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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Afinal em que ficamos?

Ouvi há pouco o Bastonário da Ordem dos Médicos referir que nos próximos anos iremos ter milhares de médicos sem emprego. Esta afirmação choca com o facto que é observado pelo comum dos mortais da falta de médicos. Parece que a razão tem que ver com a falta de vagas para os jovens médicos fazerem a especialidade. O Bastonário deu a entender que não é possível aumentar as vagas sem perda de qualidade da formação.
Há qualquer coisa aqui que parece não fazer sentido. Por um lado, o numerus clausus dos cursos de medicina aumentou nos últimos anos, incluindo mais um curso de medicina, para dar resposta à necessidade de formação de mais médicos. Por outro lado, não há vagas suficientes para que os médicos entrem na especialidade e prossigam na formação necessária para poderem exercer.
Quem não se lembra, ainda recentemente, da contratação de médicos cubanos e de outros países e do apelo da ex-ministra da saúde aos jovens portugueses que estudam medicina no estrangeiro para regressarem a Portugal. Estava em causa uma falta momentânea de médicos? Ou a falta é estrutural? Se sim, não se compreende que haja estudantes a caminharem para uma licenciatura sem possibilidade de se especializarem. Afirma o Bastonário que "A sociedade tem que discutir se quer preservar a qualidade do Serviço Nacional de Saúde ou se o quer transformar num mercado puro e duro em que será sempre o doente o elo mais fraco que sofre as consequências". Pois bem, que finalmente se discuta para que não andemos anos atrás de anos sem discussão, sem planearmos para onde queremos ir. Já sabemos no que dá o ir andando. Para já temos 700 mil portugueses sem médico de família…

24 comentários:

Suzana Toscano disse...

É confuso, Margarida, muito confuso mesmo, com tantos médicos a reformar-se não se percebe como é que não há vagas nas especialidades!

Massano Cardoso disse...

É fácil aumentar o numerus clausus e até aumentar o número de faculdades. Um decisão política e já está, no dia seguinte passa a ver mais vagas e mais faculdades. Quanto à abertura de lugares nas especialidades as coisas piam mais fino, porque entram em jogo interesses de vária natureza, a capacidade formativa e o reconhecimento por parte da ordem para a formação, logo, a esferográfica do ministro não risca tão facilmente, travando qualquer veleidade em inundar certas especialidades. Não é muito difícil de compreender...

Sara disse...

Susana, o problema é mais complexo do que isso e é previsível há vários anos.

O problema começou nos anos 80 quando decidiram diminuir as vagas.

Em finais dos anos 90, perceberam que iria haver uma falta de médicos e decidiram começar a aumentar as vagas mas aumentaram demasiado. Para conseguirem isto, colocaram as faculdades de medicina já existentes no limite (turmas de 15 alunos em aulas práticas numa enfermaria), abriram o curso no Minho e na Beira Interior e criaram os ciclos básicos na Madeira e nos Açores. Os alunos fazem os 2 primeiros anos nas Regiões Autónomas, e concluem o curso em Lisboa e Coimbra, respectivamente. No ano passado, abriram o curso de 4 anos no Algarve e, este ano, em Aveiro. Desde há uns 4 anos para cá uma percentagem de vagas nas outras faculdades é para alunos licenciados (15%). Ou seja, a Faculdade de Medicina de Lisboa tem um concurso só para licenciados, em que entraram mais alunos do que em Aveiro.
Juntando-se tudo, as vagas de medicina passaram de cerca de 500/600 em 1998 ou 99 para umas 1600/1700 (não vi o número deste ano). E a percentagem dos que termina o curso nos 6 anos estipulados é bastante elevada.

No final do curso de medicina, o médico não tem autonomia. Só a obtém depois do Ano Comum e 1º ano de especialidade. Não pode, legalmente, exercer medicina fora do âmbito do internato médico e os médicos oriundos da UE concorrem em pé de igualdade com os portugueses. Assim, adiciona-se facilmente uns 200 à conta.

Para ainda complicar mais, as reformas e as saídas definitivas de médicos para o sistema privado fazem com que os serviços tenham ainda menos gente disponível para ensinar. O Ministério não pode interferir na capacidade formativa: quem avalia é a Ordem e os respectivos Colégios da Especialidade. Resumindo: é muito mais difícil fazer demagogia nos internatos.

No ano passado, a capacidade formativa de muitos sítios ficou quase a 100% e os internos que estão a acabar agora a especialidade são aqueles que começaram o curso por volta de 1998/1999/2000, em que o número era muito inferior ao actual. Não é por acaso que há semanas saiu uma notícia no DN (é por esta altura que os hospitais/centros de saúde comunicam à Administração Central quantas internos poderão receber no máximo e esta elabora o mapa de vagas com base nisso), em que se fala que este ano deverá haver menos vagas para Medicina Geral e Familiar, Psiquiatria, Gastroenterologia e Ginecologia-Obstetrícia.

A formação de um médico demora entre 11 a 13 anos, e qualquer alteração no número de vagas demora esse mesmo número de anos a dar efeito. Confesso que nunca fui contra a vinda de médicos estrangeiros (desde que nas mesmas condições dos portugueses, algo que não tem acontecido) para suprimir as carências temporárias.

Convém saber que já há médicos recém-especialistas desempregados, em determinadas especialidades (Patologia Clínica ou Medicina Nuclear), e que continuam a abrir vagas para elas nos internatos. Há médicos de família recém-especialistas a recibos verdes, porque os centros de saúde precisam deles mas não têm possibilidade de contratar.

Sara disse...

E, já agora, para suprimir o problema dos portugueses sem médico de família não é necessário um número tão gigantesco como se pensa. Equivale ao intake de uns dois ou três anos, considerando o número de vagas que costumam abrir para o Internato de Medicina Geral e Familiar. Desde há uns anos, são 30% das vagas, o que no ano passado equivaleu a 346 vagas só no concurso A. O problema é que no final da especialidade pagam-lhes tão mal, que é preferível irem trabalhar para outras paragens (no privado ou no estrangeiro).

Suzana Toscano disse...

Caro Massano Cardoso e cara Sara, muito obrigada pela explicação, que esclarece bem o afunilamento que existe e que será ainda maior com mais licenciados e menos médicos para formar especialistas, com a reformas e a saída para o sector privado.A quebra geracional é um dano "colateral" das saídas dos quadros do Estado, bem grave e difícil de colmatar a curto prazo, que noutras áreas não é tão visível nem talvez tão sensível, mas que provoca também muitos prejuízos, que o recurso ao outsourcing já está a mostrar que não resolve.

Bartolomeu disse...

Apercebemo-nos frequentemente da existência de discrepâncias na gestão da colocação de médicos, versus admissão para formação e especialização e ainda, como ouvi hoje nas notícias da manhã, casos absurdos de vários médicos estrnageiros, oriundos de um país da América do Sul, que se encontram desde Maio a receber ordenados de dois mil e tal euros, mas que não exercem, porque a entidade competente, não lhes validou ainda a carteira profissional.
Talvez em Portugal, dentro do Ministério da Saúde, existam outros ministérios...

Bartolomeu disse...

PS.
Registo com a máxima satisfação, a visita (apesar de fugaz) do nosso caríssimo Amigo, Professor Massano Cardoso.
E faço votos, para que no próximo almoço quartarepublicano, não surjam impedimentos que no-lo roubem.
;)

(c) P.A.S. Pedro Almeida Sande disse...

O problema da medicina é saber se os Portugueses aguentam uma consulta a 100 € por via da falta de concorrência.

E que me desculpem os médicos, por quem tenho o máximo respeito pela abnegação da profissão, independentemente do poder quase soberano de vida e de morte.

Não pode haver profissões sagradas e acessos fechados. Aliás muitos recém licenciados e médicos acabam por abandonar a carreira ou mesmo nunca chegam a exercer - ou concorrem a lugares mais prosaicos como os nossos ilustres autarcas.

Porque é que há-de haver licenciados em direito, gestão a batalhar por emprego e não médicos?

Quantos milhões de Portugueses já não vão ao médico, ao dentista, por falta de dinheiro e falta, em tempo, de consultas e médicos?

Sara disse...

(c) P.A.S., não é isso que está a ser discutido aqui. A verdade é que podem ter alargado o filtro nas entradas no curso, mas este mantém-se no final e atingiu agora a capacidade máxima.

Os próximos anos têm ainda mais alunos a acabar o curso, por isso não estamos a falar de médicos a batalhar por emprego. Estamos a falar de médicos que vão ficar, efectivamente, sem poder exercer medicina ou que, caso a Ordem decida mudar as características da autonomia (pouco provável), não terão qualquer especialidade e também não poderão fazer qualquer tipo de competição aos médicos que levam 100€ por consulta. Aliás, não farão competição com ninguém, porque não terão competências para tal.

Aquilo que, pelos vistos, acontecerá já no próximo ano é que teremos internos sem acesso a vagas para especialidade a terem de esperar um ano, para conseguirem aceder a mais vagas (os concursos são anuais). Claro que terão outras hipóteses de emprego, mas não será a ver doentes ou não será neste país. O tópico da emigração é mais discutido entre os jovens médicos do que aquilo que se pensa. E, já agora, os médicos dentistas (que é um curso superior à parte) são bastante numerosos, têm dificuldade em arranjar emprego e andam a emigrar em massa. E, curiosamente, isso não levou a que os cuidados dentários se tenham tornado muito mais baratos.

Tonibler disse...

Se vão ficar sem poder exercer medicina vão ficar na mesma situação que qualquer um dos portugueses que decide fazer qualquer coisa. Nesse sentido até para ser "técnico tubista" devia haver uma regulação superior...

Eu concordo com o PAS e não há razão nenhuma para não se concordar. Não faz sentido eu andar a pagar cursos de medicina e depois ter que pagar duas vezes mais pela escassez artificialmente imposta. Logicamente, prefiro pagar uma vez só, se há lugares ou não para a especialidade, é chato mas só perco o dinheiro um vez.

Se faz sentido ou não, depende da perspectiva. Do ponto de vista de quem está a estudar medicina isso pode não fazer sentido mas esse ponto de vista interessa muito pouco a quem lhe está a pagar o curso. Do ponto de vista de quem lhe está a pagar o curso interessa que a sociedade não fique refém de uma associação privada de interesses que estabelece unilateralmente o seu preço.

Bartolomeu disse...

Pode ser como diz a cara Sara, não contesto, até porque não possuo qualificações para tal.
Contudo, a sensação que se tem, os que estão por fora, leigos; é a de que existem feudos que se auto-protegem, nas disciplinas especiais.
É evidente que os recem formados, demorarão a poder fazer sombra (em termos de "bagagem") aos veteranos mas, no meio de todo este "arraial" de clínicas privadas é muito fácil percebermos que as "elites" (e entenda-se este "elites" de uma forma menos ortodoxa) tendam a proteger tanto o seu ganha-pão, quanto o seu estatuto.
Tal como afirmou mais atrás, um médico especialista, demora muitos anos a formar-se, depois desse "investimento" é natural que lute por alcançar um lugar de destaque. Antigamente, os mentores, contavam imenso para consolidar e aumentar os conhecimentos e constituir tarimba, mas hoje, a coisa é mais na linha do "fast-tudo".
;)

Anthrax disse...

Mmmmm... resolver a falta de concorrência é simples.

Reconheçam as licenciaturas tiradas nas faculdades de medicina dos restantes estados-membros da U.E.

(c) P.A.S. Pedro Almeida Sande disse...

Cara amiga Sara

É por isso que os médicos dentistas têm medo dos médicos dentistas Brasileiros: baixaram o preço das consultas e garanto-lhe que na generalidade são mais atenciosos e cuidadosos que muitos nacionais.
Aliás o problema começa a montante com este absurdo de notas de entrada onde as vocações não são medidas e que faz de muitos médicos novos, verdadeiras máquinas de calcular (medicina igual a padrão de vida superior à média dos outros profissionais). Há pouco fui atendido por um médico Búlgaro em Santa Maria que se queixava dos colegas mais novos Portugueses que dizia "com evidente exagero" quererem mais dinheiro que trabalho. Demasiado mal habituados, dizia ele. Demasiado mimados.

Cara amiga
Quando as consultas privadas estiverem a 20 ou 30 euros por hora aí, sim, será sinal de que não há falta de médicos e mesmo aí os médicos poderão gabar-se de arrecadar bruto ao fim do mês 5280 € por 22 dias de trabalho a 8 horas por dia. Nada que os nossos amigos Costa Riquenhos não gostassem de ganhar se a ordem abdicasse do papel da reciprocidade. Afinal qual o médico Português que quer ir trabalhar para a Costa Rica, se a 100€ por hora pode tirar 25000€ por mês?

Bartolomeu disse...

Caro (c); está a esquecer-se de referir a simpatia e sensualidade que as assistentes dos odontologistas brasileiros, transpiram por cada poro.
É daí que advem a diferença de preços praticada pelos portugueses e brasileiros, é que os brasileiros não precisam gastar tanta anestesia para efectuar um tratamento.
;)))

Bartolomeu disse...

Vê lá se te cai um dentinho com a gracinha, Bartolomeu... zinho!

Anthrax disse...

Ora meu caro Bartolomeu,

Quer melhor técnica de marketing do que essa? É praticamente infalível.

Bartolomeu disse...

E... indolor!
;)))

(c) P.A.S. Pedro Almeida Sande disse...

E cá estão as forças de bloqueio, que não apenas aquelas que encontramos na "sociedade política".

«Fonte do ministério da Saúde diz, ao Económico, que Portugal tem “urgência no contributo destes médicos”.

"A solução do problema passa pela Ordem dos Médicos, que não liberta as cédulas profissionais dos médicos costa-riquenhos enquanto não tiver o documento da reciprocidade, documento esse que não é, de todo relevante para o exercício da profissão dos médicos já contratados", explicou ao Económico fonte do Ministério da Saúde.»

E peço desculpa pela falta de referência à simpatia e sensualidade das assistentes!

António Barreto disse...

Não conhecendo a fundo "as teias" da profissão médica, estou porém convicto que, este, é um dos setores onde a velha e mediocre tradição portuguesa das "torres de marfim" se faz sentir e que, parodoxalmente, parece ter-se fortalecido com o regime alegadamente democrático do pós 25/04.

ricardo disse...

A formação de especialistas é mais complicada do que parece.Não basta abrir vagas.
É necessário ter doentes, professores, tempo e disponibilidade para os internos fazerem centenas de consultas, cirurgias,acompanharem diferentes casos clínicos durante meses , anos,...
A realidade é que actualmente, nas faculdades de medicina, já há alunos a mais, que não têm condições para aprender executando devidamente supervisionados.
Nas enfermarias e nos blocos operatórios acumulam-se alunos dos 4º, 5º, 6º, internos do 1º 2º ..., às vezes às dezenas, com um professor assoberbado que para além de ter que tratar o doente, não tem condições para formar toda aquela gente.
Fazem-se turnos para os alunos assistirem a uma ou duas consultas por exemplo de otorrino ou oftalmologia durante o curso de medicina. Do mesmo modo para assistirem a um parto, a uma cirurgia ao apêndice.
Internos passam a especialistas sem terem executado muitas tarefas básicas da sua especialidade, que apenas conhecem dos livros.
A situação está esticada para além do limite.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Como diz a Suzana é tudo muito confuso, mas as explicações do Professor Massano Cardoso e da Cara Sara ajudam a compreender o que se está a passar.
Como referem os nossos Caro P.A.S. e Caro Tonibler, não faz sentido que se invistam recursos públicos - dinheiro dos contribuintes - na licenciatura de médicos que depois não podem exercer porque não há vagas nas especialidades.
Mas o que é realmente importante é percebermos se o SNS e o sector da saúde em geral vão continuar ou não a ter falta de médicos. Há falta de transparência nesta matéria. O governo diz e faz uma coisa e a ordem dos médicos diz e faz coisa diferente. Este é realmente um problema.
Não se compreende como é que num país em que o salário mínimo nacional não chega a 500 euros uma consulta médica custa 100 euros ou mais.
O caso mencionado pelo nosso Caro Bartolomeu é imoral. Ninguém quer assumir responsabilidades. Estão a ser gastos dinheiros públicos, os médicos foram contratados porque são necessários, mas o governo que os contratou não cuidou de previamente se assegurar que estavam reunidas todas as condições para que viessem exercer.
Caro António Barreto, estamos cheios de “torres de marfim”. Ajudam a explicar as enormes disparidades da nossa sociedade…
Caro Ricardo, a questão é que se há falta de médicos e não basta abrir vagas, então alguma coisa não está a funcionar e é preciso corrigir a situação.
A questão levantada pelo Caro P.A.S. sobre os criérios de acesso ao curso de medicina é pertinente. Vocação, talento e sensibilidade? Não, estão fora da mentalidade prevalecente que rotula as pessoas pelo conhecimento técnico.
Cara Anthrax, concorrência? Cuidado com a "mercantilização dos doentes"!

ricardo disse...

Cara M.C.Aguiar
Pergunta porque custa uma consulta 100 euros ou mais?
Porque um médico desconta, sobre cada recibo verde, 50 a 75 % (IRS + Seg SOCIAL).

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Ricardo
Também as remunerações de outros profissionais estão sujeitas aos mesmos descontos, IRS e Segurança Social.

ricardo disse...

Cara M.C.Aguiar
É por isso que nas profissões mais qualificadas as pessoas começam a escolher não trabalhar.
A desestruturação da sociedade provocada por este estado de coisas vai ter pesadas consequencias.
Como sempre serão os mais fracos a pagar a conta.