Ninguém pede para nascer, nem pode, mas pode questionar porquê lhe coube tal sorte ou tamanho castigo, e no fim apenas sabe que vai ficar eternamente sem resposta. Como em muitas outras coisas, somos peritos em fazer perguntas, mas ignorantes em dar respostas, e quando conseguimos encontrar uma explicação o seu valor é relativo aguardando pacientemente que a substituam por outra, e assim o mundo vai girando, crescendo em conhecimento e agigantando-se em angústia.
As novas tecnologias permitem produzir novos seres, contrariando a "má vontade" da natureza ao não permitir a realização da mater(pater)nidade. As novas tecnologias permitem, igualmente, detetar "erros" da natureza levando à não produção de seres com "defeitos". Os humanos querem produtos de elevada qualidade. São educados nesse conceito, tornando-se, cada vez mais, em consumidores muito exigentes.
O setor da saúde cresce, talvez desmesuradamente, ofertando meios de diagnóstico ultra sofisticados. Uma criança nasce com "defeito". Fugiu ao controlo rigoroso dos meios que a tecnologia põe ao dispor da sociedade. Consequências? Como a criança não nasceu perfeita pedem-se responsabilidades. Alguém tem de pagar o "prejuízo"; os pedidos de indemnização começam a chover, montantes mais do que chorudos.
Este fenómeno está em crescendo nalguns países, "vidas erradas", caso de crianças que processam os médicos por terem nascido com "defeitos". Em Israel, o assunto preocupa as autoridades, reportando-se mais de 600 casos de pedidos de indemnização nos últimos vinte e cinco anos. Atendendo às características genéticas do povo judeu, elevada taxa de consanguinidade, são muitas as afeções deste cariz que atingem sobremaneira a comunidade. A classe médica, consciente das consequências desta atitude, passou a jogar à defesa, e, deste modo, está a contribuir para a eliminação de "produtos" (fetos) desde que haja suspeita de doença ou problema, originando falsos positivos, ou seja, contribuindo para a eliminação de fetos saudáveis!
Os pais das crianças que nascem com problemas de saúde, escapando às maravilhas dos testes de diagnóstico, têm conseguido indemnizações avultadas. Há, também, indícios de que, mais tarde ou mais cedo, serão as próprias crianças, talvez nem seja necessário chegarem a adultos, a exigirem responsabilidades por terem vindo ao mundo com "defeitos" que escaparam ao controlo médico, tornando-as "inferiores" e com menos possibilidades "concorrenciais" nas vivências do mundo moderno.
A procura da perfeição é um tremendo disparate, pela simples razão de os seres humanos terem evoluído à custa de erros, no fundo não somos mais do que um somatório deles. Um dia destes ainda vão passar um certificado de qualidade aos nascituros ou uma "garantia" semelhante à de um veículo automóvel ou eletrodoméstico.
Ninguém pede para nascer, nem pode, mas um dia destes pode questionar por que é que o deixaram nascer com defeito, e não vai ficar sem resposta e sem indemnização...
1 comentário:
Caro Professor Massano Cardoso
No limite do absurdo, que não sabemos qual é, o nascituro já crescidinho até pode, sabe-se lá, pedir responsabilidades aos pais por o terem trazido ao mundo...
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