretendam fingir que a "culpa é toda dos outro meninos".
Caro Tavares Moreira,
A crise atingiu um valor milhares de vezes superior às perdas reais do subprime. Aquilo que quero dizer é que, sendo o primeiro evento, não foi a causa. A causa foi a ignorância, como em tempos os eclipses solares provocavam crises agrícolas porque os feiticeiros diziam que o fim do mundo estaria próximo ou que era o sinal da fúria dos deuses. Quando leio esses professores de economia agora, ou durante a crise, a criarem uma unanimidade sobre aquilo que iria acontecer e, com essa unanimidade, provocarem eles mesmo a crise, a imagem do feiticeiro aparece sempre. E o sucesso do pastor é a ignorância do rebanho. A ignorância levou ao fim do crédito, o fim deste à perda da liquidez para tudo o resto que estava alavancado e desta para se fazer em liquidez "tudo o que mexa" são dois segundos. À posteriori, tudo estava demasiado alavancado tirando a comida, porque a oferta inunda os mercados, sejam acções, sejam resistências eléctricas.
Se tirar o crédito todo, a alavancagem passa a ser infinita. Se ceder todo o crédito a alavancagem passa a zero. O que é, em concreto, crédito fácil dentro destes dois limites? Um dia questionei, por mail, um personagem curioso da regulação bancária sobre o rácio dos 8% imposto aos bancos. Porquê 8%? Porque não 9%, 50%,2%? A resposta foi curiosa: ninguém sabe, alguém arbitrou na altura, nos anos 80, imagina-se hoje que qualquer valor seria bom, mas não há provas concretas da validade dos 8% face a outro valor qualquer. É desta ignorância que falo.
Meu Caro, "não me venha com essa conversa" (com toda a consideração) de que a responsabilidade da crise tem origem na ignrância...acha mesmo que os cavalheiros que concederam os créditos, os empacotaram, lhes colocaram o rótulo A(AA) e os venderam por todo o Mundo eram ignorantes?
E muitos dos que compraram para revender também eram ignorantes?
Coitadinhos, então merecem todos o nosso mais profundo respeito...
E talvez seja o momento de chegar à conclusão que fomos nós que inventamos a crise...se os malditos economistas, Ilustres Professores ou meros aprendizes (meu caso), não se tivessem lembrado de falar na crise, ainda hoje estaríamos vivendo felizes, gozando os saborosos proventos do sub-prime!
Não é dessa ignorância que falo, mas quem comete o erro de estacionaridade como aquele que comentarem ao dar os ratings às MBS também pode ser classificado de ignorante.
A ignorãncia de que falo é daquela que vemos todos os dias. O Nothern Rock foi o primeiro banco europeu a colapsar. Qual era a exposição do Nothern Rock ao subprime? Zero. Qual o crime do Nothern Rock? Dar crédito à habitação. Do subprime ser mau à hipoteca ser má, foi um passinho. O que é que a Fanny Mae e o Freddy Mac têm a ver com o subprime? Nada. Aliás, são eles a razão de existir um sub., porque o prime são eles.Qual o crime deles? Emprestar para habitação. E daqui posso ir por aí fora até chegar à simples conclusão que o valor do subprime é ridículo comparado com os valores da crise.
O conhecimento faria limitar a crise aos montates do subprime, não aos montantes a que chegamos hoje.
Sabe qual era a probabilidade de incumprimento subjacente aos preços de mercado das mortgage backed securities(das boas, não do subprime)? 70%! Sabe qual era o máximo histórico verificado? 7%. Porque é que os mercados acreditavam então que era de 70%??? Ignorãncia. Só. Um ignorante que segue o outro e temos uma crise.
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