Em pequeno era muito frequente ouvir conversas do género: “coitada, morreu tísica”; “fulano foi para o Caramulo”; “sicrano apanhou uma fraqueza e teve que deixar de trabalhar”; “a minha criança anda muito magra, tenho medo que os pulmões sejam apanhados”, enfim, curtas amostras das muitas preocupações da época em que a tuberculose era a rainha e senhora dos corpos e das almas dos portugueses. Todos a temiam, ao ponto de ninguém pronunciar o seu nome.
A magreza era uma obsessão, já que os magros sofriam mais da doença, a qual, por sua vez, tornava ainda mais magros ao ponto das vítimas ficarem transparentes.
Os esforços dos pais, e não só, centravam-se no combate à magreza, o que era difícil, devido à pobreza reinante, mas que constituía, na sabedoria popular, o primeiro passo para aguçar o apetite do bacilo da peste branca. É fácil de concluir, então, que o melhor sinal de saúde era uma criança ou adulto rechonchudo, mesmo obeso, avermelhado, ar trigueiro, um verdadeiro atestado de robustez que, rapidamente, sobretudo nos séculos XIX e XX, passou a ser conotado como o melhor estatuto social impregnando todas as áreas inclusive a arte. Se o valor do normal era baixo, o que dizer do magro? Não tinha grande saída, porque corria mais riscos. Lembro-me de ter lido uma crónica de um jornalista espanhol, que, a propósito da luta contra a obesidade, e citando alguns exemplos do passado, afirmou que as prostitutas mais obesas eram objeto preferencial de consumo.
A obesidade constitui hoje um grave problema de saúde pública. A sua prevalência é deveras elevada, sobretudo no mundo ocidental. Este fenómeno de armazenar energia por parte dos seres humanos foi determinante para ultrapassar grandes e graves períodos de fome que atingiu a Humanidade desde os primórdios. A natureza sabe da poda. Só que nos nossos dias, ser-se obeso acarreta riscos de inflamação crónica e de doenças metabólicas, sobretudo se a gordura se dispuser ao redor das vísceras.
Obrigado gordura visceral por ter-nos ajudado a sobreviver! Agora já não precisamos de ti, como quem diz, temos alimentos e não passamos fome. Às tantas não é assim tão linear, porque nunca se sabe se uma nova e grande fome não nos irá atingir novamente nesta parte do mundo. O melhor é continuar a propagar esses genes que, afinal, não servem só para ajudar a armazenar energia. Parece - aqui está uma interessante hipótese -, que ser-se obeso estimula a resposta imunológica, tornando as pessoas mais resistentes às agressões biológicas, mormente contra o bacilo da tuberculose. Se se comprovar esta hipótese, o tal conceito popular de já falei de que “gordura é saúde” fica legitimado, sobretudo nas épocas em que se morria muito de tuberculose. Mas há um outro aspeto importante que merece ser focado: a epidemia da peste branca iniciou-se praticamente a partir dos finais do século XVIII e princípios do século XIX. Calcula-se que tenha causado muitas mortes, qualquer coisa como mil milhões! ofuscando a peste negra ou a gripe espanhola. Deste modo poderemos especular que a atual epidemia da obesidade se deva não só à propagação dos genes selecionados em função dos múltiplos períodos de fome, mas também pela eliminação daqueles que, sendo naturalmente propensos à “magreza”, acabaram por sucumbir à sombra desta doença. E aqui chegamos a um ponto muito interessante. Os detentores e os mais propensos para a obesidade, sobretudo a de nível central, são o reflexo de fenómenos evolutivos mais ou menos recentes. Só que hoje em dia passamos a morrer devido à obesidade, mas em idades que praticamente não eram alcançadas noutras épocas. A obesidade protegeu-nos da fome e, agora, um nova hipótese: a tal barriguinha parece desempenhar um fator de proteção graças a uma melhor resposta imunológica às infeções.
Pronto. Acabei! Por hoje, fico satisfeito e menos aborrecido pelas torturas de que foi alvo em pequeno. Comia de várias maneiras. Era magro, logo corria perigo de apanhar uma fraqueza nos pulmões. Tentaram com que eu engordasse à força, para fugir à ceifa da morte e da doença terrível que dizimava muita gente. Só de lembrar do que me impingiam causava-me uma certa repulsa. Agora, estou convicto de que a sabedoria popular tem muito que se lhe diga. Se comprovarem que um certo grau de obesidade é “saudável”, tal facto deverá agradar a muitos que leram esta crónica, a qual comprova que nem tudo é mau, nem imperfeito. Há vantagens e desvantagens. Neste momento, até já se sabe que, em caso de doença grave, os que têm excesso de peso recuperam mais facilmente do que os normais...
A magreza era uma obsessão, já que os magros sofriam mais da doença, a qual, por sua vez, tornava ainda mais magros ao ponto das vítimas ficarem transparentes.
Os esforços dos pais, e não só, centravam-se no combate à magreza, o que era difícil, devido à pobreza reinante, mas que constituía, na sabedoria popular, o primeiro passo para aguçar o apetite do bacilo da peste branca. É fácil de concluir, então, que o melhor sinal de saúde era uma criança ou adulto rechonchudo, mesmo obeso, avermelhado, ar trigueiro, um verdadeiro atestado de robustez que, rapidamente, sobretudo nos séculos XIX e XX, passou a ser conotado como o melhor estatuto social impregnando todas as áreas inclusive a arte. Se o valor do normal era baixo, o que dizer do magro? Não tinha grande saída, porque corria mais riscos. Lembro-me de ter lido uma crónica de um jornalista espanhol, que, a propósito da luta contra a obesidade, e citando alguns exemplos do passado, afirmou que as prostitutas mais obesas eram objeto preferencial de consumo.
A obesidade constitui hoje um grave problema de saúde pública. A sua prevalência é deveras elevada, sobretudo no mundo ocidental. Este fenómeno de armazenar energia por parte dos seres humanos foi determinante para ultrapassar grandes e graves períodos de fome que atingiu a Humanidade desde os primórdios. A natureza sabe da poda. Só que nos nossos dias, ser-se obeso acarreta riscos de inflamação crónica e de doenças metabólicas, sobretudo se a gordura se dispuser ao redor das vísceras.
Obrigado gordura visceral por ter-nos ajudado a sobreviver! Agora já não precisamos de ti, como quem diz, temos alimentos e não passamos fome. Às tantas não é assim tão linear, porque nunca se sabe se uma nova e grande fome não nos irá atingir novamente nesta parte do mundo. O melhor é continuar a propagar esses genes que, afinal, não servem só para ajudar a armazenar energia. Parece - aqui está uma interessante hipótese -, que ser-se obeso estimula a resposta imunológica, tornando as pessoas mais resistentes às agressões biológicas, mormente contra o bacilo da tuberculose. Se se comprovar esta hipótese, o tal conceito popular de já falei de que “gordura é saúde” fica legitimado, sobretudo nas épocas em que se morria muito de tuberculose. Mas há um outro aspeto importante que merece ser focado: a epidemia da peste branca iniciou-se praticamente a partir dos finais do século XVIII e princípios do século XIX. Calcula-se que tenha causado muitas mortes, qualquer coisa como mil milhões! ofuscando a peste negra ou a gripe espanhola. Deste modo poderemos especular que a atual epidemia da obesidade se deva não só à propagação dos genes selecionados em função dos múltiplos períodos de fome, mas também pela eliminação daqueles que, sendo naturalmente propensos à “magreza”, acabaram por sucumbir à sombra desta doença. E aqui chegamos a um ponto muito interessante. Os detentores e os mais propensos para a obesidade, sobretudo a de nível central, são o reflexo de fenómenos evolutivos mais ou menos recentes. Só que hoje em dia passamos a morrer devido à obesidade, mas em idades que praticamente não eram alcançadas noutras épocas. A obesidade protegeu-nos da fome e, agora, um nova hipótese: a tal barriguinha parece desempenhar um fator de proteção graças a uma melhor resposta imunológica às infeções.
Pronto. Acabei! Por hoje, fico satisfeito e menos aborrecido pelas torturas de que foi alvo em pequeno. Comia de várias maneiras. Era magro, logo corria perigo de apanhar uma fraqueza nos pulmões. Tentaram com que eu engordasse à força, para fugir à ceifa da morte e da doença terrível que dizimava muita gente. Só de lembrar do que me impingiam causava-me uma certa repulsa. Agora, estou convicto de que a sabedoria popular tem muito que se lhe diga. Se comprovarem que um certo grau de obesidade é “saudável”, tal facto deverá agradar a muitos que leram esta crónica, a qual comprova que nem tudo é mau, nem imperfeito. Há vantagens e desvantagens. Neste momento, até já se sabe que, em caso de doença grave, os que têm excesso de peso recuperam mais facilmente do que os normais...
4 comentários:
Fantástico, como sempre Prof. MC :)
Eis-me de regresso às lides bloguistícas. O "Anthrax" subiu um degrau na escala evolucionária e transformou-se em "Firefly" (Lampyridae). De fungo passei a pirilampo (ou "pirilampa" para os amigos), para ver se ilumino qualquer coisita.
Assim, tive de aqui vir para vos deixar um "Olá".
De fungo "perigoso" para a doce luz do pirilampo...
Afinal a evolução funciona! Sem elos perdidos...
É verdade caro prof. MC, sem elos perdidos, e depois de ler a sua crónica aproveito para relembrar que na Mauritania a "gordura" é de facto "formosura" e o ideal de beleza feminino passa mesmo pelo "quanto maior, melhor". As meninas passam por uma rigorosa dieta de engorda em que são obrigadas a alimentar-se de modo a ficarem bem gordinhas e logo mais atractivas aos olhos masculinos.
Se nós cá (mundo ocidental) quase que pagamos o que for preciso para emagrecer, elas lá (na Mauritania) quase que pagam o que for preciso para engordar nem que isso signifique pagar por medicamentos e produtos destinados à engorda de animais.
Conclusão, isto da beleza "vareia" consoante a área geográfica do globo em que nos encontramos.
Peço permissão ao Professor Massano Cardoso, para desejar à firefly as bom regresso e dizer-lhe que a transformação sofrida (de antrahx para firefly) faz-me lembrar a evolução do feto até chegar àquela bela mulher, há coisas fantásticas! :)
Pois concordo com a conclusão da firefly: “isto da beleza "vareia" consoante a área geográfica do globo em que nos encontramos".
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